segunda-feira, 26 de novembro de 2012

SNI MONITORAVA O MOVIMENTO NEGRO


http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2012/11/25/interna_diversao_arte,335676/servicos-de-inteligencia-monitoravam-movimentos-negros.shtml

Serviços de inteligência monitoravam movimentos negrosMovimentos sociais e artísticos, como o Black Rio e o black são paulo, estavam na mira dos arapongas

José Carlos Vieira
Carlos Alexandre
Publicação: 25/11/2012 13:16Atualização: 25/11/2012 13:29
O alerta acima, acompanhado de dois carimbos de “confidencial” em cada uma das nove páginas do documento, foi dado pelo Centro de Informação e Segurança da Aeronáutica (Cisa-RJ), em 20 de outubro de 1976. Com o sugestivo título Racismo negro no Brasil, a pasta reflete a preocupação dos órgãos de segurança do governo comandado pelo general Ernesto Geisel com a infiltração de entidades subversivas nos movimentos populares. Os agentes da ditadura seguiam cada passo, registravam cada palavra dita por militantes, simpatizantes e intelectuais em favor da inclusão dos negros na sociedade brasileira.

O documento, que traz a chancela da Agência Central do Serviço Nacional de Informações, o SNI, detalha o que se passava nas palestras e nos debates promovidos por associações culturais, responsáveis pelo trabalho de recrutar simpatizantes ligados à causa negra. “Nesta fase, os conferencistas preocupavam-se em não falar ostensivamente em política, mas condicionavam os ouvintes a aceitar a existência de um disfarçado racismo branco no Brasil.” Eram nessas palestras, segundo relata o agente, que os militantes identificam as pessoas mais sensíveis às ideias do movimento. Posteriormente, elas eram convidadas a participar de grupos de estudo, em caráter reservado.

Obtido pelo Correio no Arquivo Nacional, o relato do araponga ligado ao serviço secreto da Aeronáutica é detalhado e cheio de minúcias, e cita os principais temas apresentados pelos militantes, tais como:

» Qualquer movimento cultural não pode ser desvinculado do político, já que muitas manifestações culturais, principalmente a negra, é esmagada por uma força política branca que é adversa a qualquer outro motivo cultural de outra raça;

» O problema do negro no Brasil é sociocultural, pois a sociedade dominante da época da escravidão até os dias de hoje é branca e não é do seu interesse que a cultura negra vigore;

» Os negros devem se conscientizar do que são, e se honrar dos seus antepassados que lutaram até morrer por uma liberdade, como foi o caso do Quilombo dos Palmares.

Em determinado trecho do documento, o informante faz uma
ressalva ao apontar que os moderados, durante os debates, evitam falar claramente em política e problemas sociais. Mas a ação dos “radicais” é direta e, segundo ele, são inspirados nos panteras negras, dos Estados Unidos, e no culto a Idi Amim Dada, ditador de Uganda. O grupo preferia recrutar simpatizantes nos clubes de soul onde jovens com cabelos black power e roupas coloridas lotavam as pistas de dança ao som de músicas de James Brown, Tony Tornado e Gerson King Combo. “Até o presente momento, não foi possível configurar se os conjuntos musicais de soul estão envolvidos.” Os grupos radicais, de acordo com o relato do serviço de inteligência, se autodenominavam “almas negras” e tinham o socialismo como base ideológica, além de possuírem algumas características que os identificavam:

» A saudação entre homens e mulheres é feita com um beijo na boca;

» O cumprimento entre os homens é idêntico ao usado pelos panteras negras (vários toques de mão);

» Em algumas reuniões, alguns negros fizeram saudação à moda comunista (braço levantado e mão fechada);

» Usam alguns termos especiais e chamam o branco de “mucala” (mukala, branco, grifo nosso) e vestem-se com roupas extravagantes.

Até hoje o produtor cultural Asfilófio de Oliveira Filho, o Filó, é um dos ícones do movimento black do Rio. Ao Correio, ele revela como era pressão sofrida pelo movimento negro nos anos 1970. De um lado, a ação dos agentes militares, do outro a conduta da esquerda, quase sempre desconfiada, apesar de interessada em cooptar militantes da causa negra. “A pressão era oculta, totalmente silenciosa. Eles (os arapongas) se infiltravam buscando entender o movimento e suas nuances. Acompanharam diversas vezes as lideranças em seu dia a dia. Eventos como Encontro dos Blacks no Portelão foram o grande marco para os agentes militares perceberem que nem tudo que eles pensavam era verdade. O momento era de efervescência. A esquerda questionava o Movimento Black Rio pela sua “tendência” ao imperialismo americano e a direita tinha medo de uma revolução negra. Na verdade, o objetivo final do movimento era construção de uma identidade e uma política cultural positiva.”

Filó se recorda também quando ficou preso num quartel do Exército no bairro da Tijuca: “Lembro-me de ser questionado: ‘Onde estava o milhão de dólares que os americanos deram para o movimento?’ Em julho de 1976, eles deflagaram uma matéria encomendada num grande jornal carioca para desqualificar o movimento. Mas o legado deixado pelo Movimento Black Rio nos brindou com uma geração mais consciente e aberta na busca da sua identidade e na luta contra a discriminação racial.”

Colaborou Edson Luiz


Panteras negras
Grupo revolucionário norte-americano, criado em meados dos 1960 para lutar pelos direitos da população negra. Seus integrantes pregavam ações armadas contra a opressão. Inicialmente, os ativistas agiam como patrulhas de guetos californianos e nova-iorquinos contra a violência policial (branca). O movimento se espalhou pelos Estados Unidos e chegou a ter mais de 2 mil integrantes. Enfrentamentos com a polícia levaram a tiroteios em Nova York e Chicago, e, entre 1966 e 1970, pelo menos 15 policiais e 34 “panteras” morreram em conflitos urbanos. No início dos anos 1980, a organização foi oificialmente dissolvida.
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SNI queria enquadrar ativista anti-racismo Abdias Nascimento

 
Edson Luiz
Publicação: 25/11/2012 08:00Atualização: 26/11/2012 14:08
Abdias Nascimento: declarações contundentes em favor do movimento negro no Brasil provocaram a ira dos militares
Abdias Nascimento: declarações contundentes em favor do movimento negro no Brasil provocaram a ira dos militares


O ex-deputado e pesquisador Abdias Nascimento, considerado um dos maiores ativistas do movimento negro no Brasil, no século passado, por pouco não foi processado pela Lei de Segurança Nacional (LSN), durante o regime militar. Além disso, por recomendação do Serviço Nacional de Informações (SNI), o Ministério da Justiça chegou a estudar a possibilidade de enquadrá-lo por discriminação racial por causa de uma entrevista, durante uma visita ao país. Ele vivia nos Estados Unidos, onde lecionava em uma universidade em Nova York.



A entrevista de Abdias foi dada ao Pasquim, uma das publicações contestadoras do regime militar. O ex-deputado, que era considerado pela própria ditadura como "a figura de maior projeção do movimento negro no Brasil", havia feito críticas às políticas governamentais para o setor. Foi o bastante para o SNI instigar o então ministro da Justiça, Armando Falcão, a analisar sua inclusão na temida Lei de Segurança Nacional. Para isso, juntou diversos trechos do depoimento do ativista. O processo, que começou em setembro de 1978, durou quase quatro anos, e só foi arquivado em março de 1982.

Para tentar enquadrar Abdias, o SNI fez uma pequena análise sobre o poder do ativista, por causa de suas qualidades intelectuais. De acordo com os militares, ele poderia se constituir em uma influência capaz de apresentar um projeto político original para o país, voltado para o movimento negro. Várias ideias expostas na entrevista incomodaram o governo militar, como a Lei Afonso Arinos - que combate o racismo -, considerada por Abdias como "uma piada", segundo relatório da Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Justiça.
Perseguição
Um dos pontos citados pelos agentes era a Carta de Princípios do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, que tinha cinco itens principais: a defesa da comunidade negra, a reavaliação do papel do negro na história do Brasil, a extinção das formas de perseguição e repressão, a liberdade de expressão e organização e a liberdade à luta internacional do negro. “O senhor ministro-chefe do SNI se dirige a V. Exa. encaminhando informação a respeito de Abdias Nascimento e solicitando estudo deste ministério sobre a possibilidade de processá-lo com base à Lei de Segurança Nacional”, relata documento enviado a Armando Falcão, que pede análise de sua assessoria jurídica.

A consultoria do ministro fez um parecer baseando-se também em outras entrevistas de Abdias e, depois de uma análise de cinco laudas, conclui que ele não poderia ser enquadrado por não ter cometido crime algum. “Inobstante a injustiça cometida — a de o ativista declarar a existência do racismo no Brasil — , não nos parece tenha o entrevistado praticado delito de imprensa ou contra a Segurança Nacional, porquanto, embora a seu modo, a sua posição é contrária à discriminação racial”, avaliaram os advogados do Ministério da Justiça.

Na mesma entrevista, Abdias teria reclamado à repórter que viajara dos Estados Unidos para o Brasil com a carteira de identidade, pois seu passaporte brasileiro lhe fora negado pelas autoridades do país. A consultoria jurídica do Ministério da Justiça sugeriu que a diplomacia brasileira fizesse um encontro com o ativista, uma forma de amenizar a situação. Com isso, segundo o relatório produzido à época, constituiria “em instrumento de nossa propaganda internacional, reveladora da ausência de qualquer discriminação racial no Brasil.”
Confira o vídeo Beatriz Nascimento - Heróis de todo mundo







http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2012/11/25/interna_diversao_arte,335671/o-carnaval-como-resistencia.shtml

Vovô do Ilê fala ao Correio sobre resistência à ditadura

Maíra de Deus Brito
Publicação: 25/11/2012 13:01Atualização: 25/11/2012 13:31
 (Antônio Carlos dos Santos. Vovô do Ilê)
A ditadura sufocava o Brasil em meados da década de 1970, quando um grupo decidiu lutar contra a situação imposta pelo governo militar. Apolônio de Jesus e Antonio Carlos dos Santos, mais conhecido como Vovô do Ilê, juntaram um grupo de amigos, no bairro baiano da Liberdade, para enfrentar o racismo com o primeiro bloco afro do Brasil, Ilê Aiyê. Em entrevista ao Correio, Vovô do Ilê, atual diretor-presidente do bloco carnavalesco e um dos precursores da soul music no país, nos tempos do Black Bahia, fala da repressão sofrida pelo bloco durante o regime dos generais.

Quando e como surgiu o bloco afro Ilê Aiyê?
O Ilê foi criado em 1974, por mim e pelo falecido Apolônio (de Jesus). Nós queríamos combater o racismo no carnaval, aqui do bairro da Liberdade (o maior bairro negro da cidade). Antes, o negro só saía no carnaval carregando alegoria e resolvemos criar um bloco em que só negros participassem. Foi uma época muito forte da ditadura no Brasil. Qualquer tipo de movimentação e você já era tachado como comunista. E não foi diferente com a gente: fomos perseguidos pela polícia. O pessoal achava que queríamos tomar o poder. Momentos difíceis. Muita gente não quis sair no bloco, as famílias não deixavam com receio. Só conseguimos sair com 100 pessoas no primeiro ano. Não tínhamos instrumentos, nada. Até o terceiro ano do bloco desfilamos vigiados pela polícia.
Como era a situação de ser acompanhado pela polícia? Já teve casos em que tinha mais polícia do que integrantes do bloco?
Aqueles caminhões, cheios de soldados virados de costas uns para os outros, já nos acompanharam, mas nunca teve mais polícia do que gente no bloco. No primeiro ano, o Ilê saiu com 100 pessoas. No segundo, botamos umas 400 e, a partir do terceiro ano, não saímos com menos de mil pessoas.

Quais tipos de repressão o Ilê viveu na ditadura?
Esse último 20 de novembro foi um dia muito importante aqui em Salvador. Um grande jornal da Bahia fez um caderno especial sobre a consciência negra e Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy e vários representantes do movimento negro foram lá e fizeram um desfile na redação. No passado, esse mesmo jornal foi o veículo que mais bateu na gente. Chamaram o Ilê de bloco racista, de nota destoante. Ele jogou muito duro conosco e, hoje, tem um caderno especial sobre a consciência negra. A imprensa foi muito perversa e dura com o Ilê e isso ficou marcado. Mas conseguimos superar isso. Depois surgiram outros blocos afros na Bahia, como Melô do Banzo, Olodum, Muzenza, e em Pernambuco, Maranhão e Rio de Janeiro.

Os integrantes foram perseguidos?

Não. Os nomes mais visados eram os dos diretores principais, eu e Apolônio. Quisemos colocar o nome do bloco como Poder Negro e fomos aconselhados a não fazer isso. De chegar às vias de fato nunca aconteceu não.

Quem aconselhou vocês a não colocar o nome de Poder Negro?
O presidente da federação dos clubes carnavalescos, saudoso Arquimedes Silva, era militar aposentado da Marinha e nos aconselhou. Na época, um amigo nosso da Polícia Federal também deu conselhos.

O que mudou no Ilê Aiyê depois da ditadura?

Na verdade, não mudou muito. A Bahia é uma terra muito racista. O Ilê se destacou, se mantém até hoje, 39 anos depois como uma teima que a fé sustenta. É uma teimosia nossa numa terra onde tudo é favorável para pessoas brancas. Patrocínio, dinheiro de governo é só para os artistas do axé.

Como o senhor vê o atual cenário do racismo no Brasil?
Não sei se está melhorando, mas a discussão está cada vez mais aberta. O Brasil se apresenta como um país de maioria negra, mas nas delegações só vê branco, parece até que é um país europeu. Nos cargos de comando ninguém tem coragem de colocar um negro. Mas ninguém é racista, né? Todo mundo assume que o país é racista, mas ninguém é. Nos cargos de 1º, 2º e 3º escalão não tem negro. Não se vê um partido indicar um negro para a Presidência, como foi com o Obama nos EUA. Alguma coisa precisa mudar. As colunas sociais só têm branco. Se as pessoas fossem escolhidas pela competência e não pela cor da pele, o Brasil teria outra cara.

Colaborou Gabriela de Almeida
 
 
 

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