sábado, 31 de agosto de 2013

Brasil - concentração de médicos, por que?


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Mílton de Arruda Martins: “Elitização brutal” ajudou a concentrar médicos

publicado em 22 de julho de 2013 às 19:02

por Conceição Lemes
Hecatombe, com “feridos” dos dois lados.
Eis no que se transformou a questão da falta de médicos no Brasil, desde que, em 6 de maio, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, revelou que o governo brasileiro negociava um acordo para trazer 6 mil cubanos
Por razões principalmente ideológicas, mídia tradicional, partidos de oposição e entidades médicas a atacaram ferozmente.
Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), “destacou-se”: “O Brasil quer trazer a escória”.
Preconceito, xenofobia, falta de honestidade intelectual. Entre os 201 cursos de medicina existentes atualmente no Brasil (57,9% privados), há os que deixam a desejar, formando médicos de má qualidade.
Cuba tem 22 faculdades de medicina. Em 2008, possuía 37 mil profissionais de saúde trabalhando em 70 países.
“Embora Cuba tenha recursos econômicos limitados, seu sistema de saúde resolveu alguns problemas que o nosso [dos Estados Unidos] ainda nem enfrentou”, avaliam dois médicos norte-americanos que lá estiveram, em artigo publicado em janeiro deste ano, numa das revistas médicas mais conceituadas do planeta, o The New England Journal of Medicine.
Apesar disso, lentamente, o recuo do Brasil em relação médicos cubanos foi se dando.
Em 14 de maio, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, informou que o governo brasileiro desejava atrair médicos da Espanha e Portugal para trabalhar em hospitais localizados em regiões carentes no Brasil.
O ministro esqueceu-se combinar com “os russos”. Anunciou a estratégia sem ter tido, ao menos, a delicadeza, de conversar antes com os governos e as entidades médicas de Portugal e Espanha. Indignado, o presidente de uma instituição portuguesa reagiu: “Quem disse que nós vamos!”
Em 21 de maio, Padilha disse que não traria médicos da Elam (Escola Latino-Americana de Medicina), de Cuba.
Por má-fé, a imprensa transformou Elam em Irã e descartou totalmente a vinda dos cubanos. A restrição expressa era apenas à Elam, cujo curso de medicina dura quatro anos, o do Brasil, seis.
Em 5 de junho, com o clima esquentando, o ministro, em encontro com entidades médicas, jogou o imbróglio em costa alheia: “Este debate  (sobre a ‘importação de médicos’) foi antecipado inadvertidamente pelo ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, ao falar sobre acordo para a vinda de 6 mil médicos cubanos ao Brasil”.
Patriota teria falado sem a anuência da presidenta Dilma Rousseff, que, em 2012, em visita a Cuba discutiu o assunto? Padilha teria levado uma bola nas costas de Patriota?
Ao se confrontar com esses dados (aqui e aqui), é difícil crer.
O fato é que, com as passeatas de junho, a falta de médicos, prejudicando a assistência à saúde, ganhou as ruas.
Em resposta, em 9 de julho, a presidente Dilma lançou o programa Mais Médicos, que prevê, entre outras medidas:  criação de 11.400 vagas nos cursos de graduação de medicina; bolsa de R$ 10 mil reais para os médicos que dispuserem a ir para regiões afastadas do País ou para periferias das grandes cidades; e a contratação de médicos estrangeiros, caso as vagas disponíveis não sejam preenchidas.
Estamos em 21 de julho e a queda de braço prossegue, em temperaturas cada vez mais altas.
As entidades médicas, por questões corporativas e de reserva de mercado, continuam batendo na surrada tecla: não há falta de médicos no Brasil, o problema seria a má distribuição. O que não é verdade.
O governo, por sua vez, se atrapalha com decisões atabalhoadas, midiáticas.
Em vez de buscar uma solução efetiva, duradoura, capaz de efetivamente fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), recorre a uma saída meia-boca.  A bolsa de R$ 10 mil para os médicos não tem garantia trabalhista. É precarização do trabalho.
Já a população das áreas mais carentes do País — seja das regiões ou das periferias das grandes cidades — não pode ficar desassistida. De jeito nenhum. Muito menos à mercê de disputas, picuinhas, sabotagens e manipulações.
Não é um Fla-Flu que está em jogo. É assistência à saúde de milhões de brasileiros.
Por isso, fui ouvir uma das pessoas  que mais entendem do assunto na atualidade: o médico e cientista Mílton de Arruda Martins, professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP.
Mílton já foi presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem).
No governo Dilma, foi secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, no Ministério da Saúde, até 2011.
Mílton é apaixonado por educação médica. Está sempre rodeado de alunos, aos quais dispensa uma paciência infinita, que até irrita os colegas.
Nesta entrevista ao Viomundo, além de fazer um diagnóstico completo da falta de médicos no Brasil, dá várias sugestões às autoridades. Por isso, propositalmente, preferi não destacar nenhum trecho da nossa longa conversa na abertura desta reportagem. Mílton tem a rara capacidade de ver a questão de forma global. Ele aborda aspectos até agora esquecidos. Confira.

Viomundo – No início de maio, o governo divulgou a “importação” de 6 mil médicos cubanos. Depois, o foco passou a ser a vinda dos espanhóis e portugueses. Na semana retrasada, a presidenta Dilma anunciou o Programa Mais Médicos. O que acha dessas propostas?
Mílton de Arruda Martins  O governo tem tomado decisões excessivamente apressadas. Há programas anunciados antes de haver condições mínimas para existirem de fato. Deveriam primeiro ser submetidos à discussão mais ampla, para,  aí, então serem adotados ou submetidos ao Congresso Nacional.
Viomundo – Explique, por favor.
Mílton de Arruda Martins  Praticamente todas as pesquisas realizadas mostram que a falta de médicos no Brasil é um problema considerado muito importante para a população. Mas ele é complexo e não será resolvido satisfatoriamente em curto prazo.
Infelizmente, muitos gestores consideram importante propor medidas de efeito que façam a sociedade perceber que estão preocupados com a solução desse e de outros problemas na área de saúde, mesmo sem haver grande segurança quanto à sua eficácia.
Viomundo – Entre as medidas anunciadas pela presidenta está a obrigatoriedade de os alunos de universidades públicas fazerem mais dois anos de faculdade, trabalhando no SUS.  As entidades médicas foram consultadas?
Mílton de Arruda Martins — Não houve, por parte do governo, consulta, por exemplo, à Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) e ao Conselho Federal de Medicina (CFM), que têm a responsabilidade legal de controlar o exercício da medicina.
Viomundo –  O que acha dessa medida?
Mílton de Arruda Martins – A formação dos médicos passaria de seis para oito anos, a partir de 2015, com dois anos obrigatórios em serviços da rede pública. O nosso curso, com duração de oito anos, passaria a ser um dos mais longos do planeta.  Estaremos na contramão do mundo, que debate a diminuição do tempo dos cursos de medicina. A União Europeia, por exemplo, discute reduzir para cinco anos.
Viomundo – Por quê?
Mílton de Arruda Martins – As evidências demonstram que, para a formação do médico, é mais eficiente aumentar a duração da Residência Médica do que a do curso de graduação, que dá a formação básica. A Residência Médica é a melhor forma de especialização após a conclusão do curso médico.
Viomundo – Voltando aos dois anos adicionais.
Mílton de Arruda Martins – A justificativa principal do governo é a necessidade de aperfeiçoar a formação geral e possibilitar experiência maior no Sistema Único de Saúde (SUS).
É inegável que o ensino de graduação precisa ser aprimorado em todo o Brasil. Mas é inegável também que hoje em dia, geralmente desde o primeiro ano do curso médico, os estudantes têm maior contato com os pacientes, a comunidade e o SUS. Isso acontece em quase todos os cursos, principalmente após a promulgação das Diretrizes Curriculares, em 2011.
A formação geral de um médico, com competência técnica, humanística, ética e responsabilidade social deve ser o objetivo dos seis anos do curso médico. E, aí, todos os esforços devem ser feitos, principalmente pelas escolas médicas, para aperfeiçoar essa formação.
Viomundo – Não tem sentido, então, prolongar em dois anos?  
Mílton de Arruda Martins — Definitivamente, não é caminho para corrigir eventuais deficiências.
Viomundo –  A proposta dos dois anos a mais  poderia ser uma forma de implantar o serviço civil (social) obrigatório para os médicos formados em faculdades públicas?
Mílton de Arruda Martins – É uma possibilidade. O serviço civil (ou social) é uma discussão que deve envolver toda a sociedade e todas as profissões.
Na minha opinião, não só os médicos têm que conhecer a nossa realidade e devolver à sociedade parte do que a sociedade investiu em sua formação.
A discussão de um eventual serviço social voluntário (ou obrigatório) tem que envolver engenheiros, agrônomos, médicos, enfermeiros, dentistas, advogados, psicólogos, farmacêuticos, entre outros. Eles poderiam passar um ano em áreas de vulnerabilidade social, com supervisão de suas universidades e recebendo uma bolsa. Trata-se de um projeto para o ensino superior em geral e não apenas para os cursos de medicina.
Viomundo – Qual a solução mais adequada para formação de médicos de qualidade para toda a população brasileira?
Mílton de Arruda Martins – Muitos professores de medicina no Brasil consideram, como eu, que é manter o curso com seis anos de duração e oferecer vagas de Residência Médica para todos os que se formam. Quando o país conseguir oferecer vagas para todos, a Residência Médica passaria a ser obrigatória para o exercício profissional. E a distribuição das vagas nas diferentes especialidades (Medicina de Família, Pediatria, Psiquiatria, Dermatologia, Cirurgia Vascular, Urologia, Anestesiologia, por exemplo) seria definida em função das necessidades sociais e regionais.
Importante: os recursos que serão gastos para custear os dois anos adicionais de graduação são suficientes para esse projeto de oferecer Residência Médica de boa qualidade para todos os formados em medicina.
 Viomundo – Não há saúde sem médicos, mas também não há saúde só com médicos. Considerando-se que o governo quer assegurar atendimento adequado à população, não seria necessário pensar nos profissionais de saúde como um todo e não apenas nos médicos, como está acontecendo? 
Mílton de Arruda Martins – Com certeza. Para boa assistência à saúde, desde a atenção básica à assistência hospitalar, é preciso trabalho em equipe, na qual o médico é fundamental mas não o único profissional necessário. Além disso, há necessidade de essenciais instalações adequadas, equipamentos, materiais e condições de trabalho.
Viomundo – Quantos médicos seriam necessários para o Brasil?
Mílton de Arruda Martins – Existem visões do SUS em disputa. E as propostas para o número de médicos, enfermeiros, dentistas e demais profissionais de saúde e de como vai ser o trabalho desses profissionais, dependem de que SUS se quer.
Existem muitas pessoas no Brasil que defendem que o SUS assuma uma característica parecida com a do projeto do presidente Barack Obama, dos EUA. Ou seja, que não exista um SUS propriamente dito, mas que o Estado pague um seguro saúde para cada cidadão.
E existem muitas outras pessoas, como eu, que querem um SUS implantado como foi previsto na Constituição de 1988.  Um sistema de saúde gerido, regulado e organizado pelo Estado.
Dependendo de como o sistema de saúde é estruturado, o número de médicos necessários será diferente.
Agora, independentemente de qual será o futuro do Sistema Único de Saúde no Brasil, existe uma questão muito concreta: a falta de médicos.
Viomundo – Mas quantos médicos seriam necessários?
Mílton de Arruda Martins — Infelizmente, ninguém tem condições de dizer isso no momento.
O número de médicos por 1.000 habitantes é um índice que permite comparações, mas elas são muito inadequadas.
Um sistema de saúde planejado e baseado no médico geral, como o do Canadá e o da Inglaterra, precisa de menos médicos por 1.000 habitantes do que um sistema em que o acesso a um número enorme de especialistas é muito fácil, como o americano.
Um sistema de saúde em que o trabalho é dividido de forma mais intensa com outros profissionais de saúde, precisa de menos médicos por 1.000 habitantes.
Já um sistema centrado no médico, que praticamente faz tudo, como o cubano, precisa de mais médicos por 1.000 habitantes.
Portanto, a forma como o sistema de saúde e o trabalho do médico é organizada determina o número de médicos que um país vai precisar.
No caso do Brasil, eu consigo dizer que faltam médicos e eles estão inadequadamente distribuídos. Mas eu não consigo dizer, o que é muito ruim para o País, quantos médicos o Brasil deveria ter.
Viomundo – Por quê?
Mílton de Arruda Martins — Porque qualquer política de planejamento tem de levar em conta o futuro.
Daqui a 30 anos nós queremos chegar a quantos médicos por 1.000 habitantes?
Esse número vai depender de que sistema de saúde existirá ou que sistema nós desejamos e trabalhamos para construir. Por isso, eu comecei dizendo que existem visões diferentes de sistema de saúde em disputa.
Essa projeção também é difícil de ser feita porque o sistema de saúde que teremos daqui a 20 ou 30 anos vai depender das disputas políticas e das visões que serão vencedoras ou perdedoras em futuras eleições. Consequentemente, é uma previsão difícil de ser feita.
Viomundo – As entidades médicas insistem que não faltam médicos, há apenas má distribuição. Mas o senhor há muitos anos diz que faltam médicos e há distribuição inadequada. 
Mílton de Arruda Martins – Quanto à falta de médicos, eu diria que realmente não há consenso entre as entidades médicas.
Eu, porém, não tenho a menor dúvida de que faltam médicos. A posição do Brasil é sempre desfavorável na comparação com países das Américas e da Europa, se olharmos o número de médicos por 1.000 habitantes.
Atualmente, temos em torno de 1,8 por 1.000 habitantes. Essa relação é muito inferior à média das Américas, que, em 2011, era 2,25 médicos por 1.000 habitantes, segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS).  E muito inferior à média da Europa, que era 3,3 médicos por 1.000 habitantes.
Segundo a estatística de 2011 da OMS, o Brasil tinha 1,72 médicos por 1.000 habitantes. Em 2011, havia mais de 70 países com número de médicos por 1.000 habitantes superior ao brasileiro.
Viomundo – Em números absolutos quantos médicos o Brasil tem?
Mílton de Arruda Martins – Em números absolutos temos muitos médicos. Em atividade, em torno de 370 mil. Mas se dividirmos esse número pela população – o Brasil tem a quinta população do mundo; só perde para Índia, China, Estados Unidos e Indonésia – o quociente por habitantes cai lá para baixo. Então, faltam médicos no Brasil. Isso eu tenho certeza.
Agora, existe outro problema e sobre o qual todos concordam: no Brasil, os médicos estão pessimamente distribuídos.
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Viomundo – A distribuição inadequada agrava a falta de médicos?
Mílton de Arruda Martins – Com certeza. Existem menos médicos por 1.000 habitantes nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do que na Sudeste e Sul.
E existe uma diferença entre cidades maiores e menores.  Os médicos estão concentrados nas cidades maiores.  Dentro das cidades maiores, concentram-se nas regiões centrais e faltam em regiões periféricas. Em São Paulo, por exemplo, faltam médicos nas regiões periféricas da cidade, apesar do número de médicos por 1.000 habitantes ser alto.
Não é só isso. Além da distribuição inadequada por região e dentro da região, existe diferença na saúde suplementar e na assistência pública. O cidadão com convênio médico ou seguro saúde tem acesso a mais médicos por 1.000 habitantes do que o usuário  direto do sistema público. Pesquisa recente, realizada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, sugeriu que essa diferença pode chegar a 4 vezes.
Viomundo – Quais os fatores determinantes para a má distribuição dos médicos?
Mílton de Arruda Martins — Estudos internacionais mostram que salário é fator muito importante. No Brasil, também.
Mas não é o único.  Muitas vezes nem é o principal. Existem regiões na periferia de São Paulo em que se oferece R$ 16 a 20 mil reais para um médico, mas as condições de segurança são tão precárias que não se consegue contratar um por muito tempo. O médico prefere trabalhar por salário menor numa região mais segura.
As condições de trabalho são outro fator que muitas vezes acaba sendo mais importante do que o salário. A falta de estrutura mínima para o trabalho é um fator poderoso que dificulta a presença de médicos em algumas áreas, inclusive em regiões com muitos médicos.
Não existe médico sem uma estrutura de saúde junto. Não é que o médico não foi treinado para trabalhar com poucos recursos. É que a medicina moderna exige recursos.
Existe uma série de doenças que não podem ser diagnosticadas e tratadas adequadamente sem exames de laboratório, mesmo na atenção básica.  Se o médico não tem acesso a esses recursos, ele se sente profundamente desmotivado, tem a sensação de que não está fazendo a medicina que os seus pacientes merecem.
Viomundo – Mas hoje em dia os médicos não estão excessivamente dependentes dos exames, relegando a avaliação clínica a plano secundário?   Uma boa avaliação clínica por si só não é suficiente para o diagnóstico de uma porção de doenças?
Mílton de Arruda Martins – Com certeza. Um médico com boa formação clínica e boa experiência pode resolver muitos problemas sem a necessidade de muitos exames de laboratório, mas muitas vezes ele necessita desses exames. É impossível, por exemplo, tratar um diabético da melhor forma conhecida sem o acesso a vários exames de laboratório e, muitas vezes, a vários especialistas.
Viomundo – Que outro fator é importante?
Mílton de Arruda Martins – Estabilidade no emprego. Aí, existe a questão ligada à chamada carreira profissional.
A existência de uma carreira que dê estabilidade, salário adequado, condições de progresso e de atualização permanente é um fator que atrairia muitos médicos.
Frequentemente, se dá o exemplo de carreiras como a de juiz e a do promotor.  Eu acho essa comparação muito adequada.
Outro fator são as condições de vida que o médico tem.
Existem locais em que o médico vai trabalhar por muito tempo, mas talvez ele não pretenda trabalhar a vida toda. Então, se tiver uma carreira em que tenha possibilidade de progredir, ou, por exemplo, que possa mudar para uma cidade onde exista escola que ache adequada, quando os filhos estiverem em idade escolar, também é um fator que atrai.
Há mais um fator que eu me esquecendo: a Residência Médica. Existem estudos que mostram que, além daqueles fatores que mencionei acima, a Residência Médica é um fator importante de fixação do profissional. O médico tende mais a ficar no Estado onde ele fez a Residência Médica do que no Estado onde fez o curso de graduação em medicina.
Viomundo – Havendo condições de trabalho, carreira profissional e salário seria possível distribuir melhor os médicos no país?
Mílton de Arruda Martins – Com certeza. Com essas medidas será dado um passo importantíssimo para melhorar o acesso da população à saúde. Infelizmente, em alguns municípios dos estados da Região Norte, por exemplo, talvez tenhamos que pensar em uma estrutura de atenção à saúde que conte com médicos que permaneçam temporariamente, mas que não se fixem. Nesta discussão, aliás, as pessoas confundem  muito provimento e fixação.
Viomundo – Qual a diferença entre provimento e fixação?
Mílton de Arruda Martins — O ideal para uma população seria que o médico fosse para determinada localidade e ficasse lá durante anos, que estabelecesse  vínculo com a comunidade, enfim, que se fixasse na região…  Mas é muito difícil imaginar que o médico vá se fixar em regiões muito pouco acessíveis.
Então, existem regiões em que haverá rodízio de médicos, mesmo havendo a carreira. A gente conseguirá provê-las de médicos, eles ficarão alguns meses ou anos e serão substituídos por outros médicos. Ou haverá rodízio de médicos, como existe nos profissionais que trabalham nas plataformas de petróleo.
É a estratégia que se discute muito para a região Norte do Brasil. Em algumas áreas, o caminho será o de provimento e não de fixação dos médicos.
Viomundo – É racional?
Mílton de Arruda Martins – Não é nenhum absurdo. A gente pode comparar isso com dois países considerados de Primeiro Mundo e que têm problemas parecidos com o Brasil nessa área: Canadá e Austrália.
A região central da Austrália é um deserto de terra e areia. A região norte do Canadá, um deserto de gelo. São duas áreas em que os respectivos governos têm grande dificuldade em fixar médicos e outros profissionais de saúde, como os dentistas. Muitas vezes eles acabam trabalhando com médicos que ficam nesses locais durante um período e depois são substituídos.
Mas essa estratégia é para situações extremas. Na maior parte das regiões e das cidades brasileiras, carreira, condições de trabalho e salário adequados seriam capazes de fixar o médico.
Agora, quando eu falo em carreira de médico, pressupõe que ela tem de prever não apenas progressão, mas também a oportunidade e a obrigatoriedade da atualização permanente. A educação permanente é fundamental, se não o médico fica desatualizado.
Viomundo – Se fala muito na carreira na implantação da carreira do médico no SUS, como já existe para promotores e juízes. Por que isso não é levado adiante?
Mílton de Arruda Martins – Eu defendo a existência de carreira no SUS não apenas para os médicos, mas para todos os profissionais que atuam no SUS. Seria uma solução definitiva. Mas muitos gestores resistem a esse tipo de solução.
Viomundo — Por quê?
Mílton de Arruda Martins – O principal obstáculo é financeiro.
Muita gente não sabe, mas a implantação progressiva do Sistema Único de Saúde implica numa descentralização importante quanto à responsabilidade da assistência.
A maior responsabilidade direta fica com as prefeituras. Os estados também têm uma responsabilidade importante, principalmente nas ações de alta complexidade.  A responsabilidade direta da assistência é menor para o poder central, o governo federal.
Só que não houve distribuição proporcional de recursos. As prefeituras estão falidas em relação aos recursos para a saúde, os estados menos. Os recursos, ainda que insuficientes, se concentram no governo federal.
Houve, portanto, uma descentralização maciça da assistência e uma descentralização menor dos recursos.
Hoje, a esmagadora maioria dos profissionais de saúde é contratada pelas prefeituras.  Em segundo lugar, pelos estados, em terceiro, pelo governo federal. Só que a maioria dos recursos está no governo federal.
Existem ainda outros obstáculos. A legislação não permite que um profissional ganhe mais do que o prefeito. Só que nenhum médico vai trabalhar por salário inferior ao que o prefeito ganha na maior parte dos municípios brasileiros.
Resultado: os médicos e demais profissionais de saúde acabam sendo contratados com vínculos precários. E esse é mais um fator que vai contra a ideia de uma carreira profissional na área de saúde.
Viomundo – Como os médicos são contratados então?
Mílton de Arruda Martins — Geralmente como pessoa jurídica, portanto não têm direitos trabalhistas. Às vezes o vínculo ainda é mais precário: os médicos são contratados por alguns meses por serviços prestados.
Viomundo — A maior parte dos médicos do SUS estaria nesse sistema de vínculo precário?
Mílton de Arruda Martins — Eu não sei, mas arriscaria a dizer que a maior parte dos médicos que trabalha no Programa de Saúde da Família de cidades menores está nessa situação. Inclusive por causa da lei de responsabilidade fiscal.
Aqui, existe outra coisa. A falta de médicos coloca a população contra as autoridades locais. Então, muitas vezes existe uma busca desesperada por parte dos gestores locais de conseguir um médico, mesmo que fique só durante certo tempo.
Viomundo – A presidenta Dilma prevê a criação de 11.400 vagas em cursos de medicina até 2017.  Isso resolveria o problema da falta de médicos no País?
Mílton de Arruda Martins – Acho isso desnecessário por já ter havido enorme expansão dos cursos de medicina nos últimos tempos. No final do ano passado, já havia 197 cursos de medicina em funcionamento. Este ano já são 201. E o número de estudantes de medicina pulou de mais ou menos de 48 mil no meio da década de 1990 para mais de 110 mil hoje.
Como existem cerca de 370 mil médicos em atividade, o número de estudantes de medicina hoje no Brasil equivale a 1/3 do número de médicos em atividade.
Portanto, qualquer projeção que se faça do número de médicos por habitante no Brasil, este número vai aumentar com as vagas já existentes em cursos de medicina.
Não é só isso. Como não houve planejamento adequado, o rápido aumento dos cursos têm dois problemas sérios.
O primeiro é a garantia da qualidade. Não dá para separar a discussão sobre o número de médicos da discussão da qualidade.  Garantir a qualidade dos cursos de medicina que já abriram é um desafio importante.
O segundo é a preparação de professores.  Os docentes preparados hoje no Brasil são insuficientes para ocupar os postos de trabalho existentes atualmente. E sem professores capacitados, não teremos condições de formar médicos qualificados.
Viomundo – Ou seja, não dá para separar número de qualidade?
Mílton de Arruda Martins – De modo algum!!! Formar médicos não é uma solução em curto prazo. Infelizmente demora mais do que construir uma linha de metrô.
Viomundo – Explique melhor.
Mílton de Arruda Martins – Vamos supor que se decida abrir agora um curso de medicina com 100 vagas. É preciso ser autorizado e fazer o vestibular. Mesmo que em um ano tenha todas as condições de funcionamento, só vai começar a formar médicos para o sistema de saúde sete anos depois. Assim, se ele tiver 100 vagas, vai formar 100 médicos no primeiro ano. Outros 100 no segundo.
De forma que um curso de medicina que abre hoje com 100 vagas, ele só vai contribuir com 300 médicos nos próximos dez anos. Então qualquer discurso que diga que, em 2030, por exemplo, vai ser corrigido o déficit de médicos no Brasil com o aumento no número de escolas é demagógico.
Viomundo – Por quê?
Mílton de Arruda Martins – Porque essa solução é de longo prazo. Então, se a gente quer que os médicos sejam de qualidade, o déficit só vai ser corrigido ao longo das próximas décadas e não ao longo dos próximos anos.
Aqui, existe outro problema: a forma como as autorizações para abertura dos cursos de medicina foram dadas.
Até 1966, ou seja, começo da ditadura civil militar, existiam no Brasil 42 cursos de medicina. Desses, só 16,7% eram privados.
De 1967 a 1994, período mais fechado da ditadura até o final do governo  Itamar Franco, foram abertos 41 cursos. Desses 41, 63,4% privados.
Aí, veio o governo Fernando Henrique. De 1995 a 2002, foram abertos mais 42 cursos de medicina, sendo 61,4% privados.
No governo Lula, 2003 a 2010, foram abertos 52; 76,9% privados. Nos primeiros dois anos o governo Dilma, abriram-se 18 cursos de medicina, 77,8% privados.
Então a expansão dos cursos de medicina, principalmente a partir da autorização de cursos privados, é uma prática no Brasil e que não mudou substancialmente, independentemente de quem estava no governo.
Qual foi o resultado disso? Até 1966, só 16,7% eram privados.  Hoje, 57,9% são privados.
Sabe qual a mensalidade média desses cursos? R$ 4 mil reais!
Em dezembro de 2012, segundo dados do site Escolas Médicas,  a mensalidade mínima era R$ 2.800 e a máxima R$ 6.800.
E como a maioria dos estudantes de medicina não estuda na cidade onde mora, eles gastam no mínimo mais R$ 2 mil para custear moradia e material para estudo. Então, na maior parte dos cursos de medicina no Brasil só entram estudantes cuja família pode pagar, pelo menos, R$ 6 mil mensais.
Conclusão: a expansão dos cursos de medicina se fez à custa de uma elitização brutal do acesso.  E isso pode ser também um fator poderoso para concentrar os médicos em determinadas regiões e não motivá-los a ir trabalhar em outras.
Viomundo – E os programas do governo federal?
Mílton de Arruda Martins – Realmente, existem programas importantes do governo federal para aumentar o acesso aos cursos privados no ensino superior. São o ProUni, que dá bolsas, e  o Fies, que é o financiamento estudantil. Só que se a gente somar o número de estudantes de medicina que está no ProUni ou tem Fies, não chega a 20%.
Portanto, a gente continua com 80% dos estudantes de medicina de escolas privadas que vem de famílias que podem pagar, em média, R$ 6 mil por mês.
De qualquer forma, de um lado, houve grande aumento no número de estudantes, mas há o problema da qualidade que precisa ser garantida. De outro, como existe falta de médicos no Brasil e a correção dessa insuficiência não vai ser imediata, aí surgem as tentações de buscar médicos em outros países.
Viomundo – O acha de se trazer médicos de fora?
Mílton de Arruda Martins – Desde que passem por uma avaliação séria quanto à sua competência profissional, como acontece na Europa, Estados Unidos, Canadá, pode ser uma solução para áreas onde não é possível contratar médicos brasileiros.
Viomundo – E os médicos de Cuba, que  foram sendo rifados pelo próprio governo devido à pressão da mídia, entidades médicas e partidos de oposição?
Mílton de Arruda Martins — Em relação aos médicos cubanos a discussão é muito ideológica. Existem os pró-Cuba e os contra-Cuba.
Eu considero que médicos formados em outros países, incluindo Cuba, que forem submetidos a um processo sério de avaliação, incluindo conhecimento da nossa língua e do SUS e de sua competência médica, podem exercer sua profissão no Brasil em áreas onde há carência de médicos. Agora, o sistema de saúde cubano é muito diferente do brasileiro. E os médicos cubanos, assim como de outros países, têm cultura e língua diferentes. Eles precisariam passar por um aprendizado da cultura e da língua dos brasileiros.
Já existe um processo de avaliação de médicos formados em outros países conhecido como Revalida, organizado pelo Ministério da Educação (MEC) e que conta com professores de medicina com muita experiência na área. Por isso, defendemos que médicos formados em outros países deveriam ser avaliados pelo Revalida.
Viomundo – Trazer médicos de fora é a melhor solução para suprir a falta de médicos, já que a população não pode ficar desassistida?
Mílton de Arruda Martins – Acho que não é o melhor caminho.
Viomundo – Por quê?
Mílton de Arruda Martins – É preciso um tempo para o médico estrangeiro se adaptar, mesmo que seja português.
Vamos supor um colombiano, argentino, uruguaio ou cubano. Mesmo sendo muito competente, ele terá dificuldades até se adaptar. Demora certo tempo – eu diria alguns meses, até anos – para ele estar totalmente adaptado à nossa cultura e língua.
Com base na minha experiência de quase 30 anos como professor, lidando inclusive com estudantes de outros países, eu acho que, no começo, o ideal é que ele trabalhasse numa equipe onde fosse mais protegido.
Um médico que está aprendendo a falar português e não conhece a nossa cultura, mesmo que seja bastante competente, não é o médico ideal para ir trabalhar sozinho numa comunidade remota.  O Brasil não tem dialetos, mas há muitas expressões que as pessoas usam para descrever doenças, sintomas. Então, há necessidade de uma adaptação.
Viomundo – Quanto tempo?
Mílton de Arruda Martins — Eu arriscaria a dizer que, no primeiro ano de atuação, o ideal é que esse médico não trabalhasse sozinho, que ele trabalhasse próximo de alguém a quem pudesse recorrer para tirar uma dúvida, por exemplo.
Viomundo – Os médicos de outros países têm de passar pelo Revalida. Agora, a gente sabe que no Brasil há faculdades de medicina que deixam a desejar, formando médicos de qualidade inadequada, deficiente. Os médicos brasileiros também não deveriam passar por avaliação já que os pacientes também correm risco nas mãos daqueles incapazes?
Mílton de Arruda Martins — Com certeza. Mas, nesse ponto, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Se os cursos de medicina estão sendo mal avaliados, formando médicos inadequados, existe uma responsabilidade enorme dos cursos e dos responsáveis pela avaliação. Então, a avaliação dos estudantes de medicina ao longo do curso tem que melhorar.
Viomundo – Os estudantes brasileiros deveriam fazer uma prova no final do curso?
Mílton de Arruda Martins — Eu não sou a favor de um exame no final do curso. Acho uma solução do século XX para um problema do século XXI. A avaliação deve ter características mais modernas, ser em múltiplos momentos, com oportunidade de recuperação teórica e prática.
O gestor de um curso de medicina tem seis anos para avaliar o estudante. Acho irresponsabilidade ou incompetência se ele não usar os seis anos para avaliar, reavaliar, dar feedback, propor recuperação  e eventualmente não deixar este indivíduo se tornar médico.
Mas defendo, sim, que no País existam exames organizados externamente aos cursos, para os estudantes de medicina.  Sou daqueles que acreditam que poderia ser uma série de exames durante o curso. É uma alternativa, claro, mais cara, mas que está muito mais no interesse da sociedade.
Viomundo – Como seria essa avaliação?
Mílton de Arruda Martins – Por exemploavaliar esse estudante três vezes durante o curso, sendo que a última avaliação poderia ser também prática.
E se o estudante não passar, vai repetindo os exames até ele ser suficiente.  E o curso de medicina é responsável por ele.  Porque se o exame ocorrer depois de receber o diploma, o problema deixa de ser do curso, passa a ser só do aluno.  O problema tem de ser dividido entre o estudante e o curso. Por isso, tem de ser antes do diploma.
perguntar quanto tempo mais essa máquina pode funcionar dessa maneira, antes que exploda.
[Gostou? Garanta outras pautas exclusivas como esta assinando o Viomundo]
Viomundo – O que faria para reduzir a falta de médicos, já que considera que trazê-los do exterior não seria o melhor caminho?
Mílton de Arruda Martins – Essa é uma questão prioritária. Daria para redistribuir bastante os médicos existentes se houvesse condições de trabalho, carreira, remuneração adequada e se os médicos não se sentissem isolados onde fossem.
Eu estabeleceria algumas regiões prioritárias e implantaria a carreira de médico. O Brasil é um país muito diverso.  Não pode ter uma solução única.
Eu tenderia a propor carreiras estaduais, porque o Brasil é muito diverso.  É diferente uma carreira para o Amazonas de uma para São Paulo. Eu começaria pelos médicos da Atenção Básica.
Eu pensaria em carreiras estaduais que tivessem um financiamento bipartite ou tripartite.  Como o grosso do dinheiro está no Ministério da Saúde, é necessário que houvesse um financiamento parcialmente federal.
Por exemplo, que houvesse um fundo que pudesse ser federal, estadual e municipal, que financiasse essa carreira. Mas que essa carreira fosse de base estadual.
Municípios grandes, como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, ou regiões metropolitanas poderiam ter as próprias carreiras.
Viomundo – Há municípios que já têm a carreira para médico no serviço público.
Mílton de Arruda Martins – Há, sim, e em alguns lugares a carreira é até bem estruturada, mas como o salário é muito baixo, acaba não valendo a pena para o médico ficar muito tempo na carreira.
Tem que haver carreiras para o médico no Sistema Único de Saúde, mas tem de haver salário compatível com a formação do médico. A gente tem de ser realista nesse sentido.
Acho que está na hora de o Brasil começar a experimentar a implantação de carreiras para os profissionais de saúde, se quiser ter uma solução definitiva para a gestão de recursos humanos no sistema público de saúde.
Viomundo – O Ministério da Saúde diz que os médicos que iriam para as regiões remotas teriam à disposição recursos à distância. Isso resolve?
Mílton de Arruda Martins — Não resolve, mas ajuda bastante. Existem regiões do país onde o acesso é muito difícil. Nessa condição, o uso da internet, com programas como o Telessaúde, é muito importante.
Viomundo – Em programas como o PROVAB, médicos recém-formados, em vez de serem contratados, recebem uma bolsa do Ministério da Saúde? A bolsa não é uma forma de precarização do trabalho?
Mílton de Arruda Martins – Do meu ponto de vista, é um vínculo precário. Então, é um médico com vínculo precário sendo colocado pelo Ministério da Saúde em locais de difícil acesso, de difícil provimento.
Viomundo – Apostar na estratégia de trazer profissionais de fora para resolver a falta de médicos no Brasil pode ser  então uma bomba de efeito retardado?
Mílton de Arruda Martins — Pode, porque a gente não sabe o que pode acontecer sem testar antes. Como professor universitário e cientista, eu acho que problemas complexos exigem soluções complexas. Não existe solução simples para um problema complexo. E soluções complexas têm que ser testadas. A priori, é difícil saber quantos vão ficar pouco tempo, quantos vão se fixar.
Viomundo – Então o Ministério da Saúde deveria testar antes com poucos médicos, para ver o que acontece?
Mílton de Arruda Martins  — O ideal seria fazer projetos piloto, depois avaliar os resultados, para diminuir o risco de a estratégia fracassar.
Leia também:
O mau jornalismo da Folha no caso dos médicos “desistentes”
Juan Carlos Raxach: Carta de um médico cubano
Cebes: O SUS precisa de mais médicos. E muito mais!
Dr. Rosinha: Médicos estrangeiros são bem-vindos
Fátima Oliveira: Quem deve lavar as louças sujas são os governos
Luciano Martins Costa: Médicos, solidariedade de classe e consciência social
Médicos protestam contra “importar” estrangeiros sem revalidação
Arthur Chioro: Todo apoio à contratação de médicos estrangeiros

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Racismo à Brasileira - Negras Médicas e Domésticas


http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/08/negras-medicas-domesticas.html

Postado em: 28 ago 2013 às 11:01

No Brasil, a cara define sua profissão, o seu poder e a sua preferência no trânsito da vida profissional. A vinda de tantos médicos e médicas negras para o Brasil é um choque terapêutico para entendermos a profundidade do apartheid brasileiro

Por Marcos Romão
Poderia ser natural em meu Brasil, qualquer criança ou pessoa me perguntar qual a minha profissão, se eu responder, que sou médico, mesmo vestido de branco, feito respondi uma vez à uma balconista negra que me servia café, ela olhou desconfiada e me disse que pensava que eu parecia mais pai de santo, quando lhe afirmei que na verdade sou sociólogo, ela me olhou mais espantada ainda, dizendo, feito o presidente Fernando Henrique?
São situações naturais para qualquer negro no Brasil estas que acontecem no dia a dia com a gente, não somos o que somos somos apenas o que nascemos pra ser. Nascemos pra sermos nada ou quase nada.
Eu mesmo me flagro volta e meia ao conversar com as pessoas, com uma dúvida interior, que me faz perguntar no íntimo, será que o cara tá acreditando em mim,será que eu estou me apresentando mais do que devia para convencer o cara interlocutor, que eu sou o que sou e tenho a experiência que tenho? Será que não exagero ao me descrever, para convencer ao outro que sou eu mesmo o que sou?
Natural prá gente é ser servendte, empregado doméstico, supervisor de segurança se estiver de terno e até manobreiro, que alguém entrega a chave enquanto a gente espera a namorada chegar para nos encontrar em um restaurante fino.
Não importa se o interlocutor é negro ou branco, cortamos um dobrado para convencê-lo de que somos o que somos e basta.
médicas negras brasil
(Reprodução)
No meus vinte anos na Europa, qundo sentava em um bar, poderia estar ao meu lado uma chanceler da república ou uma empregada doméstica, que se eu não conhecesse pela foto, não saberia quem é quem.
Aqui não, se é branco é alguém, se não é branco que nos convença.
Aqui no Brasil se tem cara e não se tem cara e a cor da cara ajuda a definir a profissão, a posição e o poder diagnosticado na pessoa que você se confronta. Dependendo da nossa avaliação ou pedimos licença, ou passamos por cima.Quase sempre tem dado certo prá todo mundo. Quando não dá certo e alguém grita racismo, vem logo a desculpa, mas foi um mal entendido, esta não foi a nossa intenção.
Aqui a cara define a sua profissão, o seu poder e a sua preferência no trânsito da vida profissional.
Leia também
Até para as crianças que reconhecem tudo no espírito, é um problema identificar uma pessoa negra no seu cotidiano,que não faça parte do universo de pessoas a que esta criança esteja acostumada a ver as pessoas negras.
Médicas, engenheiras, arquitetas, presidentas escapam até para estas crianças do universo de domésticas a que elas estão acostumadas a verem suas mães, tias, quando são crianças negras, e babás quando são de criaças brancas que falamos.
Assim quando a jornalista potiguar Micheline Borges causa uma revolta nas redes sociais ao expressar sua opinião sobre os médicos cubanos que estão chegando ao Brasil para trabalhar no programa “Mais Médicos”. “Me perdoem se for preconceito, mas essas médicas cubanas tem uma cara de empregada doméstica”, como afirmou a repórter, me causa um certo espanto, sobre o porque de tanta revolta do público feissebuquiano, quando ela falou o que a maioria destes leitores pensam.
A infeliz cometeu apenas a besteira de confirmar o racismo que a maioria dos brasileiros carregam dentro do coração todos os dias.
Ninguém se espanta nem vai para as redes, perguntar por que só tem médicos brancos no Brasil.
Todos estão para lá de mal acostumados em verem cenas de filas negras espersndono SUS, e à 8 horas as filas de brancos estacionando os seus carros e descendo para atravessar aqueles mares negros de pessoas humanas de pele preta ou amareladas de fome, que sempre estão a sua espera.
Foi chocante assistir a chegada dos médicos cubanos em São Paulo, a foto estampada nos jornais chocou até a mim, homem vivido neste mundo planetário. Deus dos Céus, um monte de mulheres e homens com as caras dos peixeiros de nossas esquinas, fortes como os entregadores de gás do dia a dia, e com aquele olhar afável das nossas queridas empregadas domésticas, isto não estava no meu enredo de vida como um brasileiro negro, pois eram e são todas e todos médicas e médicos.
Quiseram os Deuses, via a transversal do comunismo, dar um choque terapêutico no nosso racismo, tão querido como um calo conservado de nossos avós?
E ainda aparecem uns jornalistas, que parecem que descobriram a pólvora do racismo brasileiro, a dizerem-se solidários com os cubanos, que sentem vergonha pelo racismo dos médicos brasileiros. Outros, menos jornalistas também sentem vergonha, como se o assunto não fosse com eles.
Meu avõ sempre dizia, vergonha de quem não se reconhece racista e lágrimas de crocodilos, não acabam com o racismo, nem enchem copo de quem tem sede por justiça e igualdade.
Tem mais de 125 anos que nós negros lutamos para termos acesso às escolas e quanto mais estudamos, mais as escolas de “excelência” ficam brancas.
Tem mais de 40 anos que lutamos por cotas, levamos 10 anos na justiça, ganhamos mas não levamos a quina, pois universidades como a de São Paulo, sempre arranjam um jeito de não permitirem nossa entrada.
Numa esquina perto de minha casa vejo todo dias dois mares de cores crianças se cruzarem,de um lado uma escola privadas, escola de excelência que forma prefeitos e governadores. As crianças brancas atravessam a rua em direção a zona rica da cidade. Do outro lado tem a Escola Pública , que forma as empregadas domésticas e os peixeiros da esquina.
As crianças se cruzam, pretas para as favelas e brancas pra os play grounds. Sinto que estamos enchendo um balde furado. Nossas crianças negras estão marcadas para perderem e morrerem.
Que a foto desta negrada cubana estampada nos jornais, tenha o mesmo efeito que a foto de Pelé teve na África do Sul, quando publicada na primeira página em 1958. Foi a primeira foto de um negro na primeira página de um jornal da África do Sul. A foto de Pelé inspirou muitos jovens negros da época, como me disse Desmond Tutu, ao verem que elas, crianças negras poderiam serem o que desejassem. Levaram 30 anos e estão conseguindo.
A vinda de tantos médicos e médicas negras para o Brasil(apesar de ser tão pouquinho café neste balde de leite que é o sistema de poder curador do Brasil)é mais do que um exemplo de ação para a saúde física de nosso povo racista até nas entranhas, é um choque terapêutico para entendermos a profundidade do apartheid brasileiro.
Aqui deixo como um exemplo a entrevista que fiz no início do ano com uma médica negra brasileira de minha cidade
Mamapress / Geledés

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Questão de ordem (em defesa de Joaquim Barosa, por Miriam Leitão

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/08/20/questao-de-ordem-em-defesa-de-joaquim-barbosa-por-miriam-leitao-507448.asp

Comentário

Questão de ordem (em defesa de Joaquim Barbosa), por Míriam Leitão

O ministro Joaquim tem comprovado saber jurídico. Se não fosse isso, ele não teria construído o sólido relatório sobre a complexa Ação Penal 470 e nem teria conseguido ser acompanhado pelos seus pares. Eleitor do ex-presidente Lula e da presidente Dilma, ele demonstrou o maior dos valores que um juiz precisa ter: separar suas preferências políticas do julgamento da ação.
O ministro Joaquim Barbosa tem educação de berço, no que é o mais relevante: seus pais o ensinaram o valor da educação e da acumulação do conhecimento num país, e numa geração, que deixou pobres e negros fora da escola. Para perseguir os sonhos plantados na casa que nasceu é que ele foi tão longe.
Poderia ter ficado em qualquer dos bons cargos que atingiu: gráfico do Senado, oficial de chancelaria. Mas o filho do pedreiro quis atravessar outras fronteiras, aprender várias línguas, fazer mestrado, doutorado, viver em outros países e entender o mundo.


A admiração que tenho por sua trajetória de vida e sua obstinação; a coincidência que tenho com várias de suas avaliações sobre o Brasil não me fazem apoiar todos os seus atos e palavras. Também não gostei do conflito entre ele e o ministro Ricardo Lewandowski. “Chicana” é uma palavra que o meio jurídico abomina.
Demorar-se em falas excessivamente longas que nada acrescentam de novo, e, na maioria das vezes, para acompanhar o relator, é um hábito que o ministro Lewandowski deveria abandonar. Isso protela o que já foi exaustivamente discutido.
Pelo tempo dedicado ao julgamento dessa ação não se pode dizer que o Supremo Tribunal, ou seu presidente, tenha tido pressa. Tudo está sendo feito no devido processo legal. Quando era revisor, era natural que o ministro Lewandowski convocasse tanta atenção para si, seus pensamentos e votos. Agora, o alongamento não faz sentido.
Sei que a economia tem assuntos aos quais eu deveria dar atenção. A pauta está cheia. O dólar dispara, a confiança dos empresários cai, o fluxo de capitais se inverte. São esses os temas preferenciais deste espaço.
Mesmo assim, me ponho a falar de Joaquim Barbosa. O detonador da escolha para o tema de hoje foi a coluna de ontem do meu colega e amigo Ricardo Noblat. Dela discordo tão profundamente que quis registrar.
Ele disse que “falta a Joaquim grande conhecimento de assunto de Direito” e citou como fonte, “a opinião quase unânime de juristas de primeira linha que preferem não se identificar”. Neste ponto, falha o jornalista Ricardo Noblat. Acusação grave fazem estes “juristas quase unânimes”, mas sobre eles recai o manto protetor do anonimato.
E estas fontes, protegidas, não explicam como pessoa sem grande conhecimento de Direito consegue o apoio, nos seus votos, de jurista do patamar de um Celso de Mello, o decano do STF. Isso para ficar apenas em um exemplo.
Noblat sustenta que Joaquim foi escolhido por sua cor. É louvável que o ex-presidente Lula tenha procurado ver os talentos invisíveis. Fernando Henrique procurou uma mulher e isso não desmerece a jurista Ellen Gracie. Países com diversidade — e que discriminam por cor e gênero — devem buscar deliberadamente o fim da hegemonia dos homens brancos nas instâncias de poder.
Já discordei várias vezes do presidente do STF, mas mais profundamente me divorcio das frases de Noblat: “há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para reagir à discriminação”.
Como já escrevi várias vezes neste espaço: acho que o racismo brasileiro é o problema; e ele tem causado sofrimento demais aos negros, e apequenado o destino do Brasil.

50 ANOS da Marcha de Washington"

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=477020042387196&set=a.213904392032097.48467.100002376147021&type=1&theater




50 ANOS DA "MARCHA DE WASHINGTON" E DO HISTÓRICO DISCURSO DE MARTIN LUTHER KING JR
[http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/ihavedreamr.htm]
Foi nessa marcha, diante de mais de 250 mil pessoas, em frente ao monumento a Lincoln e sob o lema "Trabalhos e Liberdade", em 28 de agosto de 1963, que King fez o histórico discurso "Tenho um Sonho" sobre a igualdade racial e de oportunidades.
http://noticias.terra.com.br/mundo/estados-unidos/lideres-da-comunidade-negra-celebram-legado-de-martin-luther-king,f9ce36f1af880410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

MODA


https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10151871181303420&set=a.10150376034388420.410164.403877463419&type=1&theater

BELEZA NEGRA


https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10151873688658420&set=a.10150376034388420.410164.403877463419&type=1&theater

É mais fácil ser branco, no Brasil. Sakamoto


http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/06/29/o-censo-reafirma-no-brasil-e-mais-facil-ser-branco/

O Censo reafirma: no Brasil, é mais fácil ser branco
Comentários 77

Leonardo Sakamoto
De tempos em tempos, sai alguma nova pesquisa apontando que negros ganham menos que brancos no Brasil. Quando toco nesse assunto no blog, sempre aparece um gênio que diz algo como “Meu Deus, você não entende nada de política corporativa! Ou acha que seria permitido em uma grande empresa uma pessoa branca ganhar mais que uma negra pela mesma função?”.
O comentário demonstra uma certa incapacidade do leitor de extrapolar o pensamento para além do visível (como uma pessoa que cita o sobrenatural não consegue trabalhar com abstrações? Curioso…) e imaginar que estamos falando de uma média da sociedade.
Somos bombardeados com o mito da democracia racial brasileira, construído para servir a propósitos. Mito que se prova verdadeiro em novelas, minisséries ou alguns programas de TV, normalmente concebidos por brancos, mas que na vida real são tão concretos quanto a curupira, o boto e a mulher de branco.
“Ah, mas o preconceito no Brasil é contra pobre, não contra negro!” A despeito do fato de haver, proporcionalmente, mais negros entre os pobres do que brancos, por conta de uma herança maldita deixada por uma abolição que nunca ocorreu totalmente, a discriminação pelos não-brancos vive saudável por aqui.
Nesta sexta (29), o IBGE divulgou dados demográficos do Censo 2010, mostrando que brancos recebem salários mais altos e têm mais acesso ao estudo do que negros, divididos pelo estudo em pretos e pardos, conforme matéria trazida pelo UOL Notícias. Na região Sudeste, os rendimentos dos brancos é o dobro do que é pago aos pretos. Há mais empregadores entre os brancos (3%) do que entre pretos (0,6%) e pardos (0,9%). Por fim, do total da população, 9,6% são analfabetos. Já, entre os brancos, 5,9%. E entre pardos e pretos, 13% e 14,4% respectivamente. Vale ressaltar que, de acordo com o Censo 2010, os brancos totalizam 47,7% da população, enquanto pretos e pardos correspondem a 50,7%.
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que os homens brancos apresentaram as menores taxas de desemprego em 2005 (6,3%) – número que subia para 8,1% entre os homens negros e para 14,1% entre as mulheres negras. A diferença entre o rendimento médio dos homens brancos e negros havia caído 32,6% entre 1995 e 2005. A causa não foi tanto a melhoria do salário dos negros, que existiu, mas uma piora nos ganhos dos brancos – proporcionalmente, mais acentuada.
Não há uma pesquisa honesta que comprove relação entre capacidade intelectual e cor de pele. Ou alguma razão biológica bisonha que faça alguns preferirem ganhar mais do que outros. A resposta para esse quadro está nas oportunidades a que cada um teve acesso e as barreiras impostas a elas pela cor de pele.
Pretos, pardos e brancos deveriam ser tratados como iguais uma vez que são iguais. Mas, historicamente, a eles não foi dado o mesmo tratamento. Encarar, portanto, pessoas com níveis de direitos diferentes como iguais é manter o nosso bizarro status quo. Não basta cotas em universidades. Temos que avançar para reservas de vagas em cargos da administração pública, no sistema judiciário e em outras instâncias. Não eternamente, mas até conseguirmos corrigir o imenso fosso que separa brancos e negros.
Como gosto sempre de lembrar, o quase ex-senador Demóstenes Torres praticamente afirmou que escravas negras não foram violentadas pelos patrões brancos. Afinal de contas, segundo ele ao criticar as cotas para negros em universidades públicas federais em 2010, “isso se deu de forma muito mais consensual” e “levou o Brasil a ter hoje essa magnífica configuração social”. E que, no dia seguinte à sua libertação, os escravos “eram cidadãos como outro qualquer, com todos os direitos políticos e o mesmo grau de elegibilidade”. Pô, em que mundo ele vive?
O Brasil ainda não foi capaz de garantir que os filhos dos libertos fossem tratados com o respeito que seres humanos e cidadãos mereciam. Herança maldita presente na sociedade que quase equivale, na prática, a um sistema de castas. Alguns até conseguem escapar, mas a maioria das famílias permanece girando em círculos ao longo de gerações. O pior é que a discriminação é sempre do outro, nunca de nós mesmos.
No avião, dia desses: “Não sou preconceituosa, longe disso. Mas não gostaria que minha filha casasse com aquele ‘moreninho’, namorado dela. Não é por mim, sabe, mas os filhos vão sofrer um preconceito muito grande, a família do meu marido não vai entender direito. É complicado…”
Ô se é.

domingo, 18 de agosto de 2013

Tecnologia em Abydos - Egito


https://www.facebook.com/photo.php?fbid=480609792022342&set=a.390322004384455.92782.389509127799076&type=1&permPage=1




 TECNOLOGIA EM ABYDOS - Antigo Egito - África

Abydos era uma das mais importantes cidades do Antigo Egito, situada a 11 quilômetros a oeste do Rio Nilo, na latitude 26º 10' N, na região do Alto Egito. Seu nome original é Abdju, sendo esta a referência encontrada nos próprios sítios arqueológicos locais. Foram os gregos que mais tarde denominaram o local como Abydos, nome pelo qual é con...hecido atualmente.

Esta região começou a ser utilizada a partir de 3 mil anos antes de Cristo, com a fundação de vários templos e túmulos de Faraós da 1ª Dinastia. Posteriormente outros templos foram construídos no local, sendo os mais importantes o Grande Templo de Osiris, o Templo de Seti I e o Templo de Ramsses II. Também destaca-se a Tumba de Umm el-Qa'ab, que era uma necrópole da realeza egípcia, onde vários faraós foram sepultados. A região continuou sendo utilizada até a 30ª Dinastia, por volta de 380 d. C.

Segredos milenares

A região de Abydos é famosa por um conjunto de imagens existente no Templo de Seti I, que segundo interpretações de alguns esotéricos e ufólogos, seriam representações claras de artefatos tecnológicos atuais que não estavam disponíveis na época em que foram ali desenhados. Em sua maioria, os artigos referentes à este polêmico conjunto veem-se ilustrados nas imagens dos links que seguem como fonte.


*Curtam nossa página e leiam outras histórias - História Preta - Fatos & Fotos

Fonte
Compilado integralmente do site:
(ver informações e fotos) - http://www.fenomenum.com.br/ufo/fraude/abydos1.htm


Para saber mais e ver mais fotos:
http://www.ceticismoaberto.com/fortianismo/2241/helicptero-de-abydos
.
http://www.fascinioegito.sh06.com/fatos10.htm

MULHERES PRETAS USADAS COMO COBAIAS PARA EXPERIMENTOS GINECOLÓGICOS.

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terça-feira, 13 de agosto de 2013

DADOS: Violência contra a juventude negra no Brasil

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Completo no site do DataSenado

http://www.senado.gov.br/noticias/DataSenado/release_pesquisa.asp?p=44

Rainha Negra na Festa do Peão de Barretos -




http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/festa-do-peao-de-barretos/2013/fotos/2013/08/festa-do-peao-de-barretos-elege-2-rainha-negra-na-historia.html#F903559

Festa do Peão de Barretos elege 2ª rainha negra da história

Educadora física Camila Rocha, de 24 anos, ministra aulas de dança e já foi musa do carnaval da cidade.

Henry Louis Gates Jr., historiador discute sobre a cultura negra



Historiador Henry Louis Gates Jr. discute sobre a cultura negra africana e brasileira

http://globotv.globo.com/globo-news/milenio/v/historiador-henry-louis-gates-jr-discute-sobre-a-cultura-negra-africana-e-brasileira/2738101/

Oscar Micheaux: O Cinema Negro e a Segregação Racial


http://www.clicabrasilia.com.br/site/noticias_cultura.php?mostra-oscar-micheaux&secao=V&id=488659
No CCBB-Brasília, de 13 a 25 de agosto de 2013

Oscar Micheaux: O Cinema Negro e a Segregação Racial
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Fundador do cinema negro americano em 1919, o americano Oscar Micheaux desempenhou papel fundamental na formação do cinema negro americano por ter sido o primeiro negro a produzir um longa-metragem nos Estados Unidos. A retrospectiva de sua obra estará em cartaz de 13 a 25 de agosto, no Centro Cultural Banco do Brasil Brasília.

Diretor de 42 filmes ao longo de três décadas, além de roteirista, produtor, distribuidor e showman, Micheaux foi um dos maiores produtores dos race pictures, produções de baixíssimo orçamento produzidas por e para negros nos EUA entre as décadas de 1920 e 1950, durante o auge da segregação racial. Além de ter sido o pioneiro no cinema negro americano ao lançar, em 1919 o The Homesteader – baseado em um livro de sua própria autoria e em sua experiência como proprietário de terras – Micheaux também foi o primeiro negro a produzir um longa-metragem sonoro, O Exílio, de 1939.

Por meio de seus filmes, combatia o racismo e procurava esclarecer a consciência dos afroamericanos em tempos de racismo aberto e legalizado. “Uma das grandes tarefas da minha vida tem sido ensinar que os homens de cor podem ser qualquer coisa”, foi uma de suas frases mais célebres.

Ele também dirigiu Dentro de Nossas Portas (1920) e O Símbolo do Inconquistado (1920), respostas diretas aos estereótipos racistas de O Nascimento de Uma Nação (1915), épico de D. W. Griffith.

No dia 14 de agosto, às 20h 30 min, o Mestre em Cinema pelo Instituto Tecnológico de Massaschussets (MIT), Richard Peña ministrará uma palestra sobre a obra de Oscar Micheaux no cinema do CCBB Brasília.

Com curadoria de Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida, a mostra vai apresentar 22 títulos dirigidos por Micheaux, além do clássico de D.W. Griffith, O Nascimento de uma Nação (1915). A programação também conta com a realização de debate com convidado internacional especialista na carreira do cineasta.

Oscar Micheaux
O cineasta nasceu em 1884 em Metropolis, Illinois, um dos 13 filhos de um casal de ex-escravos. Aos 17 anos, mudou-se para Chicago, onde arrumou um emprego como carregador. Mais tarde, tornou-se proprietário de terras em Dakota do Sul, e retornou a Chicago para montar sua própria produtora de filmes e editora de livros, a Micheaux Film and Book Co.

Race Movies
Os “Race Movies” mostram a reação da cultura negra americana aos estereótipos que Hollywood, sobretudo a partir de O Nascimento de Uma Nação (1915, de D.W. Griffith), propagou: afro-americanos como estupradores, ladrões e preguiçosos, ou seja, como reais ameaças à sociedade branca dominante. Racismo herança da escravidão, que se cristalizou nas leis segregacionistas conhecidas como “Jim Crow Laws” e se espalhou também na literatura, no teatro e no vaudeville, com o show de blakface (atores brancos que pintavam o rosto de preto). Filmes independentes e realizados com pouquíssimos recursos, os “Race Movies” foram a chance de os negros olharem e falarem para si mesmos, através de temas que mobilizavam tanto o Norte urbano e industrial (Harlem, Chicago), quanto o Sul rural: casamento entre raças, linchamentos, cinebiografias de afro-americanos famosos (o boxeador campeão do mundo Joe Louis, por exemplo), jazz e blues.

Descrição
A mostra Oscar Micheaux: O Cinema Negro e a Segregação Racial exibirá um total de 23 títulos, a maior parte deles de diretores negros como Oscar Micheaux e Spencer Williams. Entre os destaques da programação, estão Dentro de nossas portas (Within Our Gates), filme-resposta de Micheaux a O Nascimento de uma Nação (Body and Soul) que traz Paul Robeson no papel de um pastor negro inescrupuloso, e O Sangue de Jesus (The Blood of Jesus), que apresenta cenas impressionantes de um batismo em um rio numa comunidade negra rural da época. Será exibido também o próprio O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation), polêmica obra de D. W. Griffith.

PROGRAMAÇÃO
TERÇA
16:00 - Gertie Indecente do Harlem, EUA (65 min, 14 anos)
18:30 - O Sangue de Jesus (65 min, 12 anos)
20:30 – PALESTRA (120 min, 14 anos)

 
QUARTA          
16:00 - A Garota de Chicago - (70 min, 14 anos)
18:30 - Milagre no Harlem - (71 min, 14 anos)
20:30 - Juke Joint - (60 min, 14 anos)
 

QUINTA            
 16:00 - O Nascimento de Uma Nação (195 min, 16 anos)
 20:30 - Dentro de Nossas Portas (78 min, 16 anos)


SEXTA
14:00 - Na Sombra de Hollywood (59 min, 12 anos)
16:00 - Dez Minutos para Viver (58 min, 14 anos)
18:30 - O Cantor de Jazz (88 min, 16 anos)
20:30 - Corpo e Alma (86 min, 16 anos)



SÁBADO
14:00 - O Símbolo do Inconquistado       (65 min, 14 anos)
16:00 - Uma Cabana no Céu (98 min, 14 anos)
18:30 - Swing!   (75 min, 14 anos)
20:30 - Aleluia!  (109 min, 14 anos)
 

DOMINGO      
 14:00 - Lua Sobre o Harlem (69 min, 14 anos)
16:00 - Imitação da Vida (111 min, 14 anos)
18:30 - Os Filhos Adotivos de Deus (75 min,  16 anos)
20:30 - Assassinato no Harlem   (96 min, 14 anos)
 
 TERÇA  
16:00 - Marchando! (83 min, 14 anos)
18:30 - Almas do Pecado (65 min, 14 anos)
20:30 – Submundo (98 min, 14 anos)
 
QUARTA
16:00 – Magnólia (113 min, Livre)
18:30 - Corpo e Alma     (86 min, 16 anos)
20:30 - O Sangue de Jesus (65 min, 12 anos)
 
QUINTA            
16:00 - Aleluia!  (109 min, 14 anos)
18:30 - Desce, Morte!   (65 min, 14 anos)
20:30 - O Exílio  (93 min, 14 anos)


SEXTA
 14:00 - Sombra da Meia-Noite  (54 min,  14 anos)
16:00 - A Garota no Quarto 20   (63 min, 14 anos)
18:30 - Juke Joint             (60 min,  14 anos)
20:30 - Os Filhos Adotivos de Deus (75 min, 14 anos)

 
SÁBADO
14:00 - O Símbolo do Inconquistado (65 min, 14 anos)
16:00 - Dentro de Nossas Portas (78 min, 16 anos)
18:30 - Lua Sobre o Harlem (69 min, 14 anos)
20:30 - Assassinato no Harlem   (96 min14 anos)

 
DOMINGO
14:00 - Desce, Morte!   (65 min, 14 anos)
16:00 – Submundo (98 min, 14 anos)
18:30 - Dez Minutos para Viver (58 min, 14 anos)
20:30 - Swing!   (75 min, 14 anos)


Fonte: Da redação do clicabrasilia.com.br


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Racismo e dominação psíquica em Frantz Fanon

http://www.geledes.org.br/esquecer-jamais/179-esquecer-jamais/12411-racismo-e-dominacao-psiquica-em-frantz-fanon

Racismo e Dominação Psíquica em Frantz Fanon

Frantz FanonDossiê – II Seminário Sankofa
"Descolonização e Racismo: atualidade e crítica"
"Racismo e dominação Psíquica em Frantz Fanon"
Thiago C. Sapede[1]
Este trabalho pretende explorar as ideias do psiquiatra Frantz Fanon sobre o colonialismo, focando-se na esfera psicológica da dominação colonial. Este autor enxerga o racismo como elemento central, operador psíquico da dualidade entre colono e colonizador, branco e negro, no colonialismo. Esse sistema profundo e complexo será observado como alicerce fundamental para a empreitada colonial e a manutenção da dominação europeia sobre "outros" povos. Esta discussão será importante para compreensão do racismo como elemento fundante do processo histórico de construção do ocidente.
Frantz Fanon nasceu em 1925, na ilha da Martinica, colônia francesa desde o século XVII. Era uma ilha povoada majoritariamente por descendentes de africanos escravizados. Aos dezoito anos, Fanon alistou-se no exército francês durante a segunda guerra mundial, lutando no norte da África. Após o fim da guerra, partiu para a França, buscando estudar medicina em Lyon. Fanon recebeu diversas influências intelectuais em sua temporada na França. Dialogou intensamente com o movimento da Negritude, sobretudo com seu conterrâneo Aimé Cesaire e o senegalês S. Senghor. Sua interlocução com Jean-Paul Sartre foi também relevante. Recebeu influência decisiva teórica da psicanálise, muito em voga na França no período, com os seminários de Jacques Lacan. Logo após formar-se em psiquiatria foi trabalhar na Argélia, onde se tornou importante ativista na luta de libertação argelina.
Seus trabalhos fundamentais foram "Pele Negra, Máscaras Brancas", de 1952 - que escreveu inicialmente como tese para habilitar-se em psiquiatria, mas foi recusado -, e "Os condenados da Terra" de 1961[2]. Abordarei aqui uma das facetas do trabalho de Fanon sobre o colonialismo: a esfera psicológica, dando ênfase à questão do racismo. "Pele Negra, Mascaras Brancas" será nossa principal fonte, pois dialoga mais intensamente com os objetivos desta pesquisa.
Tratarei inicialmente da conceituação de Fanon do termo racismo, feita através do debate com outro psiquiatra estudioso das relações coloniais, Octave Manonni.
Manonni abordou o racismo colonial como uma atitude de indivíduos ou classes específicas. Estudando o caso da África do sul, afirmou que o proletariado branco (que competia por trabalho com africanos diariamente) assumia uma postura muito mais racista do que a elite colonial. Defendeu assim a possibilidade de existirem diversos "graus" de racismo, dependendo do tipo de exploração e da cultura local. Em Manonni, o "racismo" aparece numa concepção mais elástica e superficial, vinculado às atitudes discriminatórias que nascem da "cultura" de uma classe social ou de um povo. O tipo de exploração colonial, para ele, portanto, difere dos outros tipos de exploração. Assim como o racismo colonial não se equivale a outras formas de racismo[3].
A partir das críticas às ideias deste autor, Fanon coloca-se num polo oposto. Para ele, o proletariado branco da África do Sul é racista não por uma especificidade cotidiana ou cultural, mas pelo fato do racismo existir como elemento estrutural na sociedade sul-africana. Tratar-se-ia de uma estrutura muito profunda, que envolve as esferas econômica, social e psicológica. Dentro dessa concepção, uma sociedade que é racista é racista por inteiro, não dependendo dos setores sociais ou culturais nos quais a discriminação emergirá com mais evidência. As atitudes de discriminação diretas são apenas sintomas de um sistema muito mais profundo.
Para Fanon, portanto, aqueles que assumem uma atitude discriminatória não são necessariamente mais racistas do que àqueles que assumem o papel de cumplices passivos dessas ações. A discriminação direta seria apenas a "ponta do iceberg".
Essas idéias apresentada por Fanon como contraponto a Manonni, não foram inéditas quando apresentadas. Ele recebeu influência significativa das discussões sobre o racismo feitas por Sartre, que tratou profundamente do antissemitismo europeu em Reflexões sobre o racismo. Afinal, Sartre já trazia, ali, a noção de racismo como fato estrutural da sociedade. Veremos que a novidade em Fanon será levar esta tese sartriana para o campo psicológico e para a sociedade colonial.
O autor, após desmontar as ideias de Manonni, apresenta seu ponto de partida, bastante incisivo: "Dizíamos a pouco que a África do Sul tem uma estrutura racista. Agora vamos mais longe, dizendo que a Europa tem uma estrutura racista"[4].
Apoia esta afirmação no fato do europeu ter no inconsciente da coletividadeo que chama de "complexo de autoridade". Ou seja, a ideia de si mesmo como um tipo superior de homem.
Fanon diz:
"Há na Martinica duzentos brancos que se julgam superiores a trezentos mil elementos de cor. Na África do Sul devem existir dois milhões de brancos para aproximadamente treze milhões de nativos, e nunca passou pela cabeça de nenhum nativo sentir-se superior a nenhum branco."[5]
Através do complexo de autoridade, justifica-se a sujeição de outros grupos humanos, nascendo também a necessidade de classificação e hierarquização dos mesmos em "raças" ou etnias. A partir desta demanda, segundo Fanon, é criada a idéia do "negro", pela dicotomia com o branco. Afirma que: "Precisamos ter a coragem de dizer: é o racista que cria o inferiorizado".[6]
Apesar de Fanon não tratar dessa invenção do negro na temporalidade histórica, ele parece abordá-la no contexto da colonização da era industrial. Sabemos, porém,que desde finais do século XV, nos primeiros contatos de portugueses com populações africanas na costa atlântica, os europeus já se referiam aos africanos como pretos ou negros. A questão central é que esta "marca" não ocupava a posição central, que ganhoua partir do século XIX.
A expansão européia do início da época moderna tinha na raiz de seu discurso de legitimidade a salvação das almas e a expansão da fé. Nesta argumentação era Deus o legítimo senhor de todas as terras do mundo e responsável por todas as almas. A Igreja e o papa eram os legítimos representantes de Deus. Por isso, a eles cabia decidir o futuro dos gentios e hereges do Novo Mundo. A tutela dessas almas foi oferecida às monarquias ibéricas, que, explorando seus corpos, lhes ofereceriam a vida eterna.
Após uma época de intensas mudanças históricas e culturais, o homem europeu supôs-se racional. Os estados tornaram-se laicos, e a civilização passou a ocupar o valor máximo em lugar da salvação. A hierarquia entre as sociedades, que tinha como critério o plano divino, passou ao próprio corpo e à cultura. Nesse movimento, o europeu se desvinculou de Deus e se tornou ele próprio um semi-deus entre os homens.
Voltando à Fanon, notamos que a partir da relação de sujeição dos colonizados aos colonos europeus estabelece-se o que o autor chama de um duplo narcisismo. Neste, o "branco está preso em sua branquitude e o negro está preso em sua negritude"[7]. A representação de si dentro dessas categorias se constrói na relação de oposição ao outro. Ou seja, para Fanon, dentro desse sistema, resta apenas uma alternativa ao colonizado que deseja se valorizar: ocupar o lugar do outro, pois só o outro pode ser completo. O negro deve tentar sob todo custo tornar-se branco[8].
Essa negação de si coloca o colonizado numa posição neurótica, num confronto psíquico contra si próprio e como consequência nasce nele um "complexo de inferioridade". É justamente deste complexo que o colonialismo europeu se apropria e deste se alimenta.
O "complexo de inferioridade" do colonizado começa, para Fanon, na infância, uma vez que há uma divergência profunda entre o universo infantil das referências familiares e o universo público, marcado pela dominação e tutela europeia.
Para uma criança européia, que sai do ambiente doméstico para o público, há uma coerência entre a as figuras do universo familiar (alicerces da psiquê) e os símbolos coletivos e nacionais. As referências coletivas, para o branco, falam sobre sua família, seus pais e sobre ele próprio. O mesmo não ocorre com o colonizado, como nos diz Fanon:"Uma criança negra, normal, tendo crescido no seio de uma família normal, ficará anormal ao menor contato com o mundo branco." [9]
Há três elementos essenciais para o sistema de referências do inconsciente da coletividade[10] que criam essa cisão. O primeiro deles é a Nação, que se manifesta através de um conjunto de símbolos: heróis nacionais, a história nacional, o exército, o líder político, entre outras. Estes são, segundo Fanon, figuras associadas à paternidade. Para a criança negra martinicana, impõem-se referências européias, incoerentes com as de seu inconsciente. Além disso, os colonos são aqueles que têm prestígio social, poder e riqueza, reproduzindo cotidianamente a superioridade do branco.
Por último, Fanon aborda outro elemento decisivo no universo de referências infantis e juvenis, que em sua época eram as Revistas ilustradas. Este material ocupava o papel que hoje ocupam os programas de TV, animações e os videogames. Sobre as quais afirma:
"Em toda a sociedade, em toda coletividade, existe e deve existir um canal, uma porta de saída pela qual as energias acumuladas, sob forma de agressividade, possam ser liberadas. (...)É isso que tendem os jogos para crianças (...)e de modo mais geral as revistas ilustradas para os jovens ,-cada tipo de sociedade exigindo, naturalmente, uma forma de catarse determinada.
As histórias de Tarzan, dos exploradores de doze anos, de Mickey e todos os jornais ilustrados tendem a um verdadeiro desafogo da agressividade coletiva. São jornais escritos pelos brancos e destinados às crianças brancas. Ora, o drama está justamente aí. Nas Antilhas-e outras colônias- os mesmo periódicos ilustrados são consumidos pelos jovens nativos. E o Lobo, o Diabo, o Gênio do mal, o Mal, o Selvagem são sempre representados por um preto ou um índio. E como sempre há identificação com o vencedor, o menino negro torna-se (em suas fantasias) o explorador, aventureiro, missionário ´que corre o risco de ser comido pelos pretos malvados tanto como o menino branco." [11]
Vemos, portanto, que o universo de referências de uma criança negra, num ambiente colonial não o enxerga. E, quando o faz, sua imagem é inferiorizada ou negativa. As consequências psíquicas dessa ruptura são significativas, como nos mostra Fanon:
"Qual é nossa proposição? Simplesmente esta: quando os negros abordam o mundo branco, há uma certa ação sensibilizante. Se a estrutura psíquica se revela frágil, tem-se um desmoronamento do ego. O negro cessa de se comportar como indivíduo acional. O sentido de sua ação estará no Outro(sob forma do branco), pois só o Outro pode valorizá-lo"[12].
Voltemos à interlocução que Fanon estabelece com Sartre num aspecto importante da operação do sistema racista: a construção dos estereótipos.
Sobre a inferiorização do judeu, Sartre afirmou:
"O judeu é um homem que os outros consideram judeu: eis a verdade simples de onde deve se partir: é o anti-semita que faz o judeu" [13].
Após expor a interessante construção sobre a questão judaica na mentalidade européia, feita através do trabalho de Sartre, Fanon busca compreender a construção dos estereótipos sobre o negro, afirmando:
"Tem-se medo do judeu por causa do seu potencial apropriador. ´Eles estão por toda a parte, infestam os bancos, bolsas, o governo. Reinam sobre tudo. Em pouco tempo o país lhes pertencerá. (...)'Quanto aos negros...... eles têm a potência sexual. Pensem bem, com a liberdade que tem em plena selva! Parece que se deitam em qualquer lugar e qualquer momento. Eles são genitais." [14]
Nesta formulação apresentada de modo provocativo, por Fanon, ambos judeus e negros ameaçam a sociedade europeia branca; o judeu representa o perigo intelectual e o negro o perigo biológico. Basta observar-se os paralelos estabelecidos pela mentalidade racista europeia, associando Judeus e Negros a diferentes espécies animais: estratégia muito eficaz de rebaixamento de seu status de humanidade. O judeu foi chamado de Rato: animal sorrateiro, esperto, que se escondem nos porões para roubar; um mal quase invisível. O negro por sua vez foi associado ao macaco, animal fisicamente forte e ágil, podendo ser potente, violento e brutal, como suposto no caso dos gorilas.
A conceituação pela mentalidade européia da inferiorização do negro terá como critério fundante, como vimos, a vinculação direta entre o negro e a potência sexual, corpórea e biológica. Constrói-se desta forma uma categoria de ser humano menos "civilizados" na medida em que, ao contrário dos europeus, são reféns dos impulsos: impulsos de agressividade, impulsos musculares e sobretudo impulsos sexuais.
O autor observa mais profundamente as atitudes discriminatórias do europeu ao negro por essa perspectiva. Fanon chama esta discriminação de "negrofobia". Devemos lembrar que o termo "racismo", comumente é usado como sinônimo de discriminação, aqui é muito mais amplo, significando: sistema que opera em toda a sociedade.
Para Fanon, a atitude discriminatória da mulher branca em relação ao negro (sobretudo o homem negro) seria provocada por uma inquietação sexual, uma relação dupla de fobia e desejo. Por serem as negrófobas, em geral, mulheres sexualmente frustradas, atribuem ao homem negro poderes sexuais capazes de superar suas mazelas. A simples presença do negro, para estas mulheres, produz um sentimento fóbico, e a atitude violenta é uma resposta repressora ao seu desejo[15].
Para homens negrófobos, por sua vez, Fanon apresenta duas possibilidades interessantes. Na primeira, o negro representaria um terrível concorrente para o branco, por acreditarem ele ser dono de uma potência que nunca poderiam atingir. Daí causando um sentimento de inferioridade. O inseguro ou impotente sente-se ameaçado diante da potência e virilidade que atribui ao outro. Há uma segunda possibilidade, na qual o branco discrimina o negro, pois diante dele evidencia-se seu recalque sexual. Ou seja, age com violência contra um objeto de desejo como negação da própria homossexualidade não-aceita. Baseado nessas hipóteses, Fanon cunha o termo "vingança sexual" que, para ele, gera a perseguição aos negros:
"O linchamento do negro não seria uma vingança sexual? Sabemos tudo o que as sevícias, as torturas, os muros, comportam de sexual. Basta ler Marquês de Sade para nos convencermos. ..A superioridade do negro é real? Todo mundo sabe que não. Mas o importante não é isso. O pensamento pré-lógico do fóbico decidiu que é assim" [16]
A vinculação estereotípica do negro ao corpo deriva do "complexo de autoridade" europeu, pelo qual afirma a racionalidade como valor maior humano. O colonizador se auto-constrói como ser racionalmente superior aos outros. Desta forma depositam no Outros atributos corporais regidas pelo instinto: como a agilidade, a força, potência e sensualidade, numa dupla estratégia de desumanização do outro e super-humanização de si.
Em "Os condenados da terra" Fanon tratou de maneira mais concreta das relações de dominação no seio da colonização, apresentando a montagem das estruturas de dominação sociedade colonial para além da esfera psíquica. No ambiente colonial o nativo encontra-se confinado e restrito. O espaço físico a ser ocupado pelo colonizado é restrito e determinado, e deve se dar por moldes metropolitanos, regido pelas elites coloniais.
Na cidade colonial, o lugar do colonizado são os guetos e periferias, bairros sujos e mal estruturados. Enquanto isto, o colono tem acesso à cidade central e moderna, na qual circula sem restrição. A polícia e o exército metropolitano, detendo o monopólio da força, são essenciais para assegurar a demarcação desses espaços[17].
Fanon vê como consequência dessa restrição forçada uma repressão de energias musculares. O colonizado, constantemente vigiado, torna-se na relação com o colono muscularmente restrito, seus movimentos são atentamente observados. A energia muscular, porém, terá vazão por outras vias, como aponta Fanon:
"Esse é o mundo colonial. O indígena é um ser confinado(...)a primeira coisa que o indígena aprende é ficar no seu lugar ,a não passar dos limites. É por isso que os sonhos do indígena são sonhos musculares, sonhos de ação, sonhos agressivos. Durante a colonização, o colonizado não para de libertar-se entre as nove horas da noite e a seis da manhã. "[18]
Além dos sonhos, objeto essencial ao acesso do inconsciente pelos psicanalistas, Fanon aponta para explosões musculares desproporcionais como forma de vazão dessa energia reprimida. A dança, a sexualidade e a possessão, os esportes, entre outros, tornam-se veículos fundamentais de liberação energética. A violência, porém, torna-se para Fanon a via por excelência de descarga energética. Essas explosões de violência se darão sobre tudo longe da vigilância dos colonos, ou seja, entre os próprios colonizados. Esse fenômeno é chamado pelo autor de "autodestruição" do colonizado, que causará violência endêmica nos bairros periféricos.
Desta maneira, o colonizado acaba inevitavelmente reafirmando os estereótipos raciais cunhados pelos colonos. Ele se torna corporal, violento e explosivo, alimentando assim o sistema racista que o desumaniza.
Observamos na obra de Fanon, principalmente em "Pela Negra, Máscaras brancas" um tom muito direto e as vezes quase individual se dirigindo ao colonizado. Em diversas sentenças "o negro" aparece como o sujeito gramatical, agente em relação aos termos de sua exclusão. Fanon, como bom Lacaniano, não utiliza a linguagem de maneira arbitraria. Esta atitude é coerente com a ideia do autor de que o negro deve ser responsabilizado pelas consequências mentais da exclusão colonial.
Não se trata, obviamente, de culpá-lo pelas consequências psicológicas de sua exclusão, mas trata-se de mostrar ao excluído que os "termos" produzidos por esse sistema lhe pertencem.
Não por acaso, para Lacan, os sujeitos psíquicos devem ser sempre responsáveis. Os fatores sócio-políticos e culturais que produzem consequências psíquicas podem ser externos aos sujeitos, mas nunca externos ao indivíduo. Em outras palavras, na medida em que um sistema de injustiças é internalizado por sua "vítima", ele se torna parte dela e só pode ser terapeuticamente tratado se vinculado pela ação do sujeito[19].
O indivíduo, portanto, para a psicanálise, só pode superar uma questão (patológica, por exemplo) que está em si, na medida em que se responsabiliza por ela. Um paciente, ao ser tratado como "não sujeito" passa a ser tutelado e alienado, tornando-se sempre dependente, sem possibilidades de emancipação.
Em outras palavras, para a retórica fanoniana, o indivíduo negro não deve assumir a posição de vítima diante daquilo que o vitimiza, e sim de sujeito.
Vejamos mais claramente essa ideia nas palavras do autor:
"(...) fazendo apelo à humanidade, ao sentimento de dignidade, ao amor, à caridade, seria fácil provar ou forçar a admissão de que o negro é igual ao branco. Mas nosso objetivo é outro. O que nós queremos é ajudar o negro a se libertar do arsenal de complexos germinados no seio da situação colonial."[20]
As obras de Fanon não têm, evidentemente, apenas pretensões terapêuticas. Seus livros não são direcionados somente a psicanalistas que trabalharam com a saúde mental do negro; tampouco são obras de auto-ajuda. Fanon pretende, ao contrário, que através da tomada de consciência do complexo de inferioridade, nasça um potencial pela reivindicação e pela superação do sistema colonial e racista.
O método psicanalítico, em Fanon, é ferramenta para a libertação. Através dele se recusa uma descolonização pela tutela européia ou pela burguesia nacional europeizada. Aqui, a "responsabilização" e lutados próprios colonizados são a única via para uma verdadeira emancipação.
Como vimos, Frantz Fanon , através de sua obra seminal, apresenta o racismo como sistema complexo que cumpriu duplamente os papeis de motor e combustível da expansão europeia e do colonialismo. Sua obra escancara a profundidade das raízes racistas na construção da sociedade ocidental e nos mostra que não há alternativas efetivas para solução dessa questão que não sejam em si também profundas e radicais.
[1]Mestrando em História Social pela FFLCH-USP, pesquisa intitulada "Catolicismo e Poder Político no Reino do Congo. Século XVIII" orientando da Profa. Dra. Marina de Mello e Souza. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Membro do Núcleo de Estudos de África, Colonialidade e Cultura Política (NEACP-DH-USP).
[2]Fanon, Frantz. Pele Negra, Mascaras Brancas. Salvador, Edufba, 2008. E Fanon, Frantz. Os condenados da Terra. Juíz de Fora. Editora Ufjf. 2010.
[3]Fanon, Frantz. Op. Cit, 2008, p 85.
[4] Fanon, Frantz. Op. Cit, 2008, p 89.
[5] Fanon, Frantz. Op. Cit, 2008, p 90.
[6] Fanon, Frantz. Op. Cit, 2008, p 90.
[7] Fanon, Frantz. Op. Cit, 2008, p 27-30.
[8] Fanon. Op. Cit, 2008, p 94.
[9] Fanon. Op. Cit, 2008, p 94.
[10] Fanon parece utilizar o termo "inconsciente da coletividade" como alternativa à "inconsciente coletivo" conceituado por Jung. Pois há divergências entre a abordagem lacaniana de inconsciente individual utilizada por ele e a jungiana de "inconsciente coletivo" inexplorada pelo autor. Compreendermos que Fanon privilegia os aspectos culturais "mentais" da coletividade, em detrimento dos arquétipos que ocupam centralidade na teoria de Jung.
[11] Fanon. Op. Cit, 2008, p 130-131.
[12] Fanon. Op. Cit, 2008, p 136.
[13] Fanon. Op. Cit, 2008, p 130-131.
[14] Fanon. Op. Cit, 2008, p 130-131.
[15]Fanon. Op. Cit., 2008, p 132-140.
[16] Fanon. Op. Cit., 2008, p 139.
[17] Idem, Os condenados da Terra. Juíz de Fora: Editora Ufjf. 2010, p. 50-65.
[18] Idem, Op. Cit. 2010, p. 69.
[19] Lacan, J. – La Science et la vérité, in Écrits, Paris, Edition du Seuil, 1966, p. 858.
[20] Fanon, Op. Cit., 2008.

Fonte: Revista Sankofa