segunda-feira, 30 de junho de 2014

Uma anistia necessária


http://oglobo.globo.com/opiniao/uma-anistia-necessaria-13055441

Uma anistia necessária

A prisão, em geral, não regenera. As nossas, muito menos. Elas são quase escolas do crime

Temos hoje a quarta população carcerária do mundo, quase meio milhão de pessoas, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e da Rússia (740 mil). Enquanto a média mundial de encarceramento é de 144 presos para cem mil habitantes, no Brasil há 300 presos para cem mil pessoas. E existe um déficit de 240 mil vagas nos presídios.
Em 2013 houve 268 homicídios nas prisões brasileiras — mais de um a cada dois dias. Em 2012, o número de mortes tinha sido de 110. Ou seja, os óbitos aumentaram 143% de um ano para o outro. É um crescimento assustador.
Pesquisa da UnB, em parceria com a UFRJ, confirma que os pobres são mais condenados do que os ricos e que suas penas são mais altas. E que, se for preso com pequena quantidade de droga, pobre é tratado como traficante; já integrante da classe média é tratado como usuário. Há uma seletividade de classe para a polícia e para a Justiça.
Segundo relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, no fim de 2012 mais da metade dos presos (54%) era parda ou negra e tinha entre 18 e 29 anos (55%). Deles, 5,6% eram analfabetos, 13% eram apenas alfabetizados e 46% tinham o ensino fundamental incompleto. Somente dois mil (0,4%) tinham formação superior completa.
Apesar desse quadro, a cada crime que cria comoção nacional, a resposta de muitos é o endurecimento das leis e a diminuição da maioridade penal.
O quadro é preocupante. A corrida entre o número crescente de presos e a disponibilidade de vagas é disputa perdida. Ainda que novas penitenciárias sejam construídas, é preciso buscar outros caminhos.
A prisão, em geral, não regenera. As nossas, muito menos. Elas são quase escolas do crime. A maioria dos apenados tende a sair mais afeita a delinquir. E, como não há pena de morte ou prisão perpétua, um dia sairá.
Por outro lado, muitos presos prefeririam deixar a vida de crimes.
Assim, ao lado da aplicação de penas alternativas para quem cometeu crimes não violentos, é preciso resgatar para a sociedade milhões que hoje padecem nas prisões, tornando-se cada vez menos aptos para o convívio social.
Isso é possível pela concessão de uma anistia aos presos mais jovens, dando-lhes condições de recomeçar a vida.
Essa anistia não significaria simplesmente a sua soltura. Seria precedida da criação de condições para um mínimo de formação profissional e do acompanhamento da vida dos egressos. É difícil? Sim. Mas a alternativa está sendo criar um barril de pólvora.
Outras questões — como, se a anistia beneficiaria todos os presos jovens, independentemente do crime cometido, o limite de idade para que fossem incluídos etc — poderiam ser enfrentadas num debate com a sociedade.
Mas é preciso estender a mão a essa juventude e dar-lhe perspectiva de vida, sob pena de a perdermos definitivamente para o crime.
Isso não seria bom para ela.
Muito menos para a sociedade.
Wadih Damous é presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio
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Angola : Crianças angolanas a dançar

10 raras fotografias de escravos brasileiros


http://www.geledes.org.br/10-raras-fotografias-de-escravos-brasileiros-feitas-150-anos-atras/

10 raras fotografias de escravos brasileiros feitas 150 anos atrás

Publicado a 1 mês atrás, em 21 de maio de 2014 » Atualizado às 8:51
Categoria » Esquecer? Jamais
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Quitandeiras
Esta publicação é uma pérola, verdadeira uma raridade, creio que todos os brasileiros deveriam ter conhecimento disso. Quando estudamos a escravidão no ambiente escolar não estamos habituados a ver imagens reais de escravos do Brasil. A fotografia é um elemento que aproxima o leitor da realidade, e por conta disso, é muito importante estabelecer este tipo de contato na hora de aprender sobre algum tema.
Uma vez que o Imperador Pedro II era um entusiasta da fotografia, o Brasil se tornou um ambiente favorável à prática da fotografia muito cedo. Durante a segunda metade do século XIX diversos fotógrafos, alguns patrocinados pela Coroa, fizeram valiosos registros da realidade vivida no país.
As imagens abaixo são do acervo do Instituto Moreira Salles, algumas delas foram feitas há mais de 150 anos. A qualidade do material, tanto no sentido gráfico quanto em detalhes de comentários nas suas legendas, impressiona e aproxima aqueles que querem entender o cenário escravocrata brasileiro.
Elas datam entre 1860 e 1885, período em que movimento abolicionista tomou maiores proporções. São registros muitas vezes idealizados, de tom artístico, se assemelhando às pinturas da época. Diferente de alguns casos de propaganda abolicionista nos Estados Unidos, o objetivo dessas fotos não é denunciar barbaridades.
10 raras fotografias de escravos brasileiros:
Escravidão Fotografias010
Senhora na liteira (uma espécie de “cadeira portátil”) com dois escravos, Bahia, 1860 (Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias009
Negra com o filho, Salvador, em 1884 (Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias008
Primeira foto do trabalho no interior de uma mina de ouro, 1888, Minas Gerais. (Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias007
Escravos na colheita de café, Vale do Paraíba, 1882 (Marc Ferrez/Colección Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias006
Escravos na colheita do café, Rio de Janeiro, 1882 (Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias005
Foto da Fazenda Quititi, no Rio de Janeiro, 1865. Observe o impressionante contraste entre a criança branca com seu brinquedo e os pequenos escravos descalços aos farrapos (Georges Leuzinger/Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias004
Negra com uma criança branca nas costas, Bahia, 1870. (Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias003
A Glória, vista do Passeio Público, Rio de Janeiro, 1861 (Revert Henrique Klumb/Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias002
Lavagem do ouro, Minas Gerais, 1880. (Foto: Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Escravidão Fotografias001
Quitandeiras em rua do Rio de Janeiro, 1875 (Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).

Guia prático para brancos sobre racismo

http://www.geledes.org.br/ademario-sousa-costa-guia-pratico-para-brancos-sobre-racismo/


Ademário Sousa Costa: Guia prático para brancos sobre racismo

Publicado a 2 semanas atrás, em 17 de junho de 2014 » Atualizado às 21:07
Categoria » Em Pauta
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add
por Ademário Costa*
O que me motiva a escrever novamente é a reação das pessoas, que se sentiram ofendidas com o título do texto “Só podiam ser brancos e ricos”,  atribuindo a ele um conteúdo racista.
Este tipo de reação é fruto da forma em que se estrutura o racismo na sociedade brasileira.
No Brasil a cor da pele e os traços físicos constituem componentes determinantes do posicionamento econômico e social dos indivíduos.
A naturalidade com que se associa a condição de ser branco com o sucesso profissional, melhor renda e localização social, exime esta parte da população de se envergonhar de sua condição de maioria ideológica, social, política e econômica — mesmo sendo minoria populacional.
Do outro lado da moeda os negros são maioria em todas as situações de vulnerabilidade social, nas prisões, nas favelas, na exposição ao crime, entre os que estão fora da escola; mesmo nos estados do Sul, em que somos minoria populacional, estamos super representados entre os mais pobres.
Apesar da naturalização desta situação ela só foi possível graças à política oficial de favorecimento da população branca através de políticas de Estado. Isto se chama racismo institucional.
Através da Bula “Dum Diversas” o Papa Nicolau, autoriza o rei de Portugal colocar indígenas e africanos no trabalho escravo.
Poder este que foi estendido em 1554 ao rei da Espanha; um decreto lei complementar à Constituição de 1824, proibiu a comunidade negra de frequentar a escola, qualquer escola; a lei de terras (1850/ nº601) determinou que as terras só poderiam ser obtidas através de compra.
Enquanto isso, o Exército foi encarregado de combater os quilombos e os imigrantes europeus receberam terras, dinheiros e sementes.
A guerra do Paraguai foi usada para exterminar um milhão de negros; a Lei do Ventre Livre determinou que as crianças nascidas de pais escravizados fossem separadas de suas famílias, surgindo a primeira legião de menores abandonados; a Lei dos Sexagenários desobrigou os senhores de cuidarem dos trabalhadores escravizados ao ficarem velhos e doentes.
Em 28 de junho de 1890, um decreto lei reabriu a política de imigração, direcionada à população europeia e impediu a entrada de africanos e asiáticos.
O objetivo foi utilizar a mão de obra branca e europeia para ocupar os principais postos de trabalho na nascente indústria paulista, impedindo que a população negra ocupasse estes postos e se tornasse uma poderosa classe média.
Pobres brancos foram utilizados para marginalizar os negros.
Estas leis são parte da construção histórica que naturalizou a atribuição de características negativas à comunidade negra, e nos fizeram achar normal o posicionamento de brancos nos melhores espaços.
Assim, o texto anterior rompe com o pacto de silêncio sobre o tema, fazendo um setor da sociedade experimentar uma caracterização com a qual não estão acostumados.
Desprovidos do poder no Brasil, não podemos ser acusados de racistas quando identificamos que o preenchimento das “áreas vips” através de critérios negociais, de proximidade social e de classe, culmina com uma hiper representação da população branca em todos os espaços de poder, bem distante do que realmente representam no conjunto populacional do país.
Mas se apesar disso tudo você acha que sua condição social, econômica ou política se deu única e exclusivamente pelos seus méritos pessoais, não apoia as políticas de reparação ou acha que elas são apenas favores do Estado; se foi contra o PROUNI, cotas raciais para ingresso nas universidades e no serviço público, Bolsa Família, Mais Médicos, elevação do salário mínimo, direitos das domésticas; se não está disposto a abrir mão de seus privilégios e reconhecer as vantagens comparativas inerentes à sua cor de pele, então não tem jeito, gire sua bússola, ou vai continuar sendo racista.
*Ademário Sousa Costa é Cientista Social
Fonte:Viomundo

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Inventário lista 100 lugares de memória do tráfico de escravos no Brasil


http://www.geledes.org.br/inventario-lista-100-lugares-de-memoria-trafico-de-escravos-brasil/

Inventário lista 100 lugares de memória do tráfico de escravos no Brasil

Publicado a 14 horas atrás, em 27 de junho de 2014 » Atualizado às 12:17
Categoria » Esquecer? Jamais
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rota da escravidão
Com informações do LABHOI
O Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil foi produzido na intenção de reunir os 100 lugares mais importantes para o tráfico negreiro.
O trabalho coordenado pelo Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI) da Universidade  Federal Fluminense, em parceria com o Comitê Científico Internacional do Projeto da UNESCO “Rota do Escravo: Resistência, Herança e Liberdade”, foi construído a partir da indicação e contribuição de diversos historiadores, antropólogos e geógrafos do país.
A prioridade foi dada às evidências documentais, escritas ou orais, da presença histórica e cultural dos africanos, com o objetivo de centrar o foco na ação e no legado dos recém-chegados. O inventário é sobre os locais onde é possível lembrar a chegada dos africanos ou identificar as marcas de sua presença e intervenção.
Escravizados em seu continente, entre os séculos XVI e XIX, muitas vezes em guerras internas entre os inúmeros reinos que existiam nas diversas regiões da África tocadas pelo tráfico, africanos de diferentes línguas e origens tornaram-se “escravos”, categoria jurídica de época, no Brasil. Aqui reorganizaram suas identidades, criando  novos sentidos para suas referências africanas.
Clique abaixo para ter acesso ao documento
Fonte: Mamapress

O que cabelo tem a ver com racismo?


http://www.geledes.org.br/o-que-cabelo-tem-ver-com-racismo/

O que cabelo tem a ver com racismo?

Publicado a 2 semanas atrás, em 14 de junho de 2014 » Atualizado às 9:06
Categoria » Mulher Negra
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O que cabelo tem a ver com racismo?

Por: Bruna de Paula
Hoje me deparei com o seguinte comentário nessa rede social de meu Deus: “O que tem a ver racismo com mandar a Blue Ivy pentear o cabelo?
Bom, vamos por partes né? Embora muita gente não saiba (nem sei se ela sabe), mas a Beyoncé é negra (OOOHHH). Sério, ela não é moreninha, café com leite, queimadinha, mulata e outros eufemismos que vocês acham interessante usar porque acham que é muito pesado dizer que uma pessoa é de fato NEGRA. Jay Z também, mas isso ninguém discute porque a negritude dele é indisfarçável.
Logo, Blue Ivy nasceu com cabelos crespos… cabelos esses que crescem pra cima e acreditem não há nada de monstruoso nisso.
Querer submeter um bebê a padrões estéticos eurocêntricos é querer que ela esconda suas origens, porque essas são aparentemente não convencionais e não encontro outra palavra pra definir que não seja racismo.
Uma amiga em um post do seu Blog Reapresentando Cores usou um termo interessante: “Ativismo de Cabelo”. Muita gente pode não entender a necessidade de estarmos o tempo todo afirmando que cabelos crespos não necessitam ser “domados”, não estamos carregando nenhum animal raivoso em nossas cabeças (às vezes eu queria que ele fosse pra abocanhar pessoas que acham certo criar uma petição online para pedir que uma criança de 2 anos penteie seu cabelo). Falaram para “pentear para baixo”, “prender com um arquinho”. Bom, vou contar pra vocês a realidade de uma criança de cabelo crespo, vou contar a realidade que graças a Deus não é a da Blue, caso fosse não causaria tanto incômodo. Nossas mães na tentativa de deixar com a aparência que determinaram como “boa”, penteavam nossos cabelos muitas vezes a seco, causando uma tremenda dor, desembaraçavam e prendiam todo pra trás, nossos olhos chegavam a ficar puxados. Mas okay, nosso crespo socialmente inaceitável, estava domado, era o que esperavam da gente até que chegasse uma idade onde finalmente poderíamos fazer usos de químicas altamente corrosivas, ferros quentes e assim tentassem embranquecer nossos traços.
bruna-de-paula
Recebo mensagens de amigas professoras falando que cada vez mais cedo percebem que as mães buscam procedimentos químicos para alisarem ou relaxarem os cabelos de suas crianças. Eu acho um ato criminoso, porque além de fazer mal a saúde, faz mal a identidade. Essa criança vai crescer entendendo que alisar é o procedimento padrão, que é tão natural quanto se alimentar. Por isso muita gente não considera racismo falar de cabelo, diz que é questão de gosto. Não é estranho ser senso comum considerar justamente um determinado tipo de cabelo como ruim? Não é estranho que o bom seja aquilo que seja mais próximo de uma característica branca?
Sabemos que a população negra enfrentam vários outros desafios sociais, que muitos consideram essa questão de cabelo como secundária ou como algo que nem há necessidade de ser abordado. Mas o corpo é aquilo que somos e essa relação precisa ser bem desenvolvida. O racismo desumaniza, nos faz criar rejeição pelo nosso próprio corpo. Os padrões de beleza cerceiam a liberdade a ponto de atingir uma criança que não deve ter preocupação com cabelo ou qualquer outra coisa. Que mais mães tenham consciência de que o cabelo tem forte significado na construção da identidade da pessoa negra. Que ninguém mais tenha que se envergonhar pelo seu corpo livre de padrões.
E sim, seremos ativistas de cabelo enquanto for necessário.
Fonte: Cultura Upload

Danca Makezu's 1st Kizomba Performance

Sensual Kizomba Cyméone and Tabara

CULTNE - Lelia Gonzalez - 1981

Lélia Almeida Gonzalez

CULTNE - Lélia Gonzalez - Pt 1

O que é Movimento Negro

História da Resistência Negra no Brasil - Documentário de José Carlos As...

Documentário Questões Étnicas na TV: O Negro em Cena

CRP SP-Contra o Genocídio da População Negra: Subsídios Técnicos e Teóri...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

ÓCULOS ESCUROS? É SÓ ESCOLHER!


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O negro de alma negra: uma entrevista com Oliveira Silveira




O negro de alma negra: Uma entrevista com Oliveira Silveira

Entrevista inédita dada pelo poeta Oliveira Silveira a jornalista Fernanda Pompeu em junho de 2008

por Fernanda Pompeu *
oliveira_silveira
Junho de 2008. Eu estava na recepção de um hotel no centro de Porto Alegre. Faltavam três minutos para as 10 da manhã. Sentia uma pequena apreensão, comum toda vez que aguardo alguém para entrevistar. No caso, seria um trabalhinho rápido. Precisa apenas de uma ou duas declarações do entrevistado para ilustrar uma matéria. Como em geral, nós brasileiros, não primamos pela pontualidade, sentei-me e abri um exemplar da Zero Hora - o mais afamado jornal gaúcho. Antes de ler a segunda manchete, olhei para o relógio (10 horas) e, automaticamente, para a porta de entrada. Então, vi surgir um dos homens mais elegantes que já vi na vida. Muito magro, vestindo um sobretudo e apoiando-se em uma bengala. Sem nenhuma senha, trocamos um olhar e sorrimos. Eu perguntei: "Oliveira Silveira?" Ele estendeu a mão para que eu a apertasse.
Minutos depois nos acomodamos em um café na esquina do hotel. Liguei o gravador, peguei caderneta e caneta. No lugar de uma declaração, meu entrevistado me deu uma aula. Começou contando que seu nome inteiro era Oliveira Ferreira da Silveira, nascido na gaúcha Rosário do Sul (384km de Porto Alegre), no ano de 1941. Acrescentou que amava as palavras antes e depois de tudo. "Sou escritor, trabalho mais com poesia. Mas também escrevo prosa, na forma de ensaios e matérias jornalísticas. Enfim sou uma pessoa da literatura", sublinhou ao mesmo tempo que fez menção à minha caneta de tinta verde. Tive certeza do seu amor à escrita, pois apenas escritores reparam na cor da tinta das canetas. Oliveira Silveira, entre outros livros, publicou Poema sobre PalmaresBanzo Saudade NegraPelo EscuroRoteiro dos Tantãs, além da participação em várias antologias.
Da literatura, a conversa saltou para o drama dos Lanceiros Negros na revolta Farroupilha (1835-1845). Os lanceiros, depois de dez anos de lutas, foram dizimados em uma emboscada. Por quê? Para não serem alforriados, conforme o que havia sido combinado. "A história da contribuição dos negros ao nosso país recém-começou a ser contada, trata-se de um esforço para gerações inteiras". Oliveira continuou "no final dos anos 1960, senti curiosidade e necessidade de pesquisar o protagonismo de mulheres e homens negros no Rio Grande do Sul em particular e no Brasil em geral". Foi então que teve a ideia de reunir um grupo de interessados. Sem sede, o pequeno grupo, formado só por pessoas negras, passou a se encontrar na Rua da Praia - a mais querida rua da cidade (que na placa chama-se Rua dos Andradas). Diga-se de passagem, cantada nos versos e nas prosas dos autores gaúchos.
Oliveira seguiu: "nossas conversas giravam em torno da insatisfação com 13 de Maio, achávamos que a comemoração, além de chapa branca, homenageava uma princesa "portuguesa" e não o povo negro. Daí  percebi que era preciso encontrar uma data que fizesse justiça à luta continuada dos negros brasileiros". Foi o que fez. Atirou-se aos livros, mergulhou na importância do Quilombo dos Palmares. "É útil recordar que Palmares foi muito mais do que um quilombo, foi uma reunião de quilombos. Era tratado ora como república, ora como reino. Começou por volta de 1595 na Serra da Barriga, Alagoas. Resistiu por quase um século. Nos quilombos, viveram mulheres, homens, velhos e crianças que conseguiam escapar do terror escravista. Essa realidade desmente a bobagem de que os escravizados aceitavam sua submissão".
Durante a pesquisa, o jovem Oliveira Silveira topou com a data que precisava: 20 de novembro de 1695 - dia e ano da morte do líder Zumbi. "Do dia do nascimento dele ninguém tem registro". Zumbi é herói tão relevante para nossa história quanto o alferes Tiradentes. A primeira vez que soube da data foi num dos fascículo da série Grandes Personagens da História, da Editora Abril. Pesquisador cuidadoso, foi atrás da comprovação. "Confirmei no livroQuilombo dos Palmares de Edson Carneiro, publicado em 1947. Também o historiador português Ernesto Ennes mencionava o 20 de novembro em As guerras de Palmares, de 1938." Mais tarde, Oliveira Silveira conheceria e se tornaria amigo do historiador gaúcho Décio Freitas, autor do livro Palmares, la Guerrilla Negra, editado no Uruguai. Por empenho de Oliveira, esse trabalho viria a ser publicado, no Brasil, com o título Palmares, a Guerra dos Escravos.
Com o dia da morte de Zumbi confirmado, Oliveira Silveira partiu para a ação. Em 1971, em plenos anos de chumbo, fundou o Grupo Palmares. "Na formação inicial estavam: eu, Ilmo da Silva, Antônio Carlos Cortes, Vilmar Nunes, Anita Leocádia Prestes Abdad e Nara Helena Medeiros Soares. Mais adiante, entraram Helena Victória dos Santos Machado e Marisa de Souza da Silva, grandes intelectuais." Com o grupo estruturado, decolaram para a longa viagem de publicitação da data. "Nossa estratégia foi organizar debates em torno de personalidades negras. A primeira delas foi o escritor, jornalista e historiador Luís Gama (1830-1882), seguido do abolicionista José do Patrocínio (1853-1905)", ele recorda e acrecenta que poucas pessoas compareceram a essas discussões. A época não ajudava, estávamos no auge da repressão política. Também havia o estranhamento com um grupo de negros promovendo alta cultura.
20 de novembro de 1971, no Clube Náutico Marcílio Dias - um dos tantos clubes frequentados por negros em Porto Alegre -  foi realizada uma homenagem a Zumbi dos Palmares com inteção e inflexão de exaltação da negritude (palavra ainda não popularizada). "Compareceram umas vinte pessoas, mas todas da maior qualidade." Oliveira sorri ao recordar o que hoje é uma anedota saborosa. "Saiu na imprensa que Zumbi seria homenageado por negros do teatro. O pessoal da censura exigiu que mostrássemos a eles a programação. No final, o evento ocorreu com tranquilidade." O que a ditadura e a maior da população não imaginavam era que aquela reunião de gatos pingados negros e, entre eles, um ou dois brancos, seria a inuguração de uma data evocativa e de luta, nascidinha para fazer história. E que história! "Não o chamávamos ainda de Dia Nacional da Consciência Negra", continuou Oliveira. "O feliz nome seria dado, sete anos depois, numa assembleia do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCRD), pelo ativista Paulo Roberto dos Santos."
Nos anos que se seguiram, o desmanche do mito da democracia racial brasileira ganhou impulso. Mulheres e homens negros começaram a sair dos porões da história e assumir seus lugares nas salas de vistas. Populações de origem quilombola foram localizadas e valorizadas, organizações de mulheres negras levantaram a voz. Foram criados a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, do qual Oliveira Silveira foi integrante por notório saber. "Há muitas conquistas a serem celebradas pelo povo negro e brasileiro, por exemplo, as cotas. Mas um enorme trabalho precisa continuar sendo feito a favor da população negra, diz Oliveira.
Pedimos a conta à dona do café. Desligo o gravador, não por que o poeta, escritor e ativista tenha dito tudo o que queria, mas  por culpa do relógio marcando o meio-dia. Meu voo para São Paulo seria duas horas depois. No avião, burlando a monotonia das nuvens, vim pensando que havia vivido um grande pivilégio - desses que, às vezes, a vida presenteia. Oliveira Silveira tinha conversado comigo. Proseado detalhes que futuramente estarão na memória da história do Brasil. Em primeiro de janeiro de 2009, ouvi pelo rádio que o inventor do 20 de Novembro havia morrido. O que é uma meia verdade.
 
* Fernanda Pompeu é escritora e companheira de viagem do Geledés. Mantém o blog Capim Letrado:




Torneio Grupo Canela Preta




Diversão
Ter, 24 de Junho de 2014 14:57
Jogos do Grupo Canela Preta durante a Copa do Mundo de 2014
Paralelo aos jogos da Copa, o Grupo Canela Preta estará realizando encontro de confraternização das equipes de futebol amador na zonal sul da cidade, além de exposição, seminário e eventos culturais com muito samba
 
O coordenador da Liga Evandoir dos Santos - Nenê, considera que a atual proposta de reunir times de futebol amador colabora na fortificação da identidade étnica
Futebol - Motivado pelo clima da  Copa do Mundo de Futebol no Brasil e diante do grande número de casos de racismo que vêm acontecendo no futebol tanto brasileiro quanto  do exterior, o Grupo Canela Preta estará promovendo jogos durante o período da Copa. Será uma forma de divulgação da história ímpar de uma liga negra de futebol que existiu em Porto Alegre nos idos anos de 1910, composta por equipes de jogadores negros  que se organizaram para responder às constantes exclusões  em consequência do racismo sofridas pelos esportistas  da época. Ressaltar e contar ao mundo o feito de pessoas negras que, coletivamente, enfrentaram e  superaram  o preconceito no futebol é o principal objetivo do encontro, como destaca o contador e bancário Evandoir Carvalho dos Santos, coordenador e idealizador do Grupo da Canela Preta que reúne times de futebol amador de Porto Alegre. O encontro  ocorrerá durante o dia 28 de junho, na sede do Esporte Clube Banespa, na Avenida Juca Batista 902, na zona sul da capital. Haverá, ainda,  no dia 24, às 19h início da exposição de fotos, na Usina do Gasômetro e, nos dias 26 e 27 o seminário Racismo no Futebol: Em tempo de Copa, no Auditório Central dos Correios.
História do Grupo
Conforme Evandoir, a Liga reiniciou suas atividades em 2006, retomando a prática do futebol amador por times compostos por maioria de jogadores negros, com uma partida de futebol entre as equipes Amigos do Gloriense e Banda da Saldanha. O jogo aconteceu por sugestão de Ubirajara Carvalho, na época presidente do Gloriense, como parte das Atividades da Semana da Consciência Negra. Ganhou força e despertou o interesse e orgulho de outras equipes que se mobilizaram para participar do encontro. A ideia de relembrar a Liga Nacional de Futebol Porto Alegrense – que congregava times de futebol compostos por jogadores negros nas décadas 1910 é que deu origem ao grupo que, por sugestão do professor, poeta e escritor Oliveira Silveira, passou a se chamar Grupo da Canela Preta, ressalta.
Em 2007, com a presença de mais equipes, aconteceu o torneio vencido pelo Farinhada, clube da Zona Norte de Porto Alegre. A partir de 2008, por decisão do grupo, os jogos passaram a ter caráter festivo. Partidas de confraternização com troca de presentes, sem competição. O evento deste ano contará  com a participação de dez equipes: Amigos do Gloriense, Stafa, Sociedade Montenegrina, Sociedade Rui Barbosa, Farinhada, Mocidade do Menino Deus, Turma da Amizade, Manchester, Cecune e Correios. Contará, ainda,   com a presença do árbitro e comentarista de arbitragem Márcio Chagas, que deverá  apitar uma das partidas.
Por Marcelo Carvalho – Texto/Foto
 
Programação:
9h – Recepção das equipes
9h15 – Aberturas dos jogos com a benção de Mãe Norinha de Oxalá
9h30 – Início dos jogos
14h – Churrasco comunitário
15h – Atração musical com a Banda da Nena e convidados
18h30 – Encerramento

Tabela de jogos:
Amigos do Gloriense x Stafa
Sociedade Montenegrina x Sociedade Rui Barbosa
Farinhada x Mocidade do Menino Deus
Turma da Amizade x Manchester
Cecune x Correios
 

Racismo - um dos maiores problemas é o modo "recreativo" como é encarado

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/06/21/politica/1403380855_900715.html

No Brasil, temos a ideia de que os negros são inerentemente inferiores”

Para estudioso, um dos maiores problemas do racismo é o modo “recreativo” como é encarado

Adilson José Moreira, professor de Direito na Fundação Getúlio Vargas apresentou, no ano passado, sua tese no doutorado de Direito de Harvard Law School sobre a questão racial no Brasil. Sua conclusão acadêmica vai direto ao ponto. “O racismo é um sistema de dominação social e o seu objetivo sempre foi o mesmo: garantir a hegemonia do grupo racial dominante”, disse, durante entrevista concedida ao EL PAÍS. “No Brasil, nós desenvolvemos essa ideia de um racismo recreativo”, diz ele, ao falar sobre os casos de preconceito racial no futebol, por exemplo. Sua tese expõe um país dominado pela hegemonia branca, cheio de preconceitos e muito longe de uma real igualdade racial, embora haja esforços para mudar o quadro. “A percepção é de que o país tem progredido, em função de várias políticas que promoveram a distribuição de renda, como o Bolsa Família, mas essas políticas ainda não conseguiram promover a inclusão social da mulher negra”, explica. Para Moreira, a justiça racial está diretamente ligada à justiça de gênero. “Sem isso nós nunca vamos conseguir chegar à justiça racial”.
Pergunta. Você é a favor da implementação de cotas raciais no Brasil, que privilegiam o acesso de negros a universidades ou empregos públicos. Por quê?
Resposta. Eu sou favorável às ações afirmativas e, especificamente, às cotas raciais, por vários motivos. Nós vivemos em uma sociedade racialmente estratificada. A população dos afrodescendentes sofre todo tipo de discriminação e de exclusão social. As ações afirmativas nas universidades públicas não são a única forma de se promover a integração e a justiça racial, mas elas são um meio, reconhecido por tribunais brasileiros. Antes de 2002, menos de 2% dos alunos das universidades públicas eram pessoas negras. Após as cotas esse percentual aumentou significativamente, embora ainda seja menor do que 15%.
P. As cotas não são uma medida paliativa?
R. O racismo não é apenas um comportamento individual. É um sistema de dominação social e seu objetivo sempre foi o mesmo: garantir a hegemonia do grupo racial dominante. Por isso precisamos de políticas públicas. Precisamos de um processo de formação de professores que os torne capazes de tratar da questão racial dentro da sala de aula. Precisamos promover a educação cultural do povo brasileiro, no que diz respeito à história do Brasil, da África e da população negra no Brasil.
P. Essa mudança já começou a acontecer ou ainda estamos muito longe disso?
A luta contra o racismo é também contra o sexismo porque a mulher negra ganha até 75% a menos do que o homem branco
R. O que as pessoas que são contrárias às ações afirmativas e às cotas dizem? Que o que precisamos é criar escola pública de qualidade. Isso não é o suficiente, porque a estratificação racial não é produto apenas de uma questão de classe. As políticas sociais precisam tratar especificamente do problema da mulher negra, por exemplo, que é o grupo mais discriminado, vilipendiado que existe na nossa sociedade. A percepção é de que o país tem progredido, em função de várias políticas que promoveram a distribuição de renda, como o Bolsa Família, mas essas políticas não conseguiram promover a inclusão social da mulher negra. A luta contra o racismo é também contra o sexismo porque a mulher negra ganha até 75% a menos do que o homem branco.
P. Qual é o papel do ministro Joaquim Barbosa nesse contexto de democracia racial?
R. Quando você vê um número cada vez maior de pessoas negras ocupando papeis de destaque, desperta nos jovens negros a ideia de que eles também terão a capacidade de chegar a algum lugar. Um outro elemento importante é o papel do Supremo na discussão sobre a questão racial no Brasil. Nós tivemos durante cerca de 50, 60 anos, um discurso oficial baseado na ideia de que o Brasil é um país que conseguiu transcender a questão racial. A decisão do STF [de apoio] sobre as ações afirmativas teve uma importância muito grande porque é a primeira vez que a corte máxima rejeita essa imagem falsificada sobre a realidade do país.
P. E o que falta acontecer no Brasil?
R. Faltam muitas coisas (risos). Precisamos ter debate público sobre a desigualdade geral no Brasil. E isso já começou desde a década de 90, quando os movimentos sociais começaram a pressionar o Governo e a ir aos tribunais, solicitando proteção jurídica. A implementação de leis de inclusão e os programas de ações afirmativas são produto dessa articulação dos movimentos sociais. Hoje, após dez anos dessas políticas, já temos um número significativo de homens e mulheres negras inseridos no mercado de trabalho. Da mesma forma que é importante que nós tenhamos mulheres participando da tomada de decisões que afetam as mulheres, precisamos de negros tomando decisões que afetam a população negra.
P. E por que há tantos casos de racismo no futebol?
R. No Brasil nós temos a ideia de que as pessoas negras são inerentemente inferiores, então elas podem ter o acesso ao mesmo espaço que as pessoas brancas mas sempre em uma condição subordinada. Desenvolvemos essa ideia de um racismo recreativo, então as pessoas não veem o racismo ou o sexismo ou a homofobia como uma ofensa, como um atentado à dignidade das pessoas, elas acham que é realmente algo engraçado, que eu posso chegar para qualquer pessoa e chamá-la de macaco, de bicha ou de veado e que isso não representa nenhum animus de violência. A ideia é de que você pode ir ao campo de futebol, jogar uma banana ou chamar alguém de preto, macaco, veado e que está tudo bem.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

MNU - 36 anos - 18 de junho 1978/2014


 http://www.nacaoz.com.br/component/content/article/9-diversao/784-processo-de-adesao-os-36-anos-do-movimento-negro-unificado-mnu

 Processo de adesão: os 36 anos do Movimento Negro Unificado - MNU
Militante da luta racial em Porto Alegre nos anos 70, Helena Vitória analisa a trajetória do Movimento Negro Unificado - MNU organização que neste 18 de junho completa 36 anos

IV Congresso do MNU – Encerramento. Oliveira Silveira falando pelo MNU do Rio Grande do Sul. Taboão da Serra. São Paulo, 3 a 5 de junho de 1983. (Foto: Ireno Jardim/Acervo Oliveira Silveira)
História - Vamos situar, primeiramente, a expressão Movimento Negro. Compartilho com a definição de Joel Rufino dos Santos: “- (...) todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo, aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e cultural do negro, fundadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades religiosas como terreiros de candomblé, por exemplo, assistenciais como as confrarias coloniais, recreativas como 'clubes de negros', artísticas como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia, culturais como os diversos “centros de pesquisa” e políticas como o Movimento Negro Unificado e ações de mobilização política, de protesto antidiscriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro”
Eu agregaria ainda as ações das irmandades negras, dos terreiros de batuque, e das escolas de samba, mesmo que em alguma delas, por vezes, ocorra preponderância do aspecto cultural. O entendimento é de que a expressão Movimento Negro abarque as manifestações de protesto ou afirmação negra, ocorridas desde os porões dos navios negreiros. O Unificado, possivelmente, foi o primeiro a marcar seu nome com a referida expressão.
Meu ingresso no Grupo Palmares, fundado em Porto Alegre em 20 de julho de 1971, foi o início da construção de um quebra-cabeça interior que permanece comigo até hoje: ativismo na questão negra no Brasil. Entrei no Grupo em novembro de 1971 e a data 20 de novembro estava sendo lembrada pela primeira vez, como o 'Dia da Consciência Negra', no Clube Náutico Marcílio Dias, de saudosa memória. Iniciei minha participação na ocasião dessa primeira atividade pública do Palmares, vindo a conhecer, então, as propostas centrais que eram de revisão de aspectos da história do negro no Brasil e a necessidade de se discutir e divulgar fatos trazidos à tona pela nova historiografia.
A caracterização do Grupo Palmares, pelos próprios integrantes, como um grupo de discussões estabelecia um limite para a ação militante, não ensejando o desenvolvimento de atividades sociopolíticas mais engajadas, tais como contestações coletivas de protesto, críticas ao caráter racista do sistema etc. A proximidade do Grupo Palmares com populações de outras inserções sociais, através de exposições, palestras e encontros, cumpria um papel informativo e poderia influir na afirmação da identidade negra. Mas ficava em aberto a contextualização conjuntural, ferramenta para despertar a consciência da questão negra no Brasil como questão estrutural.
Outro aspecto polêmico era o culto a heróis, como o dirigente Zumbi. Nosso entendimento pessoal era de que a criação de heróis é uma característica do sistema, que é quem precisa de heróis. O trabalho desses líderes tem um enorme suporte coletivo que quase nunca aparece - na divulgação histórica dos valores humanos da República de Palmares o protagonismo de milhares de quilombolas tem que ser resgatado. À época, em vários estados do país o 20 de novembro recebia significativas programações. Por vezes Palmares ou mesmo Zumbi eram utilizados de maneira oportunista, chegando a levar ao esvaziamento do real significado da única tentativa, no Brasil colônia, de ser estabelecida uma sociedade democrática. Em resumo, o Grupo Palmares, de sólido ideário, com erudição e competência no quadro de seus integrantes, não se propunha a ser identificado como movimento político de mobilização negra evidenciando, na maior parte do tempo, uma face fundamentalmente cultural.
Permaneci no Palmares até 1978, ano em que iniciei colaboração na imprensa negra através da comissão de redação do jornal Tição de Porto Alegre. O fato de o 20 de novembro se constituir hoje em feriado em diversas capitais do país é um exemplo evidente do trabalho de luta por espaço na  memória nacional brasileira, decorrência das proposições do Grupo Palmares e do Movimento Negro Unificado, não necessariamente desenvolvido por ativistas vinculados a eles.
No final da década de 1970, a crise econômica que se abate sobre o mundo começa a apresentar seus reflexos sobre o Brasil, que já vivia num tempo sombrio de ditadura: O decantado “Milagre Brasileiro” não aconteceu - o capitalismo brasileiro, com dificuldades de avançar o seu /projeto de expansão (desenvolvimento econômico), a inflação devorando o poder aquisitivo dos trabalhadores, os empregos desaparecendo, grandes movimentos sociais, manifestações em praças públicas, violência policial, as greves etc. Esse aumento das mobilizações teve como resultado o desenvolvimento da consciência da população oprimida.
Criação do MNU
E o MNU aparece nesse bojo, trazendo propostas às minhas indagações. Criado em 07 de julho de 78 (há 36 anos), em ato público com cerca de duas mil pessoas, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, se propunha a “...ser uma organização de lutas e denúncias em todos os campos onde haja opressão e perseguição do negro, ou seja, um órgão de forte representatividade da população negra em sua luta pela liberdade...”. O MNU ainda nesse ano, em sua segunda Assembleia Nacional, em Salvador, proclamava o 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

O ato público foi realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, reunindo cerca de 2 mil pessoa. Milton Barbosa realiza a leitura de Carta Aberta a População em ato público em repúdio à discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guainases. (Foto: Divulgação)
No Grupo Palmares minha participação foi, basicamente, de inauguração de militância e de reflexões pessoais. Quando surgiu o MNU, quando li a Carta de Princípios e o Programa de Ação, compreendi que ali estava boa parte da base conceitual e propositiva para minha atuação. A linha programática abrangia desde a luta contra o desemprego, pelo saneamento básico, pela criação de escolas autônomas nas comunidades, pela criação de teatros na periferia, pela defesa de posses de terras ou doações, até a organização do trabalhador rural, a liberdade sindical e o apoio à luta internacional contra o racismo, entre dezenas de outros itens não menos importantes nem menos urgentes. Na verdade, o MNU apresentava um perfil inédito na resistência negra brasileira, mercê o caráter sociopolítico evidenciadamente sindical de suas proposições. Comecei a participar dos congressos nacionais trazendo informações para as matérias do jornal Tição, canal que nos fez colocar o Movimento Negro Unificado na roda em Porto Alegre.
Eu estava saindo do Palmares, mas o jornal Tição também tinha conquistado outros integrantes do Grupo - as coisas meio que se imbricavam.  Passamos a incentivar a criação de outros núcleos do MNU abrangendo a Região Metropolitana de Porto Alegre, utilizando oficinas e debates e abrimos articulação com outros movimentos sociais como o dos colonos de Ronda Alta em 1981. Em março desse mesmo ano foi lançado o 'Manifesto de Adesão do RS ao Movimento Negro Unificado'. Integrei a Comissão Executiva Nacional até o final da década.
Com as proposições e basicamente as ações políticas do Movimento Negro Unificado houve uma modificação na forma de enfrentar o racismo e a discriminação racial no país. O Movimento propiciou uma mudança na luta das organizações negras, direcionando o produto das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaboração de panfletos e jornais, realização de atos públicos e criação de núcleos organizados em associações recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades públicas e privadas.
Com esse diferencial, o MNU foi, na década de oitenta, a organização que realizou as maiores e mais importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não recebesse apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas – ONU. No início dessa década o MNU – SP garantiu também, pela primeira vez a fala oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina - OLP. No final da década de 80, no VIII Encontro de Negros do Norte - Nordeste, foram definidas questões que balizaram a atual lei 10.639/03, que dispõe sobre o ensino da História da África e do Negro no Brasil. A constituição do MNU como foro privilegiado de debates sobre a discriminação racial refletiu-se na atitude do Estado em relação ao tema, culminando com a criação em 1984 do primeiro órgão público voltado para o apoio dos movimentos sociais afro-brasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no governo da cidade de São Paulo, que incentivou iniciativas semelhantes em outros estados. Partiu também do Movimento Negro Unificado a proposição de indicar um representante dos negros para a chamada Comissão Afonso Arinos, que criminalizou a discriminação racial na Constituição Brasileira de 1988.
Em síntese, no árduo e longo processo de superação do racismo no Brasil, o MNU esteve presente nas manifestações contra o regime de apartheid da África do Sul, pela derrubada da ditadura e por eleições livres no Brasil, no “Fora Collor”, na Construção da CUT, na Constituinte, emplacando bandeiras pelo reconhecimento das terras quilombolas, e pela inclusão da história do negro nos currículos escolares.  Foi perseguido pela repressão e por governos ditos “democráticos”, com detenção e com demissões de militantes sindicais.  O MNU continua sendo tema de artigos, teses e livros.
Organização
Enquanto no centro do país, na esfera política, a principal questão colocada pelo Movimento Negro Unificado era o enfrentamento de pressupostos basilares da ideologia e da ditadura militar, principalmente os de cultura e integração nacional e de questões internacionais sobre o racismo, aqui no sul a militância interagia em seu próprio entorno. Além do mais, em muitos momentos o Movimento demonstrava fragilidades em relação à sua unidade. Sendo uma organização federativa, o Unificado necessitava difundir aos núcleos estaduais instruções normativas no entendimento de que, para se ter uma sólida formação na militância, era preciso conhecer o que era o movimento, como surgiu, quais eram seus objetivos e como se organizava. Os filiados, em todo o país, deveriam assumir os documentos básicos da organização, aprovados nas assembleias nacionais: Estatuto, Programa de Ação, Carta de Princípios e Regimento Interno, cumprindo orientação advinda de decisão coletiva. No entanto as práticas e as alternativas de organização dos grupos do sul não se encaixavam no dossiê de normativas nacionais.
A história de formação e a realidade concreta por eles vivida não lograva espaço para se expressar nos encontros nacionais e, por vezes, nem havia condições objetivas de se fazerem representar nessas assembleias. Defendíamos em contrapartida à cópia do caminho oficialista e à rigidez do método organizativo, uma estrutura negra que pudesse ser reconhecida enquanto tal, baseada em nossas lutas cotidianas locais e sensível a um aprendizado com as diferentes formas de resistência que nossos antepassados sempre souberam criar com sabedoria, surgidas de baixo para cima, se concretizando horizontalmente com trocas, reavaliações, retomada de erros e opiniões.
Todavia, os grupos, ao invés de construírem um movimento de oposição à ideologia dominante, criando assim suas bases político-culturais de combate não apenas ao racismo, mas também ao capitalismo, assumiam, quase sempre, a forma da polarização-oposição. Desse modo a extrema preocupação com normativas deixava abertura para manipulações pelo sistema vigente e suas instituições tais como os partidos políticos.
É importante observar que, a partir de 1979, tomou proporção a expectativa de obtenção de poder, pelos negros, no cenário político brasileiro, a partir dos partidos. O movimento negro organizado vislumbrava a chance real de conquista de poder, já que o negro constituiu a base social onde ocorreu a formação inicial de alguns partidos. Aqui no sul, alianças, negociações e regulamentações passaram a fazer parte desse jogo de acesso ao poder disponibilizado pelos partidos para os negros, sem que tenha ocorrido a necessária averiguação de até que ponto o discurso de partidos originários das bases sociais é realizado na prática, quando o tema é a democratização de poder incluindo negros. Isso veio a impedir o desenvolvimento harmônico e consensual do trabalho, reforçou atitudes individualistas, ascensionistas e competitivas, dividindo os núcleos do MNU.
A complexidade da tarefa do Movimento Negro Unificado continua extrapolando a dimensão que imaginamos, em razão de que sua luta é externa, contra um sistema baseado em desigualdades sociais e étnicas, mas também é interna, buscando estabelecer uma unidade independente, solidária e coesa frente à sociedade brasileira.
Por Helena Vitória dos Santos Machado, arquiteta especialista lato sensu em 'Sociedade, Cultura e Política na América Latina'



IV Congresso do MNU – Encerramento. Oliveira Silveira falando pelo MNU do Rio Grande do Sul. Taboão da Serra. São Paulo, 3 a 5 de junho de 1983. (Foto: Ireno Jardim/Acervo Oliveira Silveira)
História - Vamos situar, primeiramente, a expressão Movimento Negro. Compartilho com a definição de Joel Rufino dos Santos: “- (...) todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo, aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e cultural do negro, fundadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades religiosas como terreiros de candomblé, por exemplo, assistenciais como as confrarias coloniais, recreativas como 'clubes de negros', artísticas como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia, culturais como os diversos “centros de pesquisa” e políticas como o Movimento Negro Unificado e ações de mobilização política, de protesto antidiscriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro”
Eu agregaria ainda as ações das irmandades negras, dos terreiros de batuque, e das escolas de samba, mesmo que em alguma delas, por vezes, ocorra preponderância do aspecto cultural. O entendimento é de que a expressão Movimento Negro abarque as manifestações de protesto ou afirmação negra, ocorridas desde os porões dos navios negreiros. O Unificado, possivelmente, foi o primeiro a marcar seu nome com a referida expressão.
Meu ingresso no Grupo Palmares, fundado em Porto Alegre em 20 de julho de 1971, foi o início da construção de um quebra-cabeça interior que permanece comigo até hoje: ativismo na questão negra no Brasil. Entrei no Grupo em novembro de 1971 e a data 20 de novembro estava sendo lembrada pela primeira vez, como o 'Dia da Consciência Negra', no Clube Náutico Marcílio Dias, de saudosa memória. Iniciei minha participação na ocasião dessa primeira atividade pública do Palmares, vindo a conhecer, então, as propostas centrais que eram de revisão de aspectos da história do negro no Brasil e a necessidade de se discutir e divulgar fatos trazidos à tona pela nova historiografia.
A caracterização do Grupo Palmares, pelos próprios integrantes, como um grupo de discussões estabelecia um limite para a ação militante, não ensejando o desenvolvimento de atividades sociopolíticas mais engajadas, tais como contestações coletivas de protesto, críticas ao caráter racista do sistema etc. A proximidade do Grupo Palmares com populações de outras inserções sociais, através de exposições, palestras e encontros, cumpria um papel informativo e poderia influir na afirmação da identidade negra. Mas ficava em aberto a contextualização conjuntural, ferramenta para despertar a consciência da questão negra no Brasil como questão estrutural.
Outro aspecto polêmico era o culto a heróis, como o dirigente Zumbi. Nosso entendimento pessoal era de que a criação de heróis é uma característica do sistema, que é quem precisa de heróis. O trabalho desses líderes tem um enorme suporte coletivo que quase nunca aparece - na divulgação histórica dos valores humanos da República de Palmares o protagonismo de milhares de quilombolas tem que ser resgatado. À época, em vários estados do país o 20 de novembro recebia significativas programações. Por vezes Palmares ou mesmo Zumbi eram utilizados de maneira oportunista, chegando a levar ao esvaziamento do real significado da única tentativa, no Brasil colônia, de ser estabelecida uma sociedade democrática. Em resumo, o Grupo Palmares, de sólido ideário, com erudição e competência no quadro de seus integrantes, não se propunha a ser identificado como movimento político de mobilização negra evidenciando, na maior parte do tempo, uma face fundamentalmente cultural.
Permaneci no Palmares até 1978, ano em que iniciei colaboração na imprensa negra através da comissão de redação do jornal Tição de Porto Alegre. O fato de o 20 de novembro se constituir hoje em feriado em diversas capitais do país é um exemplo evidente do trabalho de luta por espaço na  memória nacional brasileira, decorrência das proposições do Grupo Palmares e do Movimento Negro Unificado, não necessariamente desenvolvido por ativistas vinculados a eles.
No final da década de 1970, a crise econômica que se abate sobre o mundo começa a apresentar seus reflexos sobre o Brasil, que já vivia num tempo sombrio de ditadura: O decantado “Milagre Brasileiro” não aconteceu - o capitalismo brasileiro, com dificuldades de avançar o seu /projeto de expansão (desenvolvimento econômico), a inflação devorando o poder aquisitivo dos trabalhadores, os empregos desaparecendo, grandes movimentos sociais, manifestações em praças públicas, violência policial, as greves etc. Esse aumento das mobilizações teve como resultado o desenvolvimento da consciência da população oprimida.
Criação do MNU
E o MNU aparece nesse bojo, trazendo propostas às minhas indagações. Criado em 07 de julho de 78 (há 36 anos), em ato público com cerca de duas mil pessoas, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, se propunha a “...ser uma organização de lutas e denúncias em todos os campos onde haja opressão e perseguição do negro, ou seja, um órgão de forte representatividade da população negra em sua luta pela liberdade...”. O MNU ainda nesse ano, em sua segunda Assembleia Nacional, em Salvador, proclamava o 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

O ato público foi realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, reunindo cerca de 2 mil pessoa. Milton Barbosa realiza a leitura de Carta Aberta a População em ato público em repúdio à discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guainases. (Foto: Divulgação)
No Grupo Palmares minha participação foi, basicamente, de inauguração de militância e de reflexões pessoais. Quando surgiu o MNU, quando li a Carta de Princípios e o Programa de Ação, compreendi que ali estava boa parte da base conceitual e propositiva para minha atuação. A linha programática abrangia desde a luta contra o desemprego, pelo saneamento básico, pela criação de escolas autônomas nas comunidades, pela criação de teatros na periferia, pela defesa de posses de terras ou doações, até a organização do trabalhador rural, a liberdade sindical e o apoio à luta internacional contra o racismo, entre dezenas de outros itens não menos importantes nem menos urgentes. Na verdade, o MNU apresentava um perfil inédito na resistência negra brasileira, mercê o caráter sociopolítico evidenciadamente sindical de suas proposições. Comecei a participar dos congressos nacionais trazendo informações para as matérias do jornal Tição, canal que nos fez colocar o Movimento Negro Unificado na roda em Porto Alegre.
Eu estava saindo do Palmares, mas o jornal Tição também tinha conquistado outros integrantes do Grupo - as coisas meio que se imbricavam.  Passamos a incentivar a criação de outros núcleos do MNU abrangendo a Região Metropolitana de Porto Alegre, utilizando oficinas e debates e abrimos articulação com outros movimentos sociais como o dos colonos de Ronda Alta em 1981. Em março desse mesmo ano foi lançado o 'Manifesto de Adesão do RS ao Movimento Negro Unificado'. Integrei a Comissão Executiva Nacional até o final da década.
Com as proposições e basicamente as ações políticas do Movimento Negro Unificado houve uma modificação na forma de enfrentar o racismo e a discriminação racial no país. O Movimento propiciou uma mudança na luta das organizações negras, direcionando o produto das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaboração de panfletos e jornais, realização de atos públicos e criação de núcleos organizados em associações recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades públicas e privadas.
Com esse diferencial, o MNU foi, na década de oitenta, a organização que realizou as maiores e mais importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não recebesse apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas – ONU. No início dessa década o MNU – SP garantiu também, pela primeira vez a fala oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina - OLP. No final da década de 80, no VIII Encontro de Negros do Norte - Nordeste, foram definidas questões que balizaram a atual lei 10.639/03, que dispõe sobre o ensino da História da África e do Negro no Brasil. A constituição do MNU como foro privilegiado de debates sobre a discriminação racial refletiu-se na atitude do Estado em relação ao tema, culminando com a criação em 1984 do primeiro órgão público voltado para o apoio dos movimentos sociais afro-brasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no governo da cidade de São Paulo, que incentivou iniciativas semelhantes em outros estados. Partiu também do Movimento Negro Unificado a proposição de indicar um representante dos negros para a chamada Comissão Afonso Arinos, que criminalizou a discriminação racial na Constituição Brasileira de 1988.
Em síntese, no árduo e longo processo de superação do racismo no Brasil, o MNU esteve presente nas manifestações contra o regime de apartheid da África do Sul, pela derrubada da ditadura e por eleições livres no Brasil, no “Fora Collor”, na Construção da CUT, na Constituinte, emplacando bandeiras pelo reconhecimento das terras quilombolas, e pela inclusão da história do negro nos currículos escolares.  Foi perseguido pela repressão e por governos ditos “democráticos”, com detenção e com demissões de militantes sindicais.  O MNU continua sendo tema de artigos, teses e livros.
Organização
Enquanto no centro do país, na esfera política, a principal questão colocada pelo Movimento Negro Unificado era o enfrentamento de pressupostos basilares da ideologia e da ditadura militar, principalmente os de cultura e integração nacional e de questões internacionais sobre o racismo, aqui no sul a militância interagia em seu próprio entorno. Além do mais, em muitos momentos o Movimento demonstrava fragilidades em relação à sua unidade. Sendo uma organização federativa, o Unificado necessitava difundir aos núcleos estaduais instruções normativas no entendimento de que, para se ter uma sólida formação na militância, era preciso conhecer o que era o movimento, como surgiu, quais eram seus objetivos e como se organizava. Os filiados, em todo o país, deveriam assumir os documentos básicos da organização, aprovados nas assembleias nacionais: Estatuto, Programa de Ação, Carta de Princípios e Regimento Interno, cumprindo orientação advinda de decisão coletiva. No entanto as práticas e as alternativas de organização dos grupos do sul não se encaixavam no dossiê de normativas nacionais.
A história de formação e a realidade concreta por eles vivida não lograva espaço para se expressar nos encontros nacionais e, por vezes, nem havia condições objetivas de se fazerem representar nessas assembleias. Defendíamos em contrapartida à cópia do caminho oficialista e à rigidez do método organizativo, uma estrutura negra que pudesse ser reconhecida enquanto tal, baseada em nossas lutas cotidianas locais e sensível a um aprendizado com as diferentes formas de resistência que nossos antepassados sempre souberam criar com sabedoria, surgidas de baixo para cima, se concretizando horizontalmente com trocas, reavaliações, retomada de erros e opiniões.
Todavia, os grupos, ao invés de construírem um movimento de oposição à ideologia dominante, criando assim suas bases político-culturais de combate não apenas ao racismo, mas também ao capitalismo, assumiam, quase sempre, a forma da polarização-oposição. Desse modo a extrema preocupação com normativas deixava abertura para manipulações pelo sistema vigente e suas instituições tais como os partidos políticos.
É importante observar que, a partir de 1979, tomou proporção a expectativa de obtenção de poder, pelos negros, no cenário político brasileiro, a partir dos partidos. O movimento negro organizado vislumbrava a chance real de conquista de poder, já que o negro constituiu a base social onde ocorreu a formação inicial de alguns partidos. Aqui no sul, alianças, negociações e regulamentações passaram a fazer parte desse jogo de acesso ao poder disponibilizado pelos partidos para os negros, sem que tenha ocorrido a necessária averiguação de até que ponto o discurso de partidos originários das bases sociais é realizado na prática, quando o tema é a democratização de poder incluindo negros. Isso veio a impedir o desenvolvimento harmônico e consensual do trabalho, reforçou atitudes individualistas, ascensionistas e competitivas, dividindo os núcleos do MNU.
A complexidade da tarefa do Movimento Negro Unificado continua extrapolando a dimensão que imaginamos, em razão de que sua luta é externa, contra um sistema baseado em desigualdades sociais e étnicas, mas também é interna, buscando estabelecer uma unidade independente, solidária e coesa frente à sociedade brasileira.
Por Helena Vitória dos Santos Machado, arquiteta especialista lato sensu em 'Sociedade, Cultura e Política na América Latina'










Processo de adesão: os 36 anos do Movimento Negro Unificado - MNU
Militante da luta racial em Porto Alegre nos anos 70, Helena Vitória analisa a trajetória do Movimento Negro Unificado - MNU organização que neste 18 de junho completa 36 anos

IV Congresso do MNU – Encerramento. Oliveira Silveira falando pelo MNU do Rio Grande do Sul. Taboão da Serra. São Paulo, 3 a 5 de junho de 1983. (Foto: Ireno Jardim/Acervo Oliveira Silveira)
História - Vamos situar, primeiramente, a expressão Movimento Negro. Compartilho com a definição de Joel Rufino dos Santos: “- (...) todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo, aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e cultural do negro, fundadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades religiosas como terreiros de candomblé, por exemplo, assistenciais como as confrarias coloniais, recreativas como 'clubes de negros', artísticas como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia, culturais como os diversos “centros de pesquisa” e políticas como o Movimento Negro Unificado e ações de mobilização política, de protesto antidiscriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro”
Eu agregaria ainda as ações das irmandades negras, dos terreiros de batuque, e das escolas de samba, mesmo que em alguma delas, por vezes, ocorra preponderância do aspecto cultural. O entendimento é de que a expressão Movimento Negro abarque as manifestações de protesto ou afirmação negra, ocorridas desde os porões dos navios negreiros. O Unificado, possivelmente, foi o primeiro a marcar seu nome com a referida expressão.
Meu ingresso no Grupo Palmares, fundado em Porto Alegre em 20 de julho de 1971, foi o início da construção de um quebra-cabeça interior que permanece comigo até hoje: ativismo na questão negra no Brasil. Entrei no Grupo em novembro de 1971 e a data 20 de novembro estava sendo lembrada pela primeira vez, como o 'Dia da Consciência Negra', no Clube Náutico Marcílio Dias, de saudosa memória. Iniciei minha participação na ocasião dessa primeira atividade pública do Palmares, vindo a conhecer, então, as propostas centrais que eram de revisão de aspectos da história do negro no Brasil e a necessidade de se discutir e divulgar fatos trazidos à tona pela nova historiografia.
A caracterização do Grupo Palmares, pelos próprios integrantes, como um grupo de discussões estabelecia um limite para a ação militante, não ensejando o desenvolvimento de atividades sociopolíticas mais engajadas, tais como contestações coletivas de protesto, críticas ao caráter racista do sistema etc. A proximidade do Grupo Palmares com populações de outras inserções sociais, através de exposições, palestras e encontros, cumpria um papel informativo e poderia influir na afirmação da identidade negra. Mas ficava em aberto a contextualização conjuntural, ferramenta para despertar a consciência da questão negra no Brasil como questão estrutural.
Outro aspecto polêmico era o culto a heróis, como o dirigente Zumbi. Nosso entendimento pessoal era de que a criação de heróis é uma característica do sistema, que é quem precisa de heróis. O trabalho desses líderes tem um enorme suporte coletivo que quase nunca aparece - na divulgação histórica dos valores humanos da República de Palmares o protagonismo de milhares de quilombolas tem que ser resgatado. À época, em vários estados do país o 20 de novembro recebia significativas programações. Por vezes Palmares ou mesmo Zumbi eram utilizados de maneira oportunista, chegando a levar ao esvaziamento do real significado da única tentativa, no Brasil colônia, de ser estabelecida uma sociedade democrática. Em resumo, o Grupo Palmares, de sólido ideário, com erudição e competência no quadro de seus integrantes, não se propunha a ser identificado como movimento político de mobilização negra evidenciando, na maior parte do tempo, uma face fundamentalmente cultural.
Permaneci no Palmares até 1978, ano em que iniciei colaboração na imprensa negra através da comissão de redação do jornal Tição de Porto Alegre. O fato de o 20 de novembro se constituir hoje em feriado em diversas capitais do país é um exemplo evidente do trabalho de luta por espaço na  memória nacional brasileira, decorrência das proposições do Grupo Palmares e do Movimento Negro Unificado, não necessariamente desenvolvido por ativistas vinculados a eles.
No final da década de 1970, a crise econômica que se abate sobre o mundo começa a apresentar seus reflexos sobre o Brasil, que já vivia num tempo sombrio de ditadura: O decantado “Milagre Brasileiro” não aconteceu - o capitalismo brasileiro, com dificuldades de avançar o seu /projeto de expansão (desenvolvimento econômico), a inflação devorando o poder aquisitivo dos trabalhadores, os empregos desaparecendo, grandes movimentos sociais, manifestações em praças públicas, violência policial, as greves etc. Esse aumento das mobilizações teve como resultado o desenvolvimento da consciência da população oprimida.
Criação do MNU
E o MNU aparece nesse bojo, trazendo propostas às minhas indagações. Criado em 07 de julho de 78 (há 36 anos), em ato público com cerca de duas mil pessoas, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, se propunha a “...ser uma organização de lutas e denúncias em todos os campos onde haja opressão e perseguição do negro, ou seja, um órgão de forte representatividade da população negra em sua luta pela liberdade...”. O MNU ainda nesse ano, em sua segunda Assembleia Nacional, em Salvador, proclamava o 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

O ato público foi realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, reunindo cerca de 2 mil pessoa. Milton Barbosa realiza a leitura de Carta Aberta a População em ato público em repúdio à discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guainases. (Foto: Divulgação)
No Grupo Palmares minha participação foi, basicamente, de inauguração de militância e de reflexões pessoais. Quando surgiu o MNU, quando li a Carta de Princípios e o Programa de Ação, compreendi que ali estava boa parte da base conceitual e propositiva para minha atuação. A linha programática abrangia desde a luta contra o desemprego, pelo saneamento básico, pela criação de escolas autônomas nas comunidades, pela criação de teatros na periferia, pela defesa de posses de terras ou doações, até a organização do trabalhador rural, a liberdade sindical e o apoio à luta internacional contra o racismo, entre dezenas de outros itens não menos importantes nem menos urgentes. Na verdade, o MNU apresentava um perfil inédito na resistência negra brasileira, mercê o caráter sociopolítico evidenciadamente sindical de suas proposições. Comecei a participar dos congressos nacionais trazendo informações para as matérias do jornal Tição, canal que nos fez colocar o Movimento Negro Unificado na roda em Porto Alegre.
Eu estava saindo do Palmares, mas o jornal Tição também tinha conquistado outros integrantes do Grupo - as coisas meio que se imbricavam.  Passamos a incentivar a criação de outros núcleos do MNU abrangendo a Região Metropolitana de Porto Alegre, utilizando oficinas e debates e abrimos articulação com outros movimentos sociais como o dos colonos de Ronda Alta em 1981. Em março desse mesmo ano foi lançado o 'Manifesto de Adesão do RS ao Movimento Negro Unificado'. Integrei a Comissão Executiva Nacional até o final da década.
Com as proposições e basicamente as ações políticas do Movimento Negro Unificado houve uma modificação na forma de enfrentar o racismo e a discriminação racial no país. O Movimento propiciou uma mudança na luta das organizações negras, direcionando o produto das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaboração de panfletos e jornais, realização de atos públicos e criação de núcleos organizados em associações recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades públicas e privadas.
Com esse diferencial, o MNU foi, na década de oitenta, a organização que realizou as maiores e mais importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não recebesse apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas – ONU. No início dessa década o MNU – SP garantiu também, pela primeira vez a fala oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina - OLP. No final da década de 80, no VIII Encontro de Negros do Norte - Nordeste, foram definidas questões que balizaram a atual lei 10.639/03, que dispõe sobre o ensino da História da África e do Negro no Brasil. A constituição do MNU como foro privilegiado de debates sobre a discriminação racial refletiu-se na atitude do Estado em relação ao tema, culminando com a criação em 1984 do primeiro órgão público voltado para o apoio dos movimentos sociais afro-brasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no governo da cidade de São Paulo, que incentivou iniciativas semelhantes em outros estados. Partiu também do Movimento Negro Unificado a proposição de indicar um representante dos negros para a chamada Comissão Afonso Arinos, que criminalizou a discriminação racial na Constituição Brasileira de 1988.
Em síntese, no árduo e longo processo de superação do racismo no Brasil, o MNU esteve presente nas manifestações contra o regime de apartheid da África do Sul, pela derrubada da ditadura e por eleições livres no Brasil, no “Fora Collor”, na Construção da CUT, na Constituinte, emplacando bandeiras pelo reconhecimento das terras quilombolas, e pela inclusão da história do negro nos currículos escolares.  Foi perseguido pela repressão e por governos ditos “democráticos”, com detenção e com demissões de militantes sindicais.  O MNU continua sendo tema de artigos, teses e livros.
Organização
Enquanto no centro do país, na esfera política, a principal questão colocada pelo Movimento Negro Unificado era o enfrentamento de pressupostos basilares da ideologia e da ditadura militar, principalmente os de cultura e integração nacional e de questões internacionais sobre o racismo, aqui no sul a militância interagia em seu próprio entorno. Além do mais, em muitos momentos o Movimento demonstrava fragilidades em relação à sua unidade. Sendo uma organização federativa, o Unificado necessitava difundir aos núcleos estaduais instruções normativas no entendimento de que, para se ter uma sólida formação na militância, era preciso conhecer o que era o movimento, como surgiu, quais eram seus objetivos e como se organizava. Os filiados, em todo o país, deveriam assumir os documentos básicos da organização, aprovados nas assembleias nacionais: Estatuto, Programa de Ação, Carta de Princípios e Regimento Interno, cumprindo orientação advinda de decisão coletiva. No entanto as práticas e as alternativas de organização dos grupos do sul não se encaixavam no dossiê de normativas nacionais.
A história de formação e a realidade concreta por eles vivida não lograva espaço para se expressar nos encontros nacionais e, por vezes, nem havia condições objetivas de se fazerem representar nessas assembleias. Defendíamos em contrapartida à cópia do caminho oficialista e à rigidez do método organizativo, uma estrutura negra que pudesse ser reconhecida enquanto tal, baseada em nossas lutas cotidianas locais e sensível a um aprendizado com as diferentes formas de resistência que nossos antepassados sempre souberam criar com sabedoria, surgidas de baixo para cima, se concretizando horizontalmente com trocas, reavaliações, retomada de erros e opiniões.
Todavia, os grupos, ao invés de construírem um movimento de oposição à ideologia dominante, criando assim suas bases político-culturais de combate não apenas ao racismo, mas também ao capitalismo, assumiam, quase sempre, a forma da polarização-oposição. Desse modo a extrema preocupação com normativas deixava abertura para manipulações pelo sistema vigente e suas instituições tais como os partidos políticos.
É importante observar que, a partir de 1979, tomou proporção a expectativa de obtenção de poder, pelos negros, no cenário político brasileiro, a partir dos partidos. O movimento negro organizado vislumbrava a chance real de conquista de poder, já que o negro constituiu a base social onde ocorreu a formação inicial de alguns partidos. Aqui no sul, alianças, negociações e regulamentações passaram a fazer parte desse jogo de acesso ao poder disponibilizado pelos partidos para os negros, sem que tenha ocorrido a necessária averiguação de até que ponto o discurso de partidos originários das bases sociais é realizado na prática, quando o tema é a democratização de poder incluindo negros. Isso veio a impedir o desenvolvimento harmônico e consensual do trabalho, reforçou atitudes individualistas, ascensionistas e competitivas, dividindo os núcleos do MNU.
A complexidade da tarefa do Movimento Negro Unificado continua extrapolando a dimensão que imaginamos, em razão de que sua luta é externa, contra um sistema baseado em desigualdades sociais e étnicas, mas também é interna, buscando estabelecer uma unidade independente, solidária e coesa frente à sociedade brasileira.
Por Helena Vitória dos Santos Machado, arquiteta especialista lato sensu em 'Sociedade, Cultura e Política na América Latina'




Processo de adesão: os 36 anos do Movimento Negro Unificado - MNU
Militante da luta racial em Porto Alegre nos anos 70, Helena Vitória analisa a trajetória do Movimento Negro Unificado - MNU organização que neste 18 de junho completa 36 anos

IV Congresso do MNU – Encerramento. Oliveira Silveira falando pelo MNU do Rio Grande do Sul. Taboão da Serra. São Paulo, 3 a 5 de junho de 1983. (Foto: Ireno Jardim/Acervo Oliveira Silveira)
História - Vamos situar, primeiramente, a expressão Movimento Negro. Compartilho com a definição de Joel Rufino dos Santos: “- (...) todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo, aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e cultural do negro, fundadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades religiosas como terreiros de candomblé, por exemplo, assistenciais como as confrarias coloniais, recreativas como 'clubes de negros', artísticas como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia, culturais como os diversos “centros de pesquisa” e políticas como o Movimento Negro Unificado e ações de mobilização política, de protesto antidiscriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro”
Eu agregaria ainda as ações das irmandades negras, dos terreiros de batuque, e das escolas de samba, mesmo que em alguma delas, por vezes, ocorra preponderância do aspecto cultural. O entendimento é de que a expressão Movimento Negro abarque as manifestações de protesto ou afirmação negra, ocorridas desde os porões dos navios negreiros. O Unificado, possivelmente, foi o primeiro a marcar seu nome com a referida expressão.
Meu ingresso no Grupo Palmares, fundado em Porto Alegre em 20 de julho de 1971, foi o início da construção de um quebra-cabeça interior que permanece comigo até hoje: ativismo na questão negra no Brasil. Entrei no Grupo em novembro de 1971 e a data 20 de novembro estava sendo lembrada pela primeira vez, como o 'Dia da Consciência Negra', no Clube Náutico Marcílio Dias, de saudosa memória. Iniciei minha participação na ocasião dessa primeira atividade pública do Palmares, vindo a conhecer, então, as propostas centrais que eram de revisão de aspectos da história do negro no Brasil e a necessidade de se discutir e divulgar fatos trazidos à tona pela nova historiografia.
A caracterização do Grupo Palmares, pelos próprios integrantes, como um grupo de discussões estabelecia um limite para a ação militante, não ensejando o desenvolvimento de atividades sociopolíticas mais engajadas, tais como contestações coletivas de protesto, críticas ao caráter racista do sistema etc. A proximidade do Grupo Palmares com populações de outras inserções sociais, através de exposições, palestras e encontros, cumpria um papel informativo e poderia influir na afirmação da identidade negra. Mas ficava em aberto a contextualização conjuntural, ferramenta para despertar a consciência da questão negra no Brasil como questão estrutural.
Outro aspecto polêmico era o culto a heróis, como o dirigente Zumbi. Nosso entendimento pessoal era de que a criação de heróis é uma característica do sistema, que é quem precisa de heróis. O trabalho desses líderes tem um enorme suporte coletivo que quase nunca aparece - na divulgação histórica dos valores humanos da República de Palmares o protagonismo de milhares de quilombolas tem que ser resgatado. À época, em vários estados do país o 20 de novembro recebia significativas programações. Por vezes Palmares ou mesmo Zumbi eram utilizados de maneira oportunista, chegando a levar ao esvaziamento do real significado da única tentativa, no Brasil colônia, de ser estabelecida uma sociedade democrática. Em resumo, o Grupo Palmares, de sólido ideário, com erudição e competência no quadro de seus integrantes, não se propunha a ser identificado como movimento político de mobilização negra evidenciando, na maior parte do tempo, uma face fundamentalmente cultural.
Permaneci no Palmares até 1978, ano em que iniciei colaboração na imprensa negra através da comissão de redação do jornal Tição de Porto Alegre. O fato de o 20 de novembro se constituir hoje em feriado em diversas capitais do país é um exemplo evidente do trabalho de luta por espaço na  memória nacional brasileira, decorrência das proposições do Grupo Palmares e do Movimento Negro Unificado, não necessariamente desenvolvido por ativistas vinculados a eles.
No final da década de 1970, a crise econômica que se abate sobre o mundo começa a apresentar seus reflexos sobre o Brasil, que já vivia num tempo sombrio de ditadura: O decantado “Milagre Brasileiro” não aconteceu - o capitalismo brasileiro, com dificuldades de avançar o seu /projeto de expansão (desenvolvimento econômico), a inflação devorando o poder aquisitivo dos trabalhadores, os empregos desaparecendo, grandes movimentos sociais, manifestações em praças públicas, violência policial, as greves etc. Esse aumento das mobilizações teve como resultado o desenvolvimento da consciência da população oprimida.
Criação do MNU
E o MNU aparece nesse bojo, trazendo propostas às minhas indagações. Criado em 07 de julho de 78 (há 36 anos), em ato público com cerca de duas mil pessoas, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, se propunha a “...ser uma organização de lutas e denúncias em todos os campos onde haja opressão e perseguição do negro, ou seja, um órgão de forte representatividade da população negra em sua luta pela liberdade...”. O MNU ainda nesse ano, em sua segunda Assembleia Nacional, em Salvador, proclamava o 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

O ato público foi realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, reunindo cerca de 2 mil pessoa. Milton Barbosa realiza a leitura de Carta Aberta a População em ato público em repúdio à discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guainases. (Foto: Divulgação)
No Grupo Palmares minha participação foi, basicamente, de inauguração de militância e de reflexões pessoais. Quando surgiu o MNU, quando li a Carta de Princípios e o Programa de Ação, compreendi que ali estava boa parte da base conceitual e propositiva para minha atuação. A linha programática abrangia desde a luta contra o desemprego, pelo saneamento básico, pela criação de escolas autônomas nas comunidades, pela criação de teatros na periferia, pela defesa de posses de terras ou doações, até a organização do trabalhador rural, a liberdade sindical e o apoio à luta internacional contra o racismo, entre dezenas de outros itens não menos importantes nem menos urgentes. Na verdade, o MNU apresentava um perfil inédito na resistência negra brasileira, mercê o caráter sociopolítico evidenciadamente sindical de suas proposições. Comecei a participar dos congressos nacionais trazendo informações para as matérias do jornal Tição, canal que nos fez colocar o Movimento Negro Unificado na roda em Porto Alegre.
Eu estava saindo do Palmares, mas o jornal Tição também tinha conquistado outros integrantes do Grupo - as coisas meio que se imbricavam.  Passamos a incentivar a criação de outros núcleos do MNU abrangendo a Região Metropolitana de Porto Alegre, utilizando oficinas e debates e abrimos articulação com outros movimentos sociais como o dos colonos de Ronda Alta em 1981. Em março desse mesmo ano foi lançado o 'Manifesto de Adesão do RS ao Movimento Negro Unificado'. Integrei a Comissão Executiva Nacional até o final da década.
Com as proposições e basicamente as ações políticas do Movimento Negro Unificado houve uma modificação na forma de enfrentar o racismo e a discriminação racial no país. O Movimento propiciou uma mudança na luta das organizações negras, direcionando o produto das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaboração de panfletos e jornais, realização de atos públicos e criação de núcleos organizados em associações recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades públicas e privadas.
Com esse diferencial, o MNU foi, na década de oitenta, a organização que realizou as maiores e mais importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não recebesse apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas – ONU. No início dessa década o MNU – SP garantiu também, pela primeira vez a fala oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina - OLP. No final da década de 80, no VIII Encontro de Negros do Norte - Nordeste, foram definidas questões que balizaram a atual lei 10.639/03, que dispõe sobre o ensino da História da África e do Negro no Brasil. A constituição do MNU como foro privilegiado de debates sobre a discriminação racial refletiu-se na atitude do Estado em relação ao tema, culminando com a criação em 1984 do primeiro órgão público voltado para o apoio dos movimentos sociais afro-brasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no governo da cidade de São Paulo, que incentivou iniciativas semelhantes em outros estados. Partiu também do Movimento Negro Unificado a proposição de indicar um representante dos negros para a chamada Comissão Afonso Arinos, que criminalizou a discriminação racial na Constituição Brasileira de 1988.
Em síntese, no árduo e longo processo de superação do racismo no Brasil, o MNU esteve presente nas manifestações contra o regime de apartheid da África do Sul, pela derrubada da ditadura e por eleições livres no Brasil, no “Fora Collor”, na Construção da CUT, na Constituinte, emplacando bandeiras pelo reconhecimento das terras quilombolas, e pela inclusão da história do negro nos currículos escolares.  Foi perseguido pela repressão e por governos ditos “democráticos”, com detenção e com demissões de militantes sindicais.  O MNU continua sendo tema de artigos, teses e livros.
Organização
Enquanto no centro do país, na esfera política, a principal questão colocada pelo Movimento Negro Unificado era o enfrentamento de pressupostos basilares da ideologia e da ditadura militar, principalmente os de cultura e integração nacional e de questões internacionais sobre o racismo, aqui no sul a militância interagia em seu próprio entorno. Além do mais, em muitos momentos o Movimento demonstrava fragilidades em relação à sua unidade. Sendo uma organização federativa, o Unificado necessitava difundir aos núcleos estaduais instruções normativas no entendimento de que, para se ter uma sólida formação na militância, era preciso conhecer o que era o movimento, como surgiu, quais eram seus objetivos e como se organizava. Os filiados, em todo o país, deveriam assumir os documentos básicos da organização, aprovados nas assembleias nacionais: Estatuto, Programa de Ação, Carta de Princípios e Regimento Interno, cumprindo orientação advinda de decisão coletiva. No entanto as práticas e as alternativas de organização dos grupos do sul não se encaixavam no dossiê de normativas nacionais.
A história de formação e a realidade concreta por eles vivida não lograva espaço para se expressar nos encontros nacionais e, por vezes, nem havia condições objetivas de se fazerem representar nessas assembleias. Defendíamos em contrapartida à cópia do caminho oficialista e à rigidez do método organizativo, uma estrutura negra que pudesse ser reconhecida enquanto tal, baseada em nossas lutas cotidianas locais e sensível a um aprendizado com as diferentes formas de resistência que nossos antepassados sempre souberam criar com sabedoria, surgidas de baixo para cima, se concretizando horizontalmente com trocas, reavaliações, retomada de erros e opiniões.
Todavia, os grupos, ao invés de construírem um movimento de oposição à ideologia dominante, criando assim suas bases político-culturais de combate não apenas ao racismo, mas também ao capitalismo, assumiam, quase sempre, a forma da polarização-oposição. Desse modo a extrema preocupação com normativas deixava abertura para manipulações pelo sistema vigente e suas instituições tais como os partidos políticos.
É importante observar que, a partir de 1979, tomou proporção a expectativa de obtenção de poder, pelos negros, no cenário político brasileiro, a partir dos partidos. O movimento negro organizado vislumbrava a chance real de conquista de poder, já que o negro constituiu a base social onde ocorreu a formação inicial de alguns partidos. Aqui no sul, alianças, negociações e regulamentações passaram a fazer parte desse jogo de acesso ao poder disponibilizado pelos partidos para os negros, sem que tenha ocorrido a necessária averiguação de até que ponto o discurso de partidos originários das bases sociais é realizado na prática, quando o tema é a democratização de poder incluindo negros. Isso veio a impedir o desenvolvimento harmônico e consensual do trabalho, reforçou atitudes individualistas, ascensionistas e competitivas, dividindo os núcleos do MNU.
A complexidade da tarefa do Movimento Negro Unificado continua extrapolando a dimensão que imaginamos, em razão de que sua luta é externa, contra um sistema baseado em desigualdades sociais e étnicas, mas também é interna, buscando estabelecer uma unidade independente, solidária e coesa frente à sociedade brasileira.
Por Helena Vitória dos Santos Machado, arquiteta especialista lato sensu em 'Sociedade, Cultura e Política na América Latina'


Processo de adesão: os 36 anos do Movimento Negro Unificado - MNU
Militante da luta racial em Porto Alegre nos anos 70, Helena Vitória analisa a trajetória do Movimento Negro Unificado - MNU organização que neste 18 de junho completa 36 anos

IV Congresso do MNU – Encerramento. Oliveira Silveira falando pelo MNU do Rio Grande do Sul. Taboão da Serra. São Paulo, 3 a 5 de junho de 1983. (Foto: Ireno Jardim/Acervo Oliveira Silveira)
História - Vamos situar, primeiramente, a expressão Movimento Negro. Compartilho com a definição de Joel Rufino dos Santos: “- (...) todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo, aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e cultural do negro, fundadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades religiosas como terreiros de candomblé, por exemplo, assistenciais como as confrarias coloniais, recreativas como 'clubes de negros', artísticas como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia, culturais como os diversos “centros de pesquisa” e políticas como o Movimento Negro Unificado e ações de mobilização política, de protesto antidiscriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro”
Eu agregaria ainda as ações das irmandades negras, dos terreiros de batuque, e das escolas de samba, mesmo que em alguma delas, por vezes, ocorra preponderância do aspecto cultural. O entendimento é de que a expressão Movimento Negro abarque as manifestações de protesto ou afirmação negra, ocorridas desde os porões dos navios negreiros. O Unificado, possivelmente, foi o primeiro a marcar seu nome com a referida expressão.
Meu ingresso no Grupo Palmares, fundado em Porto Alegre em 20 de julho de 1971, foi o início da construção de um quebra-cabeça interior que permanece comigo até hoje: ativismo na questão negra no Brasil. Entrei no Grupo em novembro de 1971 e a data 20 de novembro estava sendo lembrada pela primeira vez, como o 'Dia da Consciência Negra', no Clube Náutico Marcílio Dias, de saudosa memória. Iniciei minha participação na ocasião dessa primeira atividade pública do Palmares, vindo a conhecer, então, as propostas centrais que eram de revisão de aspectos da história do negro no Brasil e a necessidade de se discutir e divulgar fatos trazidos à tona pela nova historiografia.
A caracterização do Grupo Palmares, pelos próprios integrantes, como um grupo de discussões estabelecia um limite para a ação militante, não ensejando o desenvolvimento de atividades sociopolíticas mais engajadas, tais como contestações coletivas de protesto, críticas ao caráter racista do sistema etc. A proximidade do Grupo Palmares com populações de outras inserções sociais, através de exposições, palestras e encontros, cumpria um papel informativo e poderia influir na afirmação da identidade negra. Mas ficava em aberto a contextualização conjuntural, ferramenta para despertar a consciência da questão negra no Brasil como questão estrutural.
Outro aspecto polêmico era o culto a heróis, como o dirigente Zumbi. Nosso entendimento pessoal era de que a criação de heróis é uma característica do sistema, que é quem precisa de heróis. O trabalho desses líderes tem um enorme suporte coletivo que quase nunca aparece - na divulgação histórica dos valores humanos da República de Palmares o protagonismo de milhares de quilombolas tem que ser resgatado. À época, em vários estados do país o 20 de novembro recebia significativas programações. Por vezes Palmares ou mesmo Zumbi eram utilizados de maneira oportunista, chegando a levar ao esvaziamento do real significado da única tentativa, no Brasil colônia, de ser estabelecida uma sociedade democrática. Em resumo, o Grupo Palmares, de sólido ideário, com erudição e competência no quadro de seus integrantes, não se propunha a ser identificado como movimento político de mobilização negra evidenciando, na maior parte do tempo, uma face fundamentalmente cultural.
Permaneci no Palmares até 1978, ano em que iniciei colaboração na imprensa negra através da comissão de redação do jornal Tição de Porto Alegre. O fato de o 20 de novembro se constituir hoje em feriado em diversas capitais do país é um exemplo evidente do trabalho de luta por espaço na  memória nacional brasileira, decorrência das proposições do Grupo Palmares e do Movimento Negro Unificado, não necessariamente desenvolvido por ativistas vinculados a eles.
No final da década de 1970, a crise econômica que se abate sobre o mundo começa a apresentar seus reflexos sobre o Brasil, que já vivia num tempo sombrio de ditadura: O decantado “Milagre Brasileiro” não aconteceu - o capitalismo brasileiro, com dificuldades de avançar o seu /projeto de expansão (desenvolvimento econômico), a inflação devorando o poder aquisitivo dos trabalhadores, os empregos desaparecendo, grandes movimentos sociais, manifestações em praças públicas, violência policial, as greves etc. Esse aumento das mobilizações teve como resultado o desenvolvimento da consciência da população oprimida.
Criação do MNU
E o MNU aparece nesse bojo, trazendo propostas às minhas indagações. Criado em 07 de julho de 78 (há 36 anos), em ato público com cerca de duas mil pessoas, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, se propunha a “...ser uma organização de lutas e denúncias em todos os campos onde haja opressão e perseguição do negro, ou seja, um órgão de forte representatividade da população negra em sua luta pela liberdade...”. O MNU ainda nesse ano, em sua segunda Assembleia Nacional, em Salvador, proclamava o 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

O ato público foi realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, reunindo cerca de 2 mil pessoa. Milton Barbosa realiza a leitura de Carta Aberta a População em ato público em repúdio à discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guainases. (Foto: Divulgação)
No Grupo Palmares minha participação foi, basicamente, de inauguração de militância e de reflexões pessoais. Quando surgiu o MNU, quando li a Carta de Princípios e o Programa de Ação, compreendi que ali estava boa parte da base conceitual e propositiva para minha atuação. A linha programática abrangia desde a luta contra o desemprego, pelo saneamento básico, pela criação de escolas autônomas nas comunidades, pela criação de teatros na periferia, pela defesa de posses de terras ou doações, até a organização do trabalhador rural, a liberdade sindical e o apoio à luta internacional contra o racismo, entre dezenas de outros itens não menos importantes nem menos urgentes. Na verdade, o MNU apresentava um perfil inédito na resistência negra brasileira, mercê o caráter sociopolítico evidenciadamente sindical de suas proposições. Comecei a participar dos congressos nacionais trazendo informações para as matérias do jornal Tição, canal que nos fez colocar o Movimento Negro Unificado na roda em Porto Alegre.
Eu estava saindo do Palmares, mas o jornal Tição também tinha conquistado outros integrantes do Grupo - as coisas meio que se imbricavam.  Passamos a incentivar a criação de outros núcleos do MNU abrangendo a Região Metropolitana de Porto Alegre, utilizando oficinas e debates e abrimos articulação com outros movimentos sociais como o dos colonos de Ronda Alta em 1981. Em março desse mesmo ano foi lançado o 'Manifesto de Adesão do RS ao Movimento Negro Unificado'. Integrei a Comissão Executiva Nacional até o final da década.
Com as proposições e basicamente as ações políticas do Movimento Negro Unificado houve uma modificação na forma de enfrentar o racismo e a discriminação racial no país. O Movimento propiciou uma mudança na luta das organizações negras, direcionando o produto das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaboração de panfletos e jornais, realização de atos públicos e criação de núcleos organizados em associações recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades públicas e privadas.
Com esse diferencial, o MNU foi, na década de oitenta, a organização que realizou as maiores e mais importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não recebesse apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas – ONU. No início dessa década o MNU – SP garantiu também, pela primeira vez a fala oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina - OLP. No final da década de 80, no VIII Encontro de Negros do Norte - Nordeste, foram definidas questões que balizaram a atual lei 10.639/03, que dispõe sobre o ensino da História da África e do Negro no Brasil. A constituição do MNU como foro privilegiado de debates sobre a discriminação racial refletiu-se na atitude do Estado em relação ao tema, culminando com a criação em 1984 do primeiro órgão público voltado para o apoio dos movimentos sociais afro-brasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no governo da cidade de São Paulo, que incentivou iniciativas semelhantes em outros estados. Partiu também do Movimento Negro Unificado a proposição de indicar um representante dos negros para a chamada Comissão Afonso Arinos, que criminalizou a discriminação racial na Constituição Brasileira de 1988.
Em síntese, no árduo e longo processo de superação do racismo no Brasil, o MNU esteve presente nas manifestações contra o regime de apartheid da África do Sul, pela derrubada da ditadura e por eleições livres no Brasil, no “Fora Collor”, na Construção da CUT, na Constituinte, emplacando bandeiras pelo reconhecimento das terras quilombolas, e pela inclusão da história do negro nos currículos escolares.  Foi perseguido pela repressão e por governos ditos “democráticos”, com detenção e com demissões de militantes sindicais.  O MNU continua sendo tema de artigos, teses e livros.
Organização
Enquanto no centro do país, na esfera política, a principal questão colocada pelo Movimento Negro Unificado era o enfrentamento de pressupostos basilares da ideologia e da ditadura militar, principalmente os de cultura e integração nacional e de questões internacionais sobre o racismo, aqui no sul a militância interagia em seu próprio entorno. Além do mais, em muitos momentos o Movimento demonstrava fragilidades em relação à sua unidade. Sendo uma organização federativa, o Unificado necessitava difundir aos núcleos estaduais instruções normativas no entendimento de que, para se ter uma sólida formação na militância, era preciso conhecer o que era o movimento, como surgiu, quais eram seus objetivos e como se organizava. Os filiados, em todo o país, deveriam assumir os documentos básicos da organização, aprovados nas assembleias nacionais: Estatuto, Programa de Ação, Carta de Princípios e Regimento Interno, cumprindo orientação advinda de decisão coletiva. No entanto as práticas e as alternativas de organização dos grupos do sul não se encaixavam no dossiê de normativas nacionais.
A história de formação e a realidade concreta por eles vivida não lograva espaço para se expressar nos encontros nacionais e, por vezes, nem havia condições objetivas de se fazerem representar nessas assembleias. Defendíamos em contrapartida à cópia do caminho oficialista e à rigidez do método organizativo, uma estrutura negra que pudesse ser reconhecida enquanto tal, baseada em nossas lutas cotidianas locais e sensível a um aprendizado com as diferentes formas de resistência que nossos antepassados sempre souberam criar com sabedoria, surgidas de baixo para cima, se concretizando horizontalmente com trocas, reavaliações, retomada de erros e opiniões.
Todavia, os grupos, ao invés de construírem um movimento de oposição à ideologia dominante, criando assim suas bases político-culturais de combate não apenas ao racismo, mas também ao capitalismo, assumiam, quase sempre, a forma da polarização-oposição. Desse modo a extrema preocupação com normativas deixava abertura para manipulações pelo sistema vigente e suas instituições tais como os partidos políticos.
É importante observar que, a partir de 1979, tomou proporção a expectativa de obtenção de poder, pelos negros, no cenário político brasileiro, a partir dos partidos. O movimento negro organizado vislumbrava a chance real de conquista de poder, já que o negro constituiu a base social onde ocorreu a formação inicial de alguns partidos. Aqui no sul, alianças, negociações e regulamentações passaram a fazer parte desse jogo de acesso ao poder disponibilizado pelos partidos para os negros, sem que tenha ocorrido a necessária averiguação de até que ponto o discurso de partidos originários das bases sociais é realizado na prática, quando o tema é a democratização de poder incluindo negros. Isso veio a impedir o desenvolvimento harmônico e consensual do trabalho, reforçou atitudes individualistas, ascensionistas e competitivas, dividindo os núcleos do MNU.
A complexidade da tarefa do Movimento Negro Unificado continua extrapolando a dimensão que imaginamos, em razão de que sua luta é externa, contra um sistema baseado em desigualdades sociais e étnicas, mas também é interna, buscando estabelecer uma unidade independente, solidária e coesa frente à sociedade brasileira.
Por Helena Vitória dos Santos Machado, arquiteta especialista lato sensu em 'Sociedade, Cultura e Política na América Latina'