segunda-feira, 30 de abril de 2012

COTAS - Sistemas de cotas é considerado constitucional por maioria do Supremo - Política - Correio Braziliense

Sistemas de cotas é considerado constitucional por maioria do Supremo - Política - Correio Braziliense

COTAS - REAÇÕES ÀS COTAS SUBESTIMAM O RACISMO


Política

Matheus Pichonelli

Preconceito

27.04.2012 13:35

Reações às cotas subestimam o racismo

A melhor definição que conheço de racismo não está nos livros acadêmicos nem no voto dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Está no romance autobiográfico “À Mão Esquerda”, de Fausto Wolff (1940-2008).

Foto: Luliexperiment/Flickr
É uma patada no estômago: em certo momento do livro, Wolff escreve sobre o dia em que o pai, barbeiro, atendeu uma família de negros em seu salão em Santo Ângelo (RS). Foi um fiasco: parecendo nervoso, o pai errou o corte, provocou talhos, falhas, picotou orelhas e se mostrou bem pouco simpático.
Ao ver os clientes sair, Wolff, ainda menino, comentou que nunca o vira trabalhar tão mal. Era proposital, explicou o pai. Era necessário tratar mal essa clientela, ainda que não fosse (jurava) racista.
A lógica era: se eles gostassem do serviço, voltariam; em pouco tempo, o salão ficaria marcado por ser um espaço aberto para negros; e os brancos que tinham dinheiro, grosso da clientela, ficariam incomodados, pois não gostariam de frequentar um lugar assim; e, se os brancos fugissem, o barbeiro não teria dinheiro para colocar o prato na mesa da família. Simples assim.
Ou seja: o racismo dos outros justifica a discriminação preventiva, ainda que todos sejam iguais perante a lei. E como provar que o serviço mal prestado era motivado por racismo? Impossível. Nas esferas do micro-poder, a discriminação é sutil, mas opera violentamente.
Leia também:
STF legaliza cotas para negros em universidades
Pedro Serrano: cotas étnicas e igualdade 


Num país de 190 milhões de habitantes, é humanamente impossível vigiar os processos de exclusão manifestados contra grupos minoritários (sempre considerando como “minorias” os grupos que tiveram negados, ao longo da História, o acesso à totalidade dos direitos civis, sociais, políticos). Mas é dever do Estado criar regras para garantir acesso a lugares públicos, como a universidade.
Imagino, enquanto escrevo este post, quantas pessoas deixaram uma hora dessas as barbearias com as orelhas podadas por tesouras a zelar pela reputação do recinto. Não duvido que sejam muitos. Nas barbearias, nos shoppings centers, nos aeroportos, nas delegacias, nos bancos.
Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes durante o julgamento. Os três votaram a favor das cotas. Foto: José Cruz / ABr
Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes durante o julgamento. Os três votaram a favor das cotas. Foto: José Cruz / ABr
O Brasil, como a Argentina, as Coréias e o Afeganistão, é um país de preconceitos. Preconceitos de classe, de origem, de orientação sexual e de raça. O que significa: o sujeito pode ser honesto, talentoso, até endinheirado, mas levará sempre um “porém” ao lado do nome. “É um sujeito inteligente, mas bicha”. Esse “porém” é uma tesoura a serviço do boicote.
Por aqui, ao longo dos anos, tentou-se de todo modo, com leis, campanhas educativas e regras de convivência, banir o preconceito nas relações pessoais. Ainda assim, em pleno ano 2012, a exclusividade do acesso a determinados nichos e espaços mostra apenas que só o discurso foi atingido, quando muito. Admitir ideias pré-concebidas sobre determinado grupo pode soar mal, criar embaraço, constrangimento, e até problemas com a lei. Mas não elimina a ideia pré-concebida (quando muito, apenas a manifestação pública dela. Quando muito mesmo). E a ideia pré-concebida é só a etapa inicial de uma ação perversa.
O julgamento no STF sobre a legalidade dos sistemas de cotas nas universidades públicas foi uma dessas oportunidades de se colocar em discussão e evidência a herança de séculos de injustiça justificada aos olhos da lei.
Não que o sujeito a se posicionar contra as cotas seja necessariamente racista. Mas é fato que o racista será contra quaisquer formas de inclusão e pluralidade. Para ele o preconceito simplesmente não existe, e só não estuda ou trabalha quem é vagabundo.
Os ministros do STF não pensam assim. Por unanimidade, decidiram pela legalidade da cota, com direito a discursos belíssimos que podem ser guardados nas paredes das grandes citações.
Foi só um primeiro (e necessário) passo: o reconhecimento das distorções ainda latentes de um país de privilégios. As reações vieram em sequencia: “mas e os outros grupos minoritários?”; “A decisão jogou para escanteio os brancos pobres”; “Estamos criando um tribunal racial no Brasil”; “Estamos criando privilégios para combater desigualdades”; “E o mérito?”; “E o estigma sobre os estudantes”.
Como estes, é possível usar vários argumentos com muito sentido para reagir à norma recém-referendada. Foi o que fez o DEM, que não é exatamente conhecido como um combatente das oligarquias e privilégios de um Brasil arcaico, ao contestar o sistema em vigor na UnB – uma experiência bem-sucedida, frise-se.

Foto: Agência USP
A reação ao sistema de cotas joga no ar a impressão de que a existência de muitos problemas é só um impeditivo para se corrigir outros; como se a soma de vetores apontando para cada injustiça no País devesse resultar unicamente na imobilidade.
De fato, é possível apontar uma série de problemas no sistema de cotas, como em vários sistemas que envolvam subjetividade e leis. O que preocupa, a esta altura do campeonato, não é a desconfiança sobre uma medida considerada paliativa. É o conforto com a ausência de propostas melhores.
Uma alternativa para as cotas raciais na universidade seriam as cotas sociais, que levariam em conta critérios como a origem e condição social do estudante. É uma possibilidade interessante. Ainda assim, a meu ver, subestima um outro fator: a manifestação de preconceito racial dentro desses lugares de origem.
Existem várias portas de saída para a pobreza. Nem todas estão imunes a boicotes: quem precisa de um financiamento, por exemplo, precisa ter a sorte de encontrar um gerente que vá com a sua cara. E é desnecessário lembrar que o Brasil não vai com a cara de negros – basta ver nas filas para adoção de bebês qual o perfil buscado pelos futuros papais.
O simples lance (o hipotético pedido de empréstimo ou de emprego) pode ser determinante garantir recursos para estudos, livros, cursos de língua, transporte e moradia (porque estudo dos filhos não se faz só com a matrícula). Ninguém chega à escola nem à universidade por simples vontade: há uma série de complicadores, como vergonha e perseguições, a pesar para uns e não para outros. Ninguém fica minimamente à vontade num lugar onde é chamado de “macaco” de tempos em tempos por colegas, vizinhos, professores, diretores, seguranças.
Durante décadas, o Brasil que pensou na libertação das correntes da escravidão ignorou as outras formas de exclusão de grupos que ficaram à margem na própria história.
A herança escravocrata é uma ferida aberta num país em que brancos e negros cometem os mesmos crimes, mas só uns são maioria nas prisões, e outros, maioria nas universidades – o topo de uma estrutura cujo caminho pede, muito mais que esforço, igualdade de condições para se alcançar. Muitos ficaram pelo caminho, e não foi por falta de esforço nem talento.

Foto: Agência Brasil
Só não vê quem não quer. Ou quem se esforça negando o racismo citando a profusão de mestiços num país onde todos se relacionam com todos – o que catalisou nossa identidade, diria Gilberto Freyre. Certo? Pois a Casa Grande segue inacessível. E, para reconhecer a Casa Grande, basta um passeio pelos lugares frequentados apenas por uma elite histórica – aconselho, inclusive, um passeio por redações de jornais e revistas.
No País da miscigenação, é parte da paisagem ver herdeiros da escravidão servindo ou pedindo para engraxar os sapatos. Quando acontece o contrário, são logo considerados “suspeitos”.
A capacidade de se indignar com um país de lugares cativos é um alento insuficiente para que as coisas mudem. Com as cotas, as coisas começam a mudar. Talvez não na estrutura, já que o preconceito é um dom inacabável.
Nos próximos anos, o sistema de cotas pode se mostrar insuficiente. Mas hoje é uma solução viável num contexto complexo, injusto, cheio de nuances e sofismas para justificar o injustificável.
É papel do Estado arbitrar sobre as injustiças nos espaços onde consegue alcançar – e o Supremo se mostrou sensível a esta constatação. Não é uma solução definitiva, mas um aceno para o futuro: como resumiu a ministra Rosa Weber, ao declarar seu voto, quando o negro se tornar visível na sociedade “política compensatória alguma será necessária”.
Ao decidir pela legalidade da cota hoje e agora, ela e os demais ministros do Supremo fizeram algo mais do que alimentar polêmicas restritas à dualidade “a favor” ou “contra”. Eles pavimentaram uma ponte em direção a uma realidade possível.

Arapongagem em hotel foi obra de Cachoeira | Carta Capital

Arapongagem em hotel foi obra de Cachoeira | Carta Capital

sexta-feira, 27 de abril de 2012

STF - COTAS 10 X 0



26/04/12, 18:04

STF: cotas raciais são aprovadas por 10 X 0

Supremo julga ação do DEM que questiona sistema de cota racial da UnB. Seis ministros votaram pela constitucionalidade das cotas raciais; faltam 3.

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou nesta quinta-feira (26) as universidades públicas brasileiras a adotar políticas de reserva de vagas para garantir o acesso de negros ao ensino superior. O tribunal decidiu que as políticas de cotas raciais em instituições de ensino superior estão de acordo com a Constituição e são necessárias para corrigir o histórico de discriminação racial no Brasil.


Em dois dias de julgamento, o tribunal discutiu a validade da política de cotas raciais adotada pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004, que reserva por dez anos 20% das vagas do vestibular exclusivamente para negros e um número anual de vagas para índios independentemente de vestibular. O DEM, autor da ação contra as cotas raciais, acusou o sistema adotado pela instituição de ensino, no qual uma banca analisa se o candidato é ou não negro, de criar uma espécie de “tribunal racial”.



Atualizada às 18h

Com o voto do ministro Gilmar Mendes, a maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou a favor da política de cotas raciais na Universidade de Brasília. Caso esse entendimento seja mantido - os ministros ainda podem mudar o voto até o fim do julgamento -, o Supremo vai validar o sistema de reserva de vagas em instituições de ensino superior para negros e indígenas.


Dos dez ministros que analisam o tema, sete votaram a favor da legalidade das cotas raciais. O relator Ricardo Lewandowski foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. Aindão vão votar Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e o presidente da corte, Ayres Britto. Dias Toffoli não participa do julgamento porque elaborou parecer a favor das cotas quando era advogado-geral da União.

De acordo com dados da Advocacia-Geral da União (AGU), 13 universidades brasileiras possuem políticas de cotas raciais e outras 20 combinam o critério de raça com a questão social para fazer a seleção dos candidatos. A decisão do STF não proíbe outras ações em relação a cotas para ingresso no ensino superior, porque as universidades têm autonomia para definir suas políticas.

O julgamento foi iniciado nesta quarta-feira (25) com as manifestações dos advogados das partes e de representantes de entidades interessadas no assunto. No início da noite a sessão foi interrompida e retomada nesta quarta. Estão na pauta outras duas ações que abordam cotas raciais combinadas com o critério de o estudante vir de escola pública.

A maioria dos ministros da Corte acompanhou o voto do relator da ação, ministro Ricardo Lewandowski, pela validade dos sistemas de reserva de vagas com base em critérios de raça.

Para o relator, a política de cotas da UnB "não se mostra desproporcional ou irrazoável e é compatível com a Constituição". Ele afirmou que o sistema utilizado, que têm período de vigência de 10 anos, pode ser usado como "modelo" para outras universidades.

O modelo que o Supremo tenta estabelecer, se o meu voto for prevalente, é esse modelo de que não é uma benesse que se concede de forma permanente, mas apenas uma ação estatal que visa superar alguma desigualdade histórica enquanto ela perdurar", destacou o relator após o julgamento.

Nesta quinta, o julgamento recomeçou com o voto do ministro Luiz Fux, que a Constituição contempla a imposição do critério de raça para admissão em universidade pública. Para ele, o país precisa fazer mais do que vedar a discriminação, implementando políticas que levem à integração social dos negros.

“A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados adimplindo obrigações jurídicas”, disse Fux.

O voto do ministro foi interrompido por um manifestante indígena da etnia guarani que precisou ser expulso do plenário pelos seguranças do STF. O índio Araju Sepeti queria que os indígenas fossem citados pelo ministro Fux em seu voto. A política de cotas da UnB, que é tema do julgamento, inclui a reserva de 20 vagas anuais a indígenas, que não precisam fazer o vestibular tradicional.

Foto: Andre Dusek/Agência Estado

“Vocês violam os direitos de todos e não respeitam a Constituição. O Brasil é composto de três raças: raça indígena, raça branca e raça negra", disse Sepeti ao ser contido por seguranças do Supremo que o levaram para fora das grades que separam a sede do tribunal da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Único ministro negro do STF

Joaquim Barbosa, único ministro negro do STF, acompanhou o voto do relator e ressaltou a importância das ações afirmativas para viabilizar “harmonia e paz social”. Ele citou exemplo dos Estados Unidos que se tornaram “o país líder do mundo livre”, após derrubar a política de segregação racial.

“Ações afirmativas se definem como políticas publicas voltadas a concretização do princípios constitucional da igualdade material a neutralização dos efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem”, disse Barbosa.

Também acompanharam o voto do relator os ministros Cezar Peluso, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Contra e a favor das cotas

No primeiro dia do julgamento, a advogada do DEM, Roberta Kauffman, apresentou argumentos contra o sistema de cotas da UnB. Para ela, a seleção de quem teria direito às cotas na UnB é feitas com base em “critérios mágicos e místicos” e lembrou o caso dos irmãos gêmeos univitelinos, Alex e Alan Teixeira da Cunha. Eles se inscreveram no vestibular, em 2007, e, depois de analisadas fotos dos dois, Alan foi aceito na seleção das cotas e Alex não. Depois, a UnB voltou atrás.

“A imposição de um modelo de estado racializado, por óbvio, traz consequências perversas para formação da identidade de uma nação. [...] Não existe racismo bom. Não existe racismo politicamente correto. Todo o racismo é perverso e precisa ser evitado”, disse a advogada.

A defesa da UnB argumentou que o sistema de cotas raciais busca corrigir a falta de acesso dos negros à universidade. Segundo a advogada Indira Quaresma, que representou a instituição, os negros foram “alijados” de riquezas econômicas e intelectuais ao longo da história. Para ela, a ausência de negros nas universidade reforça a segregação racial.

“A UnB tira-nos, nós negros, dos campos de concentração da exclusão e coloca-nos nas universidades. [...] Sistema de cotas é belo, necessário, distributivo, pois objetiva repartir no presente a possibilidade de um futuro melhor”, afirmou a advogada da UnB.

A validade das cotas raciais como política afirmativa de inclusão dos negros foi defendida também pelo advogado-geral da União, Luís Inácio de Lucena Adams e pela vice-procuradora-geral, Deborah Duprat. Para eles, o racismo é um traço presente na cultura brasileira e que precisa ser enfrentado.

Além dos representantes da UnB, do DEM e da União, outros 10 advogados ocuparam a tribuna do STF para defender suas posições contra ou a favor das políticas de reserva de vagas em universidades tendo a raça como critério.

A maioria das entidades participou de audiência pública realizadas pelo Supremo, em março de 2010, para discutir o tema. As opiniões se dividem entre os que defendem e criticam a adoção da questão racial como critério em detrimento de outros fatores, como a renda do candidato.

Fonte: G1

quinta-feira, 26 de abril de 2012

COTAS: RELATOR VOTA PELA CONSTITUCIONALIDADE DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS DA UnB



Notícias STF ImprimirQuarta-feira, 25 de abril de 2012
Cotas: relator vota pela constitucionalidade das políticas afirmativas da UnB
Único dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a votar na sessão desta quarta-feira (25), o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186), ministro Ricardo Lewandowski, julgou totalmente improcedente o pedido feito pelo Partido Democratas (DEM) contra a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB). A sessão continuará amanhã (26), a partir das 14h, quando os demais ministros do STF deverão proferir seus votos.
Em um extenso e minucioso voto (leia a íntegra), o ministro Lewandowski afirmou que as políticas de ação afirmativa adotadas pela UnB estabelecem um ambiente acadêmico plural e diversificado e têm o objetivo de superar distorções sociais historicamente consolidadas. Além disso, segundo o relator, os meios empregados e os fins perseguidos pela UnB são marcados pela proporcionalidade e razoabilidade e as políticas são transitórias e preveem a revisão periódica de seus resultados. Quanto aos métodos de seleção, o relator os considerou “eficazes e compatíveis” com o princípio da dignidade humana.
“No caso da Universidade de Brasília, a reserva de 20% de suas vagas para estudante negros e ‘de um pequeno número delas’ para índios de todos os Estados brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui, a meu ver, providência adequada e proporcional ao atingimento dos mencionados desideratos. A política de ação afirmativa adotada pela Universidade de Brasília não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se também sob esse ângulo compatível com os valores e princípios da Constituição”, afirmou o relator.
Preliminares
O ministro Lewandowski iniciou seu voto afastando as preliminares de não conhecimento da ação levantadas e afirmou o cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental por considerá-la o meio mais adequado e hábil para sanar a lesividade apontada pelo Partido Democratas (DEM). Segundo o relator, para efetivar o princípio constitucional da igualdade, o Estado pode lançar mão de políticas universalistas (de grande alcance) e também de ações afirmativas, que levam em conta a situação concreta de determinados grupos sociais.
Lewandowski salientou que, ao contrário do que muitos pensam, a política de ações afirmativas não tem origem norte-americana. Ela surgiu na Índia, país composto por uma sociedade de castas, sob a condução do líder pacifista Mahatma Gandhi. Lembrando que o Brasil é uma sociedade marcada por desigualdades interpessoais profundas, o ministro afirmou que a adoção de critérios objetivos de seleção para ingresso dos cotistas nas universidades deve levar em conta o ganho social que esse processo acarretará na formação de uma sociedade mais fraterna.
Discriminação
Citando números do Ministério da Educação, o ministro Lewandowski lembrou que apenas 2% dos negros conquistam diploma universitário no Brasil e afirmou que aqueles que hoje são discriminados têm um potencial enorme para contribuir para uma sociedade mais avançada. O ministro iniciou a análise da constitucionalidade da seleção de candidatos por meio da adoção de critério étnico-racial afastando o conceito biológico de raça, por considerá-lo um conceito “artificialmente construído ao longo dos tempos para justificar a discriminação”.
Quanto ao argumento do DEM de que a inexistência cientificamente comprovada do conceito biológico de raça impediria a utilização do critério étnico-racial para seleção dos cotistas, o ministro Lewandowski lembrou que o Supremo já enfrentou essa questão ao julgar o Habeas Corpus (HC 82424), impetrado em favor de Siegfried Ellwanger, acusado do crime de racismo por ser o responsável pela edição e venda de livros fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias em relação à comunidade judaica.
Celeiros de recrutamento
“A histórica discriminação de negros e pardos, revela um componente multiplicador, mas às avessas, pois a sua convivência multissecular com a exclusão social gera a perpetuação de uma consciência de inferioridade e de conformidade com a falta de perspectiva, lançando milhares deles, sobretudo as gerações mais jovens, no trajeto sem volta da marginalidade social”, afirmou o relator. Ele ressaltou o papel integrador da universidade como principal centro de formação das elites brasileiras e sua transformação em celeiros privilegiados para o recrutamento de futuros líderes.
“Tais espaços não são apenas ambientes de formação profissional, mas constituem também locais privilegiados de criação de futuros líderes e dirigentes sociais. Todos sabem que as universidades, e em especial as universidades públicas, são os principais centros de formação das elites brasileiras. Não constituem apenas núcleos de excelência para a formação de profissionais destinados ao mercado de trabalho, mas representam também um celeiro privilegiado para o recrutamento de futuros ocupantes dos altos cargos públicos e privados no país”, asseverou.
Para o relator, as políticas de ações afirmativas da UnB resultam num ambiente acadêmico plural e diversificado e servem para superar distorções sociais historicamente consolidadas. “O reduzido número de negros e pardos que exercem cargos ou funções de relevo em nossa sociedade, seja na esfera pública, seja na privada, resulta da discriminação histórica que as sucessivas gerações de pessoas pertencentes a esses grupos têm sofrido, ainda que na maior parte das vezes de forma camuflada ou implícita. Os programas de ação afirmativa em sociedades em que isso ocorre, entre as quais a nossa, são uma forma de compensar essa discriminação, culturalmente arraigada, não raro praticada de forma inconsciente e à sombra de um Estado complacente”, ressaltou o relator.

VP/CG

COTAS: 386 anos de escravidão e ainda há dúvidas?

Cotas: 386 anos de escravidão e ainda há dúvidas?


São três ações contra as cotas em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Uma delas, pra azar de quem a colocou nas mãos dele, é propugnada, defendida por Demóstenes Torres.
Uma das ações contesta o Prouni, programa do Governo Federal que tem reserva de bolsas de estudo para indígenas, pessoas com deficiência e alunos da rede pública. Portanto, cotas não apenas para negros, como se pensa e diz.
As outras duas ações questionam sistemas de cotas das universidades de Brasília e do Rio Grande do Sul. Esse é um daqueles assuntos que dividem radicalmente as opiniões. Fico com as razões que brotam da história do Brasil e saltam aos olhos.
O Brasil viveu 386 vergonhosos anos de escravidão. Isso são quatro quintos da nossa história. As chagas estão aí, até hoje, pra quem quiser ver. Só quem não mergulhou no Brasil além dos centros das capitais, quem nunca deixa as zonas de conforto e ilusão, pode afirmar que não existe a questão racial.
Afirma isso quem não sabe que mais de 250 jovens Kaiowá-Guarani, com idades entre 9 e 24 anos, se suicidaram nos últimos 15 anos. Nas proximidades de Dourados, Mato Grosso do Sul. Eu, como repórter, estive lá. Eu vi. Suicidaram-se pela opressão, pela falta de espaço, pela ausência de esperança. Como outras centenas de comunidades Brasil afora.
Exemplos gritantes, e aí já falando das cotas para negros: o STF, que julga as cotas, tem 11 ministros. Só um, Joaquim Barbosa, é negro. O Brasil tem 97 milhões que se declaram afro-descendentes. A câmara dos deputados, uma representação do país, tem 43 deputados negros ou descendentes. Apenas 8% do total dos 513 deputados.
O princípio da Ação Afirmativa (as cotas) já foi praticado, antes, em inúmeros casos no Brasil. Em ações econômicas e sociais. Por que o barulho, o escândalo, quando surgem cotas para negros, índios e pobres? Por que isso nos tira da zona de conforto? Da ilusão, hipócrita, de coesão racial, social? Da ilusão de que o racismo não existe no Brasil, nem mesmo disfarçado?
Dados do IPEA ( Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada): o salário médio dos brancos no Brasil é de R$ 1.850, o dos negros é de R$ 850; os negros são 70% dos pobres e 70% dos indigentes do brasil. Não faltam números. Mas números são até desnecessários. Basta olhar em volta; nas boas escolas privadas, nos ótimos shoppings, nos belos restaurantes… na Mídia.
Trinta e cinco universidades e mais de 100 instituições do país aderiram às cotas, sistema que já tem 10 anos. Segue o debate. Ótima ocasião para o Brasil discutir a si mesmo e sua história.
Alguns, como hoje no Supremo, num debate de peito aberto de parte a parte. Outros milhões debatem nas redes sociais. Milhares deles, quase sempre na condição de anônimos, deixam vazar todo o preconceito, o racismo que certos argumentos escondem. Acessem comentários em sites, blogs, e confiram… o horror.
O sistema de cotas tem, claro, imperfeições. Mas as cotas já beneficiaram, por exemplo, 400 mil jovens negros no Brasil. Que as cotas permaneçam. Até que a nossa história as torne desnecessárias.

Sessão do STF sobre cotas (foto: Carlos Humberto/SCO/STF/Divulgação)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

STF - JULGAMENTO COTAS RACIAIS



 

Debate entre advogadas no STF expõe questão racial brasileira
25 de abril de 2012 16h55 atualizado às 16h58

  1. http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5739374-EI8266,00-Debate+entre+advogadas+no+STF+expoe+questao+racial+brasileira.html
Uma das ações analisadas nesta quarta-feira contesta as cotas raciais adotadas pelo UnB. Foto: Carlos Humberto/SCO/STF/Divulgação Uma das ações analisadas nesta quarta-feira contesta as cotas raciais adotadas pelo UnB
Foto: Carlos Humberto/SCO/STF/Divulgação
Gustavo Gantois
Direto de Brasília
De um lado uma advogada branca, cabelos loiros e uma retórica contra a política de cotas raciais de acesso ao ensino superior que já suscitou tentativas de agressão. Do outro, uma advogada negra, com uma capacidade argumentativa pouca vezes vista na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os votos dos ministros da Corte ainda estavam longe de serem proferidos, mas o embate entre Roberta Kaufmann, que representa o Democratas na ação que questiona o sistema de cotas da Universidade de Brasília (UnB), e Indira Quaresma, da Advocacia-Geral da União (AGU) e que representa a UnB, mobilizou o plenário da Corte.
Procuradora de Justiça do Distrito Federal, Roberta Kaufmann é conhecida por sua luta contra as cotas. No ano passado, foi hostilizada em um debate sobre o sistema em plena UnB. Não conseguiu falar e teve de abandonar a universidade escoltada pela polícia e sob ameaças de agressão. Atualmente, dá aulas no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), mais conhecido em Brasília como "a faculdade do ministro Gilmar Mendes", do STF.
O discurso da advogada foi calcado no argumento de que o sistema de cotas institucionaliza um Estado racializado no Brasil. Em outras palavras, as cotas, ao contrário do que pregam seus defensores, seriam responsáveis por mais discriminação. "As consequências da implementação dessa medida por meio de leis que vão criar categorias raciais no Brasil serão mais desastrosas que os eventuais bônus que poderiam criar. A imposição de um modelo de estado racializado traz implicações perversas. Cria-se entidades bipolares e não se cria um sentimento de cultura nacional, mas segregados", defendeu Roberta Kaufmann.
Ainda de acordo com a advogada, especificamente sobre a UnB, as cotas na universidade são implementadas por meio de "tribunais raciais, de composição secreta, e com base em critérios mágicos e místicos". Para sustentar sua acusação, Kaufmann lembrou o caso envolvendo dois gêmeos univitelinos, em que um entrou na UnB pelo sistema de cotas e o outro foi rejeitado.
Indira Quaresma, por outro lado, apostou em estatísticas para provar que o sistema de cotas deve, sim, levar em consideração o tom da pele. "Ser negro, no Brasil, continua sendo motivo para estar alijado das riquezas do País. Ainda hoje há fortes resquícios do preconceito: negros têm menos tempo de estudo e ocupam posições menos vantajosas no mercado de trabalho", afirmou. "Isso reflete diretamente no ingresso deles nas universidades", completou a advogada.
Indira, que é negra, ressaltou que o debate sobre a ação afirmativa não pode ser restrito à questão social. "Há uma sensação generalizada de que os negros só fazem sucesso no Brasil pela música, pelo samba ou pelo narcotráfico. O racismo nos faz duvidar da nossa capacidade desde pequenos. O sistema de cotas é belo, necessário e distributivo", defendeu a advogada.
Entenda o julgamento
O STF analisa três ações que contestam a constitucionalidade da reserva de vagas em universidades públicas por meio das cotas raciais e o perfil do estudante apto a receber bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni). O julgamento é o primeiro comandado pelo ministro Ayres Britto, que foi assumiu a presidência da Corte na última semana
A reunião teve início com as o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada pelo DEM contra a UnB. O processo é de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. A ação contra a UnB foi ajuizada em 2009 pelo partido, que questiona a reserva de 20% das vagas na instituição a estudantes negros. Segundo o DEM, essa política fere o princípio constitucional da igualdade nas condições de acesso ao ensino superior. O programa foi instituído em 2004 e desde então atendeu mais de 5 mil alunos.
Outro tema polêmico que será julgado nesta quarta-feira é uma ação ajuizada pelo estudante Giovane Pasqualito Fialho, reprovado no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o curso de administração, embora tivesse alcançado pontuação superior à de outros candidatos. Os concorrentes que tiveram nota menor foram admitidos pelo sistema de reserva de vagas para alunos egressos das escolas públicas e negros.
Ainda está na pauta de hoje do STF a discussão em torno de políticas afirmativas com a criação do Programa Universidade para Todos (Prouni), implementado a partir de 2005. A lei determina que para receberem os benefícios do programa, as universidades privadas devem reservar parte das bolsas de estudo para alunos que tenham cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, sendo que parte das bolsas deve ser concedida a negros, indígenas e pessoas portadoras de necessidades especiais. Além disso, a renda familiar não pode ultrapassar um salário mínimo e meio para a bolsa integral e três salários para a bolsa parcial.
Segundo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem), que ajuizou a ação junto com o DEM e a Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Fenafisp), a medida provisória que originou o Prouni não atende ao princípio constitucional da isonomia entre os cidadãos brasileiros.
Terra

domingo, 22 de abril de 2012

STF - JULGA COTAS RACIAIS



Com 50 anos de atraso, Brasil discute cotas no STF

Com 50 anos de atraso, Brasil discute cotas no STFFoto: Divulgação

NESTA SEMANA, BARACK OBAMA SENTOU NO MESMO BANCO DE ÔNIBUS EM QUE ROSA PARKS DESAFIOU O RACISMO NOS EUA; POLÍTICA DE COTAS, IMPLANTADA LÁ HÁ MEIO SÉCULO, PERMITIU QUE UM NEGRO CHEGASSE À PRESIDÊNCIA; O BRASIL ENFRENTARÁ O TEMA NESTA SEMANA E PODE FIRMAR JURISPRUDÊNCIA DEFINITIVA SOBRE A QUESTÃO

22 de Abril de 2012 às 21:34
Leonardo Attuch _247 – Três dias atrás, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prestou uma homenagem a Rosa Parks, a costureira negra que, em 1955, se recusou a ceder o assento num ônibus a um homem branco. O gesto de Rosa Parks deu início à luta contra a segregação racial nos Estados Unidos e motivou homens como Martin Luther King a lutar pelo fim da discriminação. Em 1961, no governo de John F. Kennedy, políticas de ação afirmativa começaram a ser implantadas nos Estados Unidos. Quarenta e sete anos depois, Barack Obama se tornou o primeiro negro eleito para comandar a nação mais rica do mundo.
O Brasil enfrenta problemas semelhantes sempre com atraso. Enquanto a escravidão foi abolida nos Estados Unidos em 1863, por meio de um decreto de Abraham Lincoln, por aqui ela perdurou um quarto de século a mais e só foi derrubada pela Lei Áurea em 1888. Políticas de cotas no Brasil também demoraram a sair do papel e começaram a ser implantadas há cerca de uma década em universidades públicas, mas o Supremo Tribunal Federal ainda não firmou jurisprudência a respeito. O tema, no entanto, estará na pauta do STF nesta quarta-feira, no primeiro julgamento relevante da era Ayres Britto.
O STF irá julgar duas ações que questionam a política de cotas nas universidades públicas: uma movida pelo DEM e outra por um estudante branco do Rio Grande do Sul, que se sentiu prejudicado pela reserva de uma parte das vagas numa universidade a negros e pardos. No DEM, a principal voz contrária às cotas era do senador Demóstenes Torres. A eles se somavam dois outros formadores de opinião neste embate: o diretor-geral de jornalismo da Globo Ali Kamel, que escreveu o livro “Não Somos Racistas”, e o sociólogo Demétrio Magnoli, que publica artigos frequentes a respeito.
Ao que tudo indica, no entanto, o STF deverá validar as cotas. Nos últimos anos, a mais alta corte do País tem demonstrado uma postura progressista no tocante aos direitos civis, como o casamento de pessoas do mesmo sexo, a permissão de marchas em prol da liberação das drogas e, mais recentemente, a permissão do aborto de em casos específicos. No tocante às cotas, não deverá ser diferente.
Mais negros no poder
Uma vez validada pelo STF, a política de ação afirmativa tende a ganhar corpo no governo federal. A presidente Dilma Rousseff já incumbiu o economista Ricardo Paes de Barros, do Ipea e da Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidência da República a elaborar um programa de cotas para negros no primeiro escalão do serviço público.
“Implantar cotas é responsabilidade do Estado. Uma preocupação assim levaria à formação de uma elite negra de forma mais acelerada, porque estamos vendo que o acesso da população negra ao topo da sociedade brasileira ainda é limitado. Isso quer dizer que muitos talentos e valores negros não estão sendo aproveitados”, disse Paes de Barros ao jornal Valor Econômico, numa entrevista recente.
 

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MAE MARIA DO SETE


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Mãe Maria do Sete: história, tradição e dignidade


De lá de cima do Araçagi desce ela cantando, é Maria do Sete se preparando para viajar,
Roupa mais linda toda de chita, não há negra mais bonita nesse lugar,
Lá vai ela toda garbosa para seu destino encontrar e convida todas as estrelas para iluminar,
o caminho reservado para ela passar,
Mas não tem pressa, e resolve parar, na barraca da praia para o seu bolero predileto escutar,
um pássaro canta para lhe avisar: Maria, Maria não demore pois os ancestrais lhe aguardam para festejar

Mãe Maria do Sete, uma das mais importantes mães de santo do Maranhão, nos deixou para se juntar aos nossos ancestrais. Mãe Maria do Sete, integrante da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, fundou o Terreiro Kamafeu de Oxossi no Araçagi, em São Luis do Maranhão. Ela também foi guia do Terreiro de Pai Bita do Barão, em Codó.

Mãe Maria, como todas as mulheres negras também teve dificuldades criando sozinha seus filhos, mas conhecia como ninguém os encantos da vida e mais do que isso tornou-se figura emblemática do terecô em nosso país.

Mãe Maria, arquivo da nossa tradição, deixa saudades em cada um e cada uma de nós. Mas também deixa a certeza dos momentos de conquistas, de alegrias e das trocas afetivas.

Ela sabia perfeitamente o sentido de agregação e da importância da família toda unida. E é essa família, construída na Rede, que saudamos Mãe Maria do Sete.

Vamos sentir muita falta do seu sorriso.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

QUILOMBOS


Os territórios quilombolas como espaços de preservação da identidade nacional e do meio ambiente

sexta-feira, by Ascom
Regina Santos/FCP
Por Daiane Souza e Denise Porfírio
No Brasil já foram identificadas cerca de 3.000 comunidades quilombolas. Destas, mais de 1.826 são certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), totalizando cerca de 2,2 milhões de pessoas. Os exemplos de titulações concluídas devem-se à luta persistente dos movimentos em favor dos direitos quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – órgão da esfera federal, competente pela delimitação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos.
A autodefinição de uma comunidade quilombola está diretamente ligada com a relação que esse grupo étnico possui com a terra, território, ancestralidade, tradições e práticas culturais. A importância da preservação desse patrimônio assegura a potencialização de sua capacidade autônoma, seu desenvolvimento econômico, etnodesenvolvimento e a garantia de seus direitos territoriais.
Ex-consultor-geral da Advocacia-Geral da União e atual consultor legislativo do Senado Federal, Ronaldo Jorge Araujo Vieira Júnior afirma que o Decreto nº 4.887/2003 é fundamental para consolidar o direito constitucionalmente assegurado aos remanescentes das comunidades de quilombos.  E destaca que o documento é o “coração” da política pública de identificação e de demarcação de terras quilombolas.
A proteção dessas comunidades por meio da titulação de suas terras significa, ainda, a preservação da identidade nacional e também de importantes áreas de proteção ambiental, uma vez que são as comunidades tradicionais (indígenas e quilombolas) as maiores cuidadoras desses espaços.
Nesta terceira entrevista do especial  Decreto 4887/2003 – constitucionalidade da regulamentação quilombola, o mestre em Direito e Estado avalia a legislação em defesa da população negra no país e reforça a importância da Constituição de 1988 por assegurar e entender que a terra, coletivamente apropriada, é a base da cultura desses povos tradicionais bem como espaços de preservação ambiental. Confira:
Ascom/FCP – No Brasil, os direitos quilombolas partem da certificação por autodefinição e da titulação do território até que se aprove o contrário. Diante disso, como avalia a importância do Decreto 4887/2003? 
Vieira Jr - O Decreto nº 4.887/2003 é fundamental para dar concretude ao direito constitucionalmente assegurado aos remanescentes das comunidades de quilombos, visto que regulamenta o disposto no art. 68 do Ato das Disposição Constitucionais Transitórias (ADCT). A regra da autodefinição, alvo de inúmeras críticas, não é absoluta, submete-se à avaliação do Governo Federal, por intermédio da Fundação Palmares e é adequada com os tratados internacionais firmados pelo Brasil e que já integram o ordenamento jurídico nacional. O Decreto é o “coração” da política pública de identificação e de demarcação de terras aos remanescentes de quilombos, elaborado ainda no primeiro ano do Governo Lula, com o apoio de amplos segmentos da sociedade brasileira.
Ascom/FCP – O Decreto observa as normas da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Isto não o torna suficiente para cumprir o que é previsto pela Constituição?
Vieira Jr - Mais do que isto. O Governo Federal, desde o primeiro Governo do ex-Presidente Lula, adota as ferramentas disponíveis da interpretação constitucional para considerar que o art. 68 do ADCT é auto-aplicável e, portanto, não há que se falar na necessidade de lei para regulamentar o dispositivo constitucional. Basta que o Decreto fixe, como fixa, regras objetivas para identificação e demarcação de terras. Essa, inclusive, é a tese central defendida pelo Governo Federal na ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Democratas em face do Decreto 4.887/2003.
Ascom/FCP – A Proposta de Emenda Constitucional 215 propõe que passe a ser competência exclusiva do Congresso Nacional a aprovação da demarcação de “terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas” (artigo 49, inciso XVIII, acrescido) e quilombolas. Política e juridicamente, o que isso significa?          
Vieira Jr - A PEC 215, de 2000, transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional a competência para aprovar a demarcação das terras indígenas e, também, ratificar as terras já homologadas. Registre-se que a possibilidade de revisão das terras já demarcadas caiu com o parecer aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. A primeira impropriedade de natureza jurídico-constitucional, a meu ver, é atribuir competência eminentemente administrativa ao Poder Legislativo, o que definitivamente transborda de suas atribuições e viola o princípio da independência e harmonia dos Poderes. Politicamente, a proposta de alteração da Constituição Federal objetiva criar novas instâncias de deliberação sobre a matéria com o intuito de retardar ao máximo e, em algumas circunstâncias, até inviabilizar os procedimentos de demarcação de terras indígenas e quilombolas. Já existe legislação de referência suficiente sobre o tema e as balizas já estão colocadas, no caso das terras indígenas, pelo Supremo Tribunal Federal com o julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A PEC nº 161, de 2007, foi apensada e trata da limitação ao exercício dos direitos dos quilombolas. Trata-se, enfim, de obstáculo à regularização fundiária no país e à garantia do exercício de direitos constitucionalmente assegurados aos índios e aos quilombolas.
Ascom/FCP – E quanto à consideração feita pelo Partido Democratas (DEM) de que somente após a aprovação legislativa é que as terras ocupadas por esses grupos sejam inalienáveis e indisponíveis (artigo 231, parágrafo 4º, alterado), como avalia?
Vieira Jr - Essa interpretação somente será possível se aprovada a PEC 215, de 2000, e as outras que lhe estão apensadas. Todo o procedimento de demarcação somente estaria concluído com a aprovação do Congresso Nacional, mas o processo legislativo para aprovação de emenda à Constituição é bastante longo e complexo.
Ascom/FCP – O que pensa dos critérios e procedimentos vigentes para a demarcação de áreas indígenas e quilombolas?          
Vieira Jr - São critérios adequados, à luz da Constituição Federal e dos tratados internacionais firmados e incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. Ressalto que o Governo Federal, ainda em 2008, preocupou-se em eliminar distorções existentes na sistemática em vigor à época. Então, por determinação do então Presidente Lula, a Advocacia-Geral da União coordenou um grupo de trabalho composto por inúmeros órgãos e entidades federais que possuíam interface com a questão e promoveu significativas alterações nas instruções normativas do INCRA e da Fundação Palmares. Estas interfaces detalhavam o procedimento de identificação e demarcação das terras das comunidades remanescentes de quilombos para tornar o procedimento mais objetivo e mais sustentável juridicamente.  O coroamento de todo esse processo se deu com a consulta pública a representantes de trezentas comunidades remanescentes de quilombos, primeira realizada no Brasil com base na Convenção nº 169, da OIT. Nela, a despeito de todas as divergências e críticas, caminhou-se para uma maior racionalidade de todo o procedimento sem que fosse necessário alterar uma vírgula sequer do Decreto nº 4.887, de 2003.
Ascom/FCP – Quanto ao julgamento do Decreto 4887/2003 a ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal no dia 18 de abril, existe previsão quanto ao que pode ser decidido?
Vieira Jr - O que posso afirmar é que o esforço de aprimoramento da legislação, de modo a torná-la mais objetiva e razoável, levado a cabo ainda em 2008 pelo Governo Federal é uma sinalização de que alterações e melhoramentos são sempre possíveis sem que, contudo, a essência dos direitos fundamentais seja afetada.
Ascom/FCP – Outras considerações que gostaria de fazer?
Vieira Jr - Quero parabenizar o esforço de mobilização que vem sendo feito pelo Governo Federal, em especial pela Fundação Cultural Palmares, em defesa do Decreto nº 4.887, de 2003, por acreditar que a sistemática ali posta transforma em realidade a intenção do constituinte de 1988 de assegurar a propriedade da terra aos remanescentes das comunidades de quilombos, e por entender que a terra, coletivamente apropriada, é a base da cultura desses povos tradicionais. O Brasil lhes deve respeito.