Publicado há 4 horas - em 28 de dezembro de 2014 » Atualizado às 18:27 Categoria » Patrimônio Cultural
Por
que muitas das danças africanas são realizadas em círculos? Por que na
música tradicional os tambores se alternam e se repetem? O que significa
o bater contínuo de palmas? Na África, mais do que expressões
artísticas, as danças são um poderoso meio de comunicação, que traduzem e
refletem suas sociedades. Os sinais cognitivos na coreografia,
costumes, instrumentos musicais e a até mesmo disposição dos corpos
expressam profundos aspectos culturais. As danças, em todas as suas
dimensões, carregam mensagens centrais para o funcionamento e dinamismo
de uma sociedade.
Se hoje, a mídia é a formadora de opiniões do
mundo contemporâneo, as danças outrora foram encarregadas desse papel, e
ainda o são muitas vezes. Elas podem se constituir em uma forma de
autocrítica, sendo uma grande ferramenta para dirigir mudanças de
comportamento, tendo a vantagem de se comunicar sem esforços, através da
edudiversão, explica o historiador zimbabuano Pathisa Nyathi. Nesse
conjunto, elas se tornaram uma peça chave na cultura local e seus
simbolismos não apenas são contextuais, como representam a visão do
mundo e ideologia dos povos que a performam.
Não apenas os tons e
as rimas, mas também os trajes, posturas corporais, cores, arranjos,
formas e desenhos dos instrumentos musicais compartilham um aspecto em
comum: os sentidos da estética africana, expressando a inter-relação
entre a humanidade e o meio ambiente. Pathisa explica que são oito os
sentidos estéticos da dança, denominados por sentidos Welsh-Asante’s:
polirritmia, repetição, qualidade de conversação, policentrismo, sentido
curvilíneo, dimensionalidade, memória épica e sentido holístico.
No
contexto mais prático, polirritmia refere-se aos ritmos diversos por
diferentes instrumentos musicais; repetição é a reiteração de uma nota,
frase, sequência, cor, forma, movimento, bater de palmas ou pés, ou
mesmo uma dança ou música inteira; e policentrismo é o senso estético
que tem a ver com multiplicação de um movimento e/ou som, textura e cor
dentro do produto artístico. Já os outros cinco conceitos são mais
complexos, tratando-se de perspectivas culturais.
Qualidade de
conversação é o sentido que reitera a importância da conversa durante
uma performance, podendo significar a simples troca de palavras durante a
música cantada até a conversa entre instrumentos como os tambores, que
são tocados alternadamente para reproduzir tal efeito. Outro importante
aspecto é o sentido curvilíneo, que representado com a forma, figura ou
estrutura curva nos produtos artísticos e na posição dos corpos, é
diretamente relacionado com os conceitos-guia das sociedades africanas
de continuidade e fertilidade.
O sexto conceito é a
dimensionalidade, que tem a ver com a impressão e emoção que um
participante sente, ouve ou vê através de um produto artístico. Trata-se
de uma experiência extrassensorial. É uma dimensão percebida. Já a
memória épica tem em si uma grandeza metafísica, tratando-se das
memórias e lembranças que são proporcionadas durante uma dança, em que
sentimentos, experiências, ethos e pathos são recuperados. Por fim, o
sentido holístico, que é o efeito de todo o conjunto da dança. Sons,
cores, movimentos: tudo consumido ao mesmo tempo como um todo, formando
uma unidade artística.
Na análise da Woso, dança da chuva no
Zimbábue, por exemplo, de diversas maneiras os sentidos estéticos são
reproduzidos. O batuque simboliza trovões, os chocalhos amarrados nas
pernas dos dançarinos criam a ambientação das gotas de chuvas, as roupas
são em branco e preto simbolizando as cores das nuvens, os trajes são
confeccionados com penas de avestruz também em preto e branco,
representando novamente as cores das nuvens, mas também as cores dos
pássaros migratórios, símbolos de chuva na cultura local. E a chuva, ou
seja, o conjunto simboliza a fertilidade da terra, que em termos
culturais, significa a continuidade da espécie humana.
Pathisa
explica que não é possível falar da fertilidade do homem sem falar da
fertilidade da terra. Só com a chuva, a terra é fértil e só com a terra
fértil, o homem subsiste. Nesse contexto, a preocupação no caso da Woso é
a ideia de continuidade e preservação da espécie. A dança se torna
assim um santuário para a fertilidade. O historiador observa ainda que
nas sociedades africanas, a arte tem um propósito, uma função e que a
dança, associada tanto a eventos sagrados quanto profanos, desempenha um
papel crucial na educação, entretenimento, política e religião. E assim
conclui: “A dança é uma explosão da experiência emocional. A dança é um
microcosmo de uma sociedade em particular. É a sociedade em movimento. E
é lindo”.
A formação histórica do português brasileiro deu-se em
complexo contexto de
contato entre línguas. Dentre as diversas situações de contato havidas, a
do
português com línguas africanas assume maior relevância por ter sido
generalizada
no tempo e no espaço. Africanos e afro-descendentes, no período que se
estende do
século XVII ao século XIX, correspondem juntos a cerca de 60% da
população
brasileira (cf. MUSSA, 1991). Contudo, a escrita da história lingüística
deste que é o mais expressivo segmento formador da população brasileira
era tarefa que se
colocava no plano de uma reconstrução quase que exclusivamente a partir
de
'indícios', uma tarefa não para historiadores, mas para arqueólogos da
língua
portuguesa (cf. MATTOS E SILVA, 2002) (trecho retirado da Introdução do
livro).
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Europeus devem desculpas e reparação por escravidão
Os
países da Europa com responsabilidade histórica no tráfico de escravos
da África para a América e devem desculpas e reparar de alguma maneira
o dano que causaram a milhões de seres humanos, afirmou nesta
sexta-feira (12) uma especialista das Nações Unidas.
Holanda, Reino Unido, Espanha, Portugal e França praticaram o comércio transatlântico de escravos
"Seria um ato de justiça, chave para marcar o caminho para o fim
da discriminação racial", assinalou em declarações exclusivas à Prensa
Latina a acadêmica jamaicana Verene Shepard, a propósito do lançamento
há dois dias da Década Internacional para os Povos de Descendência
Africana.
De acordo com a integrante do Grupo de Trabalho da ONU sobre os
afrodescendentes, a desculpa e as compensações devem ser produzidas
antes da conclusão em 2024 do decênio estabelecido pela Assembleia
Geral, para promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais de
um setor populacional açoitado pela marginalização e a intolerância.
Holanda, Reino Unido, Espanha, Portugal e França praticaram o comércio
transatlântico de escravos, um fenômeno que segundo as Nações Unidas
afetou cerca de 15 milhões de homens, mulheres e crianças.
Além da desculpa e da reparação, Verene destacou a importância da
educação para superar o flagelo do racismo e seu forte impacto no
desenvolvimento político, econômico e social dos afrodescendentes.
O tema tem várias arestas, desde mudar muitos livros com textos que não
refletem a contribuição da África à humanidade até a necessária formação
que permita o empoderamento das crianças de hoje, afirmou.
A especialista do Grupo de Trabalho criado em 2002 por mandato da
Conferência Mundial contra o Racismo, Durban-2001, também mencionou a
urgência de reformar os sistemas de justiça, para que se convertam em
agentes impulsionadores da igualdade.
Falamos de revisar as constituições, emitir leis e deixar de perseguir
os negros como resultado de um perfil racial com frequência dominante
nas autoridades encarregadas do controle policial ou das fronteiras,
sublinhou.
Verene considerou que se materializassem estas ações e a vontade de
mudança nos governos e nos cidadãos, a Década Internacional para os
Povos de Descendência Africana poderia representar uma grande
contribuição na luta por eliminar a discriminação por motivos de raça.
Em vídeo, Samuel L. Jackson desafia celebridades a cantar música contra racismo da polícia
Publicado há 1 minuto - em 15 de dezembro de 2014 » Atualizado às 10:32 Categoria » Casos de Racismo
O ator Samuel L. Jackson (“Os Vingadores”, “Pulp Fiction”) não se calou diante da morte de dois jovens negros (leia aqui e aqui) pela polícia americana. Os policiais foram declarados inocentes pela corte de seus respectivos estados, causando uma indignação nos Estados Unidos como se via há muito tempo. Por Rodrigo Salem no Yahoo
Neste domingo (14), o astro divulgou um vídeo desafiando “todas as celebridades que jogaram um balde de água fria na cabeça” a cantar uma música contra o racismo da polícia, usando a frase de protesto “Eu não consigo respirar”, últimas palavras de Eric Garner antes de morrer com um golpe considerado ilegal aplicado por um policial em Nova York.
A letra é mais ou menos assim:
“Eu
posso ouvir meu vizinho chorando, “Eu não consigo respirar”/ Agora
estou numa batalha e “não posso sair”/ Denunciando a violência da
polícia racista/ Não vamos parar até as pessoas serem livres.”
Por causa disso, Jackson virou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais no fim de semana. Nenhum artista ainda respondeu ao desafio.
Jogar balde com água gelada é fichinha quando você defende o combate à
uma doença. Quero ver quem vai tomar posicionamento contra um assunto
tão polêmico nos EUA quanto à violência policial.
Veja o vídeo abaixo:
Os maiores percentuais entre os que levam até mais
de duas horas de casa ao trabalho são registrados nas áreas urbanas e
entre a população negra, revela o Sistema Nacional de Indicadores em
Direitos Humanos Por Mariana Tokarnia, da Agência Brasil
A maior parte da população brasileira leva até 30 minutos para chegar
ao trabalho e uma minoria gasta mais de uma hora nesse deslocamento. Os
maiores percentuais entre os que levam até mais de duas horas de casa
ao trabalho são registrados nas áreas urbanas e entre a população negra,
revela o Sistema Nacional de Indicadores em Direitos Humanos, cuja
primeira divulgação foi feita na quinta-feira (11) pela Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República.
Os dados foram coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e objetivam a criação de indicadores que contribuam
para a efetividade de políticas públicas destinadas à garantia de
direitos humanos.
Segundo o levantamento, 66,2% da população levam até 30 minutos no
trajeto de casa para o local de trabalho; 23,1% gastam de 30 minutos a
uma hora; 8,4%, de uma a duas horas e 2,2%, mais de duas horas. Os
percentuais têm se mantido praticamente constantes desde 2004.
A Região Sudeste registra os maiores tempos de deslocamento. Conforme
os dados, 59,4% levam até 30 minutos, 26,5%, de 30 minutos a uma hora,
11,1% entre uma e duas horas e, 2,9%, mais de duas horas. No Sul, 76,7%
levam até 30 minutos, 18,1% de 30 minutos a uma hora, 4,3% entre uma e
duas horas e 0,9% mais de duas horas.
As pessoas que vivem nas cidades sofrem mais com o deslocamento.
Dessas, 8,8% levam de uma a duas horas e 2,3% mais de duas horas para
chegar ao trabalho. No campo, apenas 4,4% gastam de uma a duas horas e
1,6%, mais de duas horas.
O levantamento também mostra diferenças entre negros e brancos. Da
população negra, 9,2% gastam entre uma e duas horas e 2,4% mais de duas
horas para chegar ao trabalho. Entre os brancos, os percentuais são,
respectivamente, 7,7% e 2%.
Os dados fazem parte do Sistema Nacional de Indicadores em Direitos
Humanos e objetivam monitorar e mensurar a realização progressiva dos
direitos humanos no Brasil. Está prevista para os próximos meses a
divulgação de estudos referentes à alimentação adequada, educação e
participação em assuntos públicos, entre outros direitos. Foto de capa: Tomaz Silva/Agência Brasil
Campanha contra racismo no SUS dá voz a quem sofre preconceito, diz ONG
Publicado há 2 semanas - em 30 de novembro de 2014 » Atualizado às 11:08 Categoria » Saúde
Aline Leal Fábio Massalli
Ativistas
do movimento negro não viram sentido no repúdio que o Conselho Federal
de Medicina (CFM) manifestou à campanha contra o racismo no Sistema
Único de Saúde (SUS). Segundo a coordenadora da organização não
governamental (ONG) Criola, Lúcia Xavier, várias entidades já
reconheceram que existe racismo no SUS e a campanha é uma forma de dar
voz à população que enfrenta o problema.
“Quando a gente fala em
discriminação, não quer dizer que um negro entra no posto e é xingado. O
que a gente acentua é a discriminação que tem por base o modo como a
instituição promove os serviços e olha para a pessoa, não escuta as
queixas, não a trata com cidadania, sabe que a população negra tem
alguns agravos na saúde por causa da raça, e isso não é levado em
consideração”, explicou Lúcia. Para ela, a manifestação do CFM é
descabida, pois a campanha vem enfrentar um problema reconhecido pelo
Ministério da Saúde e outras entidades.
A coordenadora ressalta
que o problema de racismo no SUS não tem origem especificamente nos
médicos, é de todo o sistema. Os negros sofrem muito por causa de uma
cultura institucional que trata essas pessoas de forma discriminatória,
disse a ativista. Segundo ela, a campanha está entre uma série de ações
do governo que visam ao combate do racismo institucional.
O
coordenador de Comunicação da Associação Paraibana de Portadores de
Anemias Hereditárias e membro do Conselho Estadual de Promoção da
Igualdade Racial da Paraíba, Dalmo Oliveira, a campanha é muito
importante para o combate ao racismo. “O racismo institucional leva a um
despreparo dos profissionais para lidar com as doenças que tem maior
incidência na população negra”, defende.
Oliveira também diz que o
movimento negro não acusa especificamente os médicos e enfermeiros de
racismo. Na avaliação dele, o sistema funciona de forma que estes
profissionais muitas vezes não escutem ou acreditem nos relatos dos
pacientes negros.
O ativista conta que há diversos relatos de
pacientes negros que tiveram seu estado de saúde negligenciado porque os
profissionais de saúde pensam que a população negra é mais resistente à
dor do que a não negra. “Eles acabam negando o analgésico, achando que a
gente está exagerando na dor. Isso também acontece em situações de
parto, como se as mulheres negras estivessem preparadas para aguentar
mais dor que as não negras”, ressaltou o coordenador.
Na última
quinta-feira (25), o Ministério da Saúde lançou a primeira campanha
publicitária que busca envolver usuários do SUS e profissionais de saúde
no enfrentamento ao racismo institucional. Com o slogan “Racismo faz
mal à saúde. Denuncie!”, a iniciativa visa a conscientizar a população
de que a discriminação racial também se manifesta na saúde.
Dados
do Ministério da Saúde mostram que as taxas de mortalidade materna
infantil entre a população negra são superiores às registradas entre
mulheres e crianças brancas. Os números mostram que 60% das mortes
maternas ocorrem entre mulheres negras e 34% entre mulheres brancas.
A
campanha prevê ainda que, por meio do Disque Saúde 136, as pessoas
possam denunciar qualquer situação de racismo que tenham presenciado,
além de se informar sobre doenças mais comuns entre a população negra e
que exigem maior acompanhamento, como a doença falciforme e o diabetes
tipo 2.
O CFM repudiou a campanha alegando que o Ministério da
Saúde está driblando o foco do problema, que, para eles, é a falta de
estrutura do SUS, que atinge pacientes de todas as raças. O conselho
ainda disse que, pelo Código de Ética Médica, estes profissionais não
podem diferenciar pacientes por razão de herança genética.
Contra o genocídio da população negra: subsídios técnicos e teóricos para Psicologia
Publicado há 2 dias - em 12 de dezembro de 2014 » Atualizado às 12:14 Categoria » Artigos e Reflexões
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Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, entre as ações permanentes da gestão, a publicação da série Cadernos Temáticos do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho em diversos campos de atuação da Psicologia.
Essa iniciativa atende a vários objetivos. O primeiro deles é concretizar um dos princípios que orienta as ações do CRP SP, o de produzir referências para o exercício profissional de psicólogos (as); o segundo é o de identificar áreas que mereçam atenção prioritária, em função de seu reconhecimento social ou da necessidade de sua consolidação; o terceiro é o de, efetivamente, garantir voz à categoria, para que apresente suas posições e questionamentos acerca da atuação profissional, garantindo, assim, a construção coletiva de um projeto para a Psicologia que expresse a sua importância como ciência e como profissão.
Esses três objetivos articulam-se nos Cadernos Temáticos de maneira a apresentar resultados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP que contaram com a experiência de pesquisadores (as) e especialistas da Psicologia para debater sobre assuntos ou temáticas variados na área. Reafirmamos o debate permanente como princípio fundamental do processo de democratização, seja para consolidar diretrizes, seja para delinear ainda mais os caminhos a serem trilhados no enfrentamento dos inúmeros desafios presentes em nossa realidade, sempre compreendendo a constituição da singularidade humana como fenômeno complexo, multideterminado e historicamente produzido. A publicação dos Cadernos Temáticos é, nesse sentido, um convite à continuidade dos debates. Sua distribuição é dirigida a psicólogos(as), bem como aos diretamente envolvidos com cada temática, criando uma oportunidade para a profícua discussão, em diferentes lugares e de diversas maneiras, sobre a prática profissional da Psicologia.
Este é o 14º Caderno da série. O seu tema é “Contra o genocídio da população negra: subsídios técnicos e teóricos para Psicologia”.
Outras temáticas e debates ainda se unirão a este conjunto, trazendo para o espaço coletivo, informações, críticas e proposições sobre temas relevantes para a Psicologia e para a sociedade.
A divulgação deste material nas versões impressa e digital possibilita a ampla discussão, mantendo permanentemente a reflexão sobre o compromisso social de nossa profissão, reflexão para a qual convidamos a todos (as).
XIV Plenário do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
ADAMANTINA QUER DE VOLTA PADRE AFASTADO APÓS RACISMO
William Cardoso e Fábio Pagotto
do Agora
Adamantina – A pequena Adamantina (578 km de SP) entrou em pé de guerra depois do anúncio de que seu primeiro padre negro, Wilson Luís Ramos, 50 anos, seria afastado do posto, em uma trama que envolveu racismo e luta de classes na Paróquia de Santo Antônio de Pádua.
O ponto alto da polêmica se deu no domingo passado, quando o bispo dom Luiz Antonio Cipolini, da diocese de Marília (435 km de SP), teve que deixar a matriz de Adamantina escoltado pela PM.
Cipolini foi o responsável pela decisão de afastar o padre, que deixou o cargo na terça e deve assumir uma paróquia de Dracena (634 km de SP).
Eles foram vítimas de 30 mil assassinatos em 2012; do total de mortes,
77% eram negros, o que denuncia um genocídio silenciado de jovens
negros, afirma Atila Roque, da Anistia Internacional
Silhuetas de corpos desenhadas no Rio de Janeiro alertam para assassinatos de jovens negros
Matou-se mais no Brasil do que nas
doze maiores zonas de guerra do mundo. Os dados são da Anistia
Internacional no Brasil e levam em conta o período entre 2004 e 2007,
quando 192 mil brasileiros foram mortos, contra 170 mil espalhados em países como Iraque, Sudão e Afeganistão.
Os números surpreendem e são um reflexo de uma "cultura de violência marcada pelo desejo de vingar a sociedade", conta Atila Roque, diretor-executivo da base brasileira da Anistia Internacional. De
acordo com os últimos levantamentos feitos pelo grupo, 56 mil pessoas
foram assassinadas em solo brasileiro em 2012, sendo 30 mil jovens e,
entre eles, 77% negros.
Esses índices, segundo ele, são resultado de uma política de
criminalização da pobreza e de uma indiferença da sociedade em torno de
um "genocídio silenciado" que muitas vezes fica impune. "Entre 5 e
8% dos homicídios no Brasil chegam a virar processo criminal. Então, na
verdade, matar no Brasil virou um crime quase que impune", afirma
Roque. "Ou seja, processos sobre os homicídios também são seletivos."
Do outro lado desse processo, o racismo introjetado nos
profissionais de segurança pública explica a alta mortandade da
população negra. Para Roque, esses policiais são vítimas do mesmo
preconceito que reproduzem. "Essa sociedade que constrói
uma visão estereotipada sobre sua população, em particular a jovem negra
de periferia, vê o policial como parte desses cidadãos de segunda
classe", argumenta. CartaCapital conversou com o diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil sobre a campanha "Jovem Negro Vivo", cujo objetivo é sensibilizar a sociedade para o tema da violência direcionada aos jovens, em especial negros, no Brasil. CartaCapital: O Mapa da Violência de 2014 da
Unesco mostra que há uma queda de 32,3% no número de homicídios de
jovens brancos, enquanto o percentual de homicídios de jovens negros
cresceu na mesma proporção, com um aumento de 32,4%. O que isso indica? Atila Roque: Essa é uma tendência não só de 2014. Se
olharmos os dados dos últimos dez anos, é certamente isso que você vai
encontrar. Entre jovens brancos, com idade entre 16 a 29 anos, há uma
redução na taxa de homicídio da ordem de 33%. Quando considerarmos os
homicídios de jovens negros, na mesma faixa de idade, é como se
olhássemos para um espelho invertido. A partir disso, quando olhamos a
linha de crescimento de homicídios no Brasil, a conclusão imediata é que
o crescimento das mortes está muito sustentado na morte do jovem negro.
Se a tendência de redução que encontramos nas mortes de jovens
brancos prevalecesse, estaríamos em um processo de redução das taxas de
homicídio, o que não está acontecendo. Estamos há mais de dez anos na
faixa de 50 mil homicídios por ano, o que é um número absolutamente
espantoso, mesmo comparando com situações de guerra e conflitos.
Isso também sugere que a sociedade brasileira está claramente
admitindo que não se importa, pelo silêncio e pela indiferença. Está
dizendo que o jovem negro pode morrer e que há um tipo de pessoa que é
“matável”. Isso tem muito dos nossos preconceitos e dos estereótipos que
formam a visão do Estado e da sociedade em relação a seus cidadãos.
CC: A sociedade não se importa ou não sabe? AR: Não saber é relativo. Primeiro porque esses
dados existem pelo menos desde 1981. Então, a sociedade como um todo, e
isso inclui os órgãos de imprensa e as entidades estatais responsáveis
por políticas públicas, não pode alegar desconhecimento. Essa série de
dados que é proveniente do registro do Sistema Único de Saúde já vem
sendo feita há 30 anos. Por isso conseguimos traçar tantas tendências e
fazer paralelos. O Brasil tem os dados. O problema é em que medida esses
dados são apresentados à população e com que dramaticidade. A verdade é
que, se analisarmos, com raríssimas exceções, a cobertura que a grande
imprensa dá, notamos um grande silenciamento. Isso raramente chega até
as manchetes dos jornais. CC: Diferentemente de outros países... AR: A barbaridade do caso Ferguson,
por exemplo, causou um escândalo nos Estados Unidos e no Brasil também.
Alguns jornais brasileiros deram quatro páginas para o caso. Por outro
lado, há três semanas, tivemos um episódio em Duque de Caxias, no Rio de
Janeiro, em que cinco jovens foram executados em uma esquina. Isso
gerou um pedaço de notícia minúsculo.
Não quero culpar a imprensa, isso faz parte de uma situação complexa
em que a imprensa responde às prioridades da sociedade, o que sugere que
a sociedade não está mesmo prestando atenção para esse tipo de caso.
Assim, temos um ciclo vicioso. O dado sai naturalizado. É como se as
pessoas dissessem “puxa, que pena, mas eles tinham que morrer mesmo”.
CC: Por que espanta quando a notícia é Ferguson e não espanta se acontece em Duque de Caxias? AR: Porque em Ferguson a reação da sociedade foi de
outra ordem, saiu às ruas, indignou o país. Em Duque de Caxias, a
notícia fica na cidade. Essa tem sido, infelizmente, a dura rotina de
quem é vítima da violência. Existe um olhar da sociedade sobre o jovem
negro, morador da periferia, que é “ele vai morrer, ele vai entrar no
crime, ele vai se envolver em situação de conflito”, então, quando
acontece, é como se o destino já estivesse traçado. E, na verdade, não
está. O destino desse jovem é viver e não morrer. CC: Existe algum levantamento da polícia que
tipifica o tipo de crime pelo qual esses jovens negros, que estão sendo
mortos, respondem? AR: Eu não conheço esse dado, mas o que eu posso
dizer é que existe um índice muito alto de prisões por crime contra a
propriedade – roubo, assalto, e delitos pequenos em comparação com
crimes letais – e tráfico de drogas. A gente sabe que o Brasil pune o
peixe pequeno e o usuário pobre e morador de periferia. Estes são
enquadrados como traficantes, enquanto os grandes traficantes, às vezes,
são enquadrados como usuários. O Brasil prende muito.
Assim como a violência é seletiva, a Justiça também é e a impunidade é
mais ainda. Desde a República Velha há o dizer: “Aos amigos, tudo; aos
inimigos, a lei”. De certa maneira é isso o que acontece no sistema de
justiça no Brasil. Como pode-se falar em impunidade se temos a quarta
maior população prisional do mundo? É um espanto. Prende-se quem, por
quê?
Ao mesmo tempo, entre 5 e 8% dos homicídios no Brasil chegam a virar
processo criminal. Então, na verdade, matar no Brasil virou um crime
quase que impune. Só vira inquérito quando é quase em flagrante, ou
seja, quando o crime é passional ou de trânsito, aquele crime que todo
mundo viu. Ou seja, processos sobre os homicídios também são seletivos.
CC: O Brasil tem a quarta maior população
carcerária do mundo e o País é conhecido por não conseguir recuperar os
seus presos e reinseri-los na sociedade. Partindo desse princípio, qual é
o futuro de um jovem negro que vai preso, hoje, no Brasil? AR: Hoje, infelizmente, com a exceção daqueles que
conseguem nadar contra a corrente, por força pessoal ou pelo apoio
familiar, a chance é a pessoa sair mais desacreditada em relação à
sociedade e pior. O sistema piora as pessoas. A maior parte das pessoas
vai presa sem ter cometido um crime violento, ou seja, sem histórico de
violência ou vínculo com o crime organizado. Ao entrar na prisão, ele é
submetido à violência do sistema prisional, ao controle das prisões
pelas facções criminosas e é empurrado a aprofundar seu envolvimento com
o crime. E, além de tudo, o jovem sai do sistema com o estigma de quem
foi preso.
A lei de execução penal, embora bastante razoável, não é aplicada no
Brasil. Não se opta por penas alternativas porque ainda temos uma
cultura muito marcada pela vontade de vingar a sociedade. Além disso,
40% da população carcerária está em prisão provisória, ou seja, nem
sequer passaram por um julgamento. A maioria dessas pessoas seria
submetida a penas de trabalho comunitário ou seria inocentada, sem a
necessidade de ter sido presa. Isso mostra o grau de injustiça e
perversidade contido no sistema. CC: É possível mensurar o número de morte de jovens cometidas pelo Estado? AR: Estamos bastante mal na coleta de dados de
letalidade provocada pelo Estado. Nós sabemos muito pouco sobre quem foi
morto pela polícia. A coleta é imperfeita. A maior parte dos estados
não coleta, coleta mal ou não divulga. Isso no País que tem uma das
polícias que mais matam no mundo. E, para fazer justiça, é uma das
polícias que mais morrem também. CC: É justo afirmar que as instituições policiais
brasileiras apresentam um racismo crônico e que existe deficiência na
formação policial? AR: Eu acho justíssimo. Vejo os profissionais de
segurança como vítimas dessa máquina de matar. Eles são profissionais
que não são reconhecidos pela sociedade, a sociedade olha para eles como
aqueles que fazem o serviço sujo. Essa sociedade que constrói uma visão
estereotipada sobre sua população, em particular a jovem negra de
periferia, vê o policial como parte desses cidadãos de segunda classe.
Eles são mal pagos, mal treinados, mal equipados.
Eles não têm apoio psicológico ou de saúde. Suas famílias ficam quase
desamparadas quando um deles morre. Eles são vítimas. São, em sua
maioria, jovens e, no caso da Polícia Militar, negros. E pagam o preço
por estarem na ponta do sistema, quando a verdade é que são vítimas
também.
Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas com o Fórum de
Segurança Pública, há dois anos, mostra que ninguém deseja mais a
reforma do sistema de segurança do que o próprio policial. Ele é a favor
da desmilitarização, ele se manifesta a favor da reforma da polícia,
ele está insatisfeito por não ter uma carreira única.
Temos um sistema caótico e devemos revisitá-lo sob a perspectiva de
que segurança pública é um direito de todos. O profissional de segurança
pública deveria ser considerado pela sociedade tão ou mais importante
quanto um médico, porque é ele quem tem o monopólio da violência para
proteger os outros. CC: Com exceção de 2014, que foi um ano de
desaceleração econômica, o Brasil tem vivido um ciclo de crescimento e
maior inclusão social, no qual o jovem pobre tem um acesso ampliado ao
Ensino Superior e goza de um processo de maior distribuição de renda.
Diante disso, por que o número de homicídios entre pobres e negros não
cai? AR: Esse talvez seja o maior paradoxo que estamos
vivendo enquanto sociedade. Isso desmente o que se dizia no passado que
é: basta resolver a questão social e promover inclusão que a violência
automaticamente vai diminuir. O que estamos vendo no Brasil é que a
dinâmica da desigualdade, da distribuição dos bens e da violência
obedece a outros critérios que não são apenas a inclusão. É claro que a
inclusão é um fator importantíssimo, mas provavelmente o que estamos
assistindo é que a mesma família que se beneficia da inclusão também
paga o preço entre os seus.
A conclusão que os estudos têm demonstrado é que, se não priorizarmos
uma política inclusiva e responsável de política pública, junto com uma
política de redução da desigualdade, não é possível reverter essa
situação.
A dinâmica da violência está associada aos problemas históricos do
campo da política de segurança no Brasil. Temos uma tradição de
criminalização da pobreza, de definição de guerra ao jovem pobre, que só
foi agravada com a ditadura militar e que não foi alterada de forma
substantiva com a democracia. CC: Existe uma estimativa do número de jovens que morrem no Brasil por dia? AR: Algo em torno de 82 jovens entre 16 e 29 anos a
cada 24 horas. Isso não estar nas páginas dos jornais é algo espantoso.
Para que se tenha uma ideia do que significa, imagine que a cada dois
dias caia um avião cheio de jovens. Entre eles, 93% são do sexo
masculino e 77% são negros. E a sociedade não dá uma só notícia. Na
verdade, esse deveria ser o único assunto. Nós não devíamos falar de
mais nada no Brasil. É uma tragédia de proporções escandalosas.
CC: O Estatuto do Desarmamento está para ser
revisto em uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Na sua
opinião, a revisão do Estatuto influenciaria nesse número de mortos? AR: No caminho que está tomando, sem dúvida nenhuma.
Mais de 90% das 56 mil mortes são causadas por armas de fogo. É muito
fácil colocar a mão em um revólver no Brasil. Essas pessoas todas estão
morrendo com armas de fogo de muito fácil acesso, não estamos falando de
armas altamente sofisticadas como o noticiário sugere. Ao se pensar que
essa legislação corre o risco de ser ainda mais flexibilizada, isso se
torna uma coisa inclassificável do ponto de vista de uma sociedade que
valoriza a vida. É uma loucura. CC: E o que fazer para alterar esse cenário de genocídio não divulgado entre os jovens? AR: A Anistia Internacional no Brasil lançou uma
campanha chamada “jovem negro vivo”. Nós tomamos essa decisão porque
poucos temas na área dos Direitos Humanos, da democracia e da cidadania
tem tanta importância quanto essa situação de quase extermínio cotidiano
que a população jovem, em especial jovem negra, está vivendo.
Acreditamos que o Brasil precisa fazer com a questão dos homicídios de
jovens a mesma coisa que fez com a fome.
Hoje, o Brasil saiu do mapa da fome. Houve uma mudança concreta no
momento em que a sociedade despertou para esse problema e colocou isso
na sua lista de mais altas prioridades. A Anistia está convidando para a
mobilização, para que a sociedade brasileira coloque a questão dos
homicídios de jovens, em especial os negros, como prioridade e retire o
Brasil do mapa de homicídios. O manifesto já está no site.
Esperamos que em cinco anos, ou até menos, nós possamos acordar e dizer
que nós, como sociedade, tomamos a decisão de romper o pacto de
silêncio e acabar com essa epidemia da indiferença que está matando
tantos jovens.