domingo, 4 de janeiro de 2015

A história do holocausto negro


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A HISTÓRIA DO HOLOCAUSTO NEGRO


Aos pés da Providência, antigo cemitério de crianças escravas mortas em navios negreiros vira museu e preserva a memória do período
A casa de Merced Guimarães virou museu. FOTO: ESTEFAN RADOVICZ
A casa de Merced Guimarães virou museu. FOTO: ESTEFAN RADOVICZ
Um tapa na cara. Quem passa pelo número 36 da Rua Pedro Ernesto, na Gamboa, nos fundos da Providência, não faz ideia da histórica tristeza que o casarão abriga. Lá funcionou um cemitério de crianças escravizadas na África que chegavam mortas ao Brasil, após a longa travessia pelo Atlântico. Ao menos 50 mil ‘pretos novos’ (daí o nome) foram sepultados no terreno entre os séculos 18 e 19 — alguns vivos, segundo a história. Hoje o lugar se transformou num museu, formalmente conhecido como Instituto Pretos Novos. O antropólogo italiano André Cialo, 40 anos, é um dos mais de oito mil visitantes assíduos que o instituto recebe anualmente. “Estou fazendo minha tese de pós-doutorado baseado nos sindicatos de ex-trabalhadores de café. Então sempre passo por aqui procurando algum dado, alguma informação”, diz.
O que hoje é um centro de estudos tido como referência no mundo inteiro, foi uma triste mancha, um verdadeiro holocausto negro que acabou enterrado sob toneladas de cimento e transformado em habitação de senhores. Sua história é curiosa. Em 1990, a empresária Merced Guimarães e seu marido compraram a casa perto do Centro, para criar as filhas pequenas. Durante a reforma, descobriram várias ossadas e, após pesquisas, a revelação: estavam sobre um sítio arqueológico de triste memória.
Hoje, parte dos achados está espalhada aos pés dos visitantes, encravados no piso, onde foram escavados e protegidos por redomas de vidro. Tudo pode ser fotografado, tudo está ao alcance dos olhos.
“As crianças vinham nos navios negreiros, ficavam doentes e ninguém queria cuidar delas. Então, quando desembarcavam, jogavam aqui”, narra Merced. Jogar não é uma maneira informal de dizer: é exatamente o que acontecia. Tamanho é o espanto da equipe que Merced faz questão de apresentar a casa e documentos que comprovam as suas falas. Ela mostra o trecho de uma carta em que um missionário narra como eram os sepultamentos: “Causa horror ao mais indiferente passante. Sem esquife, muitas vezes sem a menor peça de roupa, são atirados numa cova que nem tem dois pés de profundidade. Dois negros conduzem o morto para a sepultura, em uma padiola ou rede presa a comprida vara, atiram-no no buraco, como a um cão morto, põem um pouco de terra solta por cima e então (…) socam-no com pesados tocos de madeira, de forma que acaba formando-se um horrível mingau de terra, sangue e excrementos”, narra C. Seidler (1834).
As lágrimas caem dos olhos de Merced. Anos se passaram, mas ela não se acostuma. “Impossível ficar indiferente, mesmo após tantos anos. As crianças eram consideradas menos que nada.” É difícil não chorar junto. Para quem quer entender um pouco do Brasil, do Rio e das favelas, uma passada pelo Museu dos Pretos Novos é fundamental. Lá, tudo é permitido — até chorar.
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