Há 15 anos, o ativista refletia sobre o significado da data e rechaçava a possibilidade de comemoração
Do Geledés
Abdias Nascimento chamou o 13 de maio de “mentira cívica” em seu discurso no plenário do Senado (Foto: Divulgação)
Abdias Nascimento era senador no dia 13 de maio de 1998. O Brasil
completava 110 anos de abolição da da escravidão. Neste dia, o então
parlamentar subiu até o plenário e proferiu um discurso em que refuta a
comemoração pela data e chama de “mentira cívia” o seu significado.
Confira na íntegra o discurso.
O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ. Pronuncia o seguinte
discurso.) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, sob a proteção de
Olorum, inicio este meu pronunciamento.
Na data de hoje, 110 anos passados, a sociedade brasileira livrava-se
de um problema que se tornava mais agudo com a proximidade do século
XX, ao mesmo tempo em que criava condições para o estabelecimento das
maiores questões com que continuamos a nos defrontar às vésperas do
Terceiro Milênio. Assim, a 13 de Maio de 1888, a Princesa Isabel, então
regente do trono em função do afastamento de seu pai, D. Pedro II,
assinava a lei que extinguia a escravidão no Brasil, pondo fim a quatro
séculos de exploração oficial da mão-de-obra de africanos e
afro-descendentes nesta Nação, mais que qualquer outra, por eles
construída.
Durante muito tempo, a propaganda oficial fez desse evento histórico
um de seus maiores argumentos em defesa da suposta tolerância dos
portugueses e dos brasileiros brancos em relação aos negros,
apresentando a Abolição da Escravatura como fruto da bondade e do
humanitarismo de uma princesa. Como se a história se fizesse por
desígnios individuais, e não pelas ambições coletivas dos detentores do
poder ou pela força inexorável das necessidades e aspirações de um povo.
A tentativa de
vender a abolição como produto da
benevolência de uma princesa branca é parte de um quadro maior, que
inclui outras fantasias, como a “colonização doce” – suave apelido do
massacre perpetrado pelos portugueses na África e nas Américas – e o
“lusotropicalismo”, expressão que encerra a contribuição lusitana à
construção de uma “civilização” tropical supostamente aberta e
tolerante. Talvez do tipo daquela por eles edificada em Angola,
Moçambique e Guiné-Bissau, quando a humilhação e a tortura foram
amplamente usadas como formas de manter a dominação física e psicológica
de europeus sobre africanos.
Na verdade, o processo que resultou na abolição da escravatura pouco
tem a ver com as razões humanitárias – embora essas, é claro, também se
fizessem presentes. O que de fato empurrou a Coroa imperial a libertar
os escravos foram, em primeiro lugar, as forças econômicas subjacentes à
Revolução Industrial, capitaneadas por uma Inglaterra ávida de mercados
para os seus produtos manufaturados. Explicam-se desse modo as pressões
exercidas pela Grã-Bretanha sobre o Governo brasileiro, especialmente
no que tange à proibição do tráfico, que acabaria minando os próprios
alicerces da instituição escravista. Outro fator fundamental foi o
recrudescimento da resistência negra, traduzido no pipocar de revoltas
sangrentas, com a queima de engenhos e a destruição de fazendas, que se
multiplicaram nas últimas décadas do século XIX, aumentando o custo e
impossibilitando a manutenção do sistema.
Foi assim que chegamos ao 13 de maio de 1888, quando negros de todo o
País – pelo menos nas regiões atingidas pelo telégrafo – puderam
comemorar com euforia a liberdade recém-adquirida, apenas para acordar
no dia 14 com a enorme ressaca produzida por uma dúvida atroz: o que
fazer com esse tipo de liberdade? Para muitos, a resposta seria
permanecer nas mesmas fazendas, realizando o mesmo trabalho, agora sob
piores condições: não sendo mais um investimento, e sem qualquer
proteção na esfera das leis, o negro agora era livre para escolher a
ponte sob a qual preferia morrer. Sem terras para cultivar e enfrentando
no mercado de trabalho a competição dos imigrantes europeus, em geral
subsidiados por seus países de origem e incentivados pelo Governo
brasileiro, preocupado em branquear física e culturalmente a nossa
população, os brasileiros descendentes de africanos entraram numa nova
etapa de sua
via crucis. De escravos passaram a
favelados, meninos de rua, vítimas preferenciais da violência policial,
discriminados nas esferas da justiça e do mercado de trabalho,
invisibilizados nos meios de comunicação, negados nos seus valores, na
sua religião e na sua cultura. Cidadãos de uma curiosa “democracia
racial” em que ocupam, predominantemente, lugar de destaque em todas as
estatísticas que mapeiam a miséria e a destituição.
O mito da “democracia racial”, que teve em Gilberto Freyre seu
formulador mais sofisticado, constitui, com efeito, o principal
sustentáculo teórico da supremacia eurocêntrica neste País.
Interpretando fatos históricos de maneira conveniente aos seus
propósitos, deturpando aqui, inventando acolá, sofismando sempre, os
apóstolos da “democracia racial” conseguiram construir um sólido e
atraente edifício ideológico que até hoje engana não somente parte dos
dominados, mas também os dominadores. Estes, sob o martelar do
slogan,
por vezes acreditaram sinceramente na inexistência de racismo no
Brasil. Podiam, assim, oprimir sem remorso ou sentimento de culpa. Esse
mesmo mito, com denominações variadas, como “
raza cósmica” ou “
café con leche”,
também contamina as relações de raça na maioria do países da chamada
América Latina, resultando, invariavelmente, na hegemonia dos brancos –
ou daqueles que assim se consideram e são considerados – sobre os negros
e os índios. É assim no México, na Colômbia, na Venezuela, no Equador,
no Peru e nos países da América Central e do Caribe. Disso não escapa
sequer a Cuba socialista, que pude visitar mais uma vez poucas semanas
atrás e onde, a despeito do grande esforço de nivelamento social
realizado pela Revolução, hábitos, costumes e linguagem continuam
impregnados do perverso eurocentrismo ibérico.
Um dos efeitos mais cruéis desse tipo de ideologia é confundir e
atomizar o grupo oprimido, impedindo-o de se organizar para defender
seus interesses. Assim, por exemplo, se denuncia a discriminação racial
de que é vítima, o negro se vê enquadrado nas categorias de
“complexado”, “ressentido” ou mesmo de “perturbado mental”. Algum tempo
atrás, poderíamos acrescentar as de “subversivo” ou “agente do comunismo
internacional”, estigmas que as instituições repressoras de nosso País
tentaram imprimir em minha própria pele e que me obrigaram a viver no
exterior por mais de uma década.
Terríveis na sua capacidade de ocultar o óbvio ostensivo, todos esses
instrumentos de coerção e imobilização não foram suficientes para
impedir que parcelas da população afro-brasileira se tenham organizado,
nesses 110 anos desde a abolição, a fim de lutar, por todos os meios
possíveis, pela justiça e pela igualdade neste País edificado por seus
antepassados. Já tive ocasião de celebrar, aqui mesmo nesta Casa, o
aniversário de fundação da maior dentre todas as organizações
afro-brasileiras deste século, a Frente Negra Brasileira, que assinalou,
ainda na década de trinta, a existência de um pensamento e de uma ação:
negros comprometidos em derrubar as barreiras construídas com base na
origem africana. Transformada em partido político e fechada com o golpe
do Estado Novo, a Frente Negra, em seus acertos e equívocos, balizou o
caminho a ser percorrido pelas futuras organizações afro-brasileiras.
Em meados da década dos quarenta, criei no Rio de Janeiro, com ajuda
de outros militantes, o Teatro Experimental do Negro, organização que
fundia arte, cultura e política na conscientização dos afro-brasileiros,
e dos brasileiros em geral, para as questões do racismo e da
discriminação, assim como para a valorização da cultura de origem
africana. Apesar dos obstáculos que lhe foram interpostos, incluindo a
clássica acusação de “racismo às avessas”, o Teatro Experimental do
Negro marcou sua trajetória, pelo volume e qualidade de sua atuação, no
meio artístico e cultural daquela década e do decênio seguinte, como
também no cenário político, sendo diretamente responsável pela primeira
proposta de legislação antidiscriminatória no Brasil, mais tarde
neutralizada pela malfadada Lei Afonso Arinos.
Minha militância acabaria me rendendo um exílio, do final dos anos
sessenta ao início da década de oitenta. Pude então travar contato em
primeira mão com toda uma liderança negra, na África, nos Estados Unidos
e na Europa, em luta contra o imperialismo, o colonialismo e o racismo.
As idéias e ações dessa liderança, que incluía Amílcar Cabral, Samora
Machel, Agostinho Neto, Julius Nyerere, Jomo Kenyatta, Léopold Senghor,
Wole Soyinka e Sam Nujomo, na África; Malcolm X, Martin Luther King,
Amiri Baraka, Stokeley Carmichael e os Black Panthers, na América do
Norte – para citar apenas alguns de seus mais destacados expoentes -,
encontraram eco no Brasil, estimulando a antiga luta afro-brasileira,
agora sob o rótulo de “Movimento Negro”.
Recuperando a tradição das antigas organizações, a exemplo da
República dos Palmares, da Frente Negra e do Teatro Experimental do
Negro, o Movimento Negro logo se espalhou pelo País, catalisando o
idealismo de uma generosa juventude afro-descendente, com grande
incidência dos escassos universitários que enfrentavam, na busca de se
inserirem no mercado de trabalho, as cruéis contradições de nossa
“democracia racial”.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) – V. Exª me permite um aparte?
O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ) – Ouço V. Exª com muito prazer.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) – Senador Abdias
Nascimento, no dia 13 de maio gostaria de me solidarizar com V. Exª e
com toda a raça da qual V. Exª faz parte, dizendo que a esta raça nós,
brasileiros, devemos muito. Todos nós devemos estar conscientes de que
deve haver cada vez mais igualdade e mais espaço para ela. Juntos
haveremos de construir essa raça brasileira, que é a miscegenação de
todas elas. Muito obrigado.
O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ) – Muito obrigado a V. Exª.
Continuo, Sr. Presidente:
Apesar de todas as dificuldades e resistências, o Movimento
encontrava também o apoio de alguns políticos importantes. Dentre eles
se destaca Leonel Brizola, responsável, como Governador do Rio de
Janeiro, pela mais séria e ousada experiência de enfrentamento do
racismo até hoje empreendida no plano do Estado: a criação da Secretaria
Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras, da
qual tive a honra de ser o primeiro titular.
Uma das reivindicações do Movimento Negro no plano das políticas
públicas tem sido a adoção da chamada “ação afirmativa” – que eu prefiro
designar como “ação compensatória” -, objeto, nos últimos tempos, de
algumas propostas no âmbito do Legislativo, incluindo o Projeto de Lei
do Senado nº 75, de 1997, de minha autoria, atualmente tramitando nesta
Casa. Trata-se este, na verdade, de um assunto sobre o qual muito se
fala – quase sempre contra – mas do qual, geralmente, pouco se conhece.
“Ação afirmativa” ou “ação compensatória”, é, pois, um instrumento,
ou conjunto de instrumentos, utilizado para promover a igualdade de
oportunidades no emprego, na educação, no acesso à moradia e no mundo
dos negócios. Por meio deles, o Estado, a universidade e as empresas
podem não apenas remediar a discriminação passada e presente, mas também
prevenir a discriminação futura, num esforço para se chegar a uma
sociedade inclusiva, aberta à participação igualitária de todos os
cidadãos. Ao contrário do que costumavam afirmar seus adversários, a
ação compensatória recompensa o mérito e garante que todos sejam
incluídos e considerados com justiça ao se candidatarem a empregos,
matrículas ou contratos, independentemente de raça ou de gênero. São
seus propósitos específicos: 1) aumentar a participação de pessoas
qualificadas, pertencentes a segmentos historicamente discriminados, em
todos os níveis e áreas do mercado de trabalho, reforçando suas
oportunidades de serem contratadas e promovidas; 2) ampliar as
oportunidades educacionais dessas pessoas, particularmente no que se
refere à educação superior, expandir seus horizontes e envolvê-las em
áreas nas quais tradicionalmente não têm sido representadas; 3) garantir
a empresas de propriedade de pessoas desses grupos oportunidades de
estabelecer contratos com o governo, em âmbito federal, estadual ou
municipal, dos quais de outro modo estariam excluídas.
A ação compensatória na área do emprego implica o recrutamento ativo
de mulheres e membros de grupos historicamente discriminados,
buscando-se candidatos além das redes convencionais de relacionamento,
tradicionalmente dominadas por homens brancos. Ela estimula, por
exemplo, o uso de anúncios públicos de emprego para identificar
candidatos em lugares em que os empregadores geralmente não iriam
procurá-los.
Na área educacional, as medidas de ação compensatória adotadas em outros
países, e que se pretende sejam adotadas aqui, são muitas vezes
acusadas de constituírem preferências por alunos não-qualificados. Na
verdade, porém, também nessa área o objetivo é recompensar o mérito.
Recentes estudos de escores obtidos em testes e de notas tiradas no
curso secundário – os padrões tradicionais e presumivelmente “objetivos”
para mensurar as qualificações de estudantes – têm posto em questão a
precisão desses instrumentos em predizer o desempenho futuro de todos os
alunos, particularmente de mulheres e de membros de grupos
discriminados. Poucos especialistas sustentariam racionalmente que, por
si sós, esses escores e médias sejam capazes de medir objetivamente a
capacidade e o potencial de um indivíduo. Qual a experiência de vida do
candidato? Que obstáculos ele teve de superar? Quais são suas ambições e
esperanças? Menos tangíveis do que números, esses padrões são mais
precisos em prever o futuro desempenho educacional do que a origem
familiar, herança ou outros atributos do privilégio.
Além do falido argumento meritocrático, também se costuma brandir
contra a ação compensatória – como aconteceu nesta própria Casa – a tese
da inconstitucionalidade. Seria inconstitucional estabelecer qualquer
espécie de “discriminação positiva” – outro sinônimo de ação afirmativa –
porque isso feriria o princípio da igualdade de todos perante a lei. A
primeira resposta a esse argumento vai contra o seu caráter
eminentemente conservador. Como se não tivéssemos a possibilidade, o
direito, o dever, eu diria, de lutar por mudanças nos dispositivos
constitucionais que não nos interessam. Ou como se a igualdade fosse
apenas um princípio abstrato, e não algo a ser implementado por meio de
medidas concretas. A verdade, porém, é que existem diversos precedentes
jurídicos que abrem as portas à implantação da ação compensatória em
favor dos afro-descendentes no Brasil. A igualdade de homens e mulheres
perante a lei não impede, por exemplo, que estas tenham direito de se
aposentar com menor tempo de serviço, nem que disponham de uma reserva
de vagas nas listas de candidatura dos partidos. Há também a proteção
especial aos portadores de deficiência, a famosa Lei dos Dois Terços –
que estipulava uma preferência para trabalhadores brasileiros no quadro
funcional das empresas -, sem falar no imposto de renda progressivo e na
inversão do ônus da prova nas ações movidas por empregados contra
empregadores. Todos casos em que a igualdade formal dá lugar à promoção
da igualdade.
Vale ressaltar, neste ponto, que pelo menos três convenções
internacionais de que o Brasil é signatário – e que portanto têm força
de lei – contemplam a adoção de medidas compensatórias. Uma delas é a
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, da Organização das Nações Unidas, cujo art. 1º,
item 4, diz o seguinte: “Não serão consideradas discriminação racial as
medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso
adequado de certos grupos raciais ou étnicos (…) que necessitem da
proteção que possa ser necessária para proporcionar(…) igual gozo ou
exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais (…).”
Teor semelhante tem o art. 2º da Convenção 111 da OIT – Organização
Internacional do Trabalho, concernente à discriminação em matéria de
emprego e profissão, pelo qual cada signatário “compromete-se a formular
e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover (…) a
igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e
profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria”.
E também o art. IV da Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação
no Campo do Ensino, da UNESCO: “Os Estados Partes (…) comprometem-se (…)
a formular, desenvolver e aplicar uma política nacional que vise a
promover (…) a igualdade de oportunidade e tratamento me matéria de
ensino.”
Outra postura contrária vem dos que, dando como exemplo a experiência
de países socialistas, à ação compensatória costumam contrapor as
políticas públicas de combate à pobreza e aos problemas a ela associados
– as chamadas políticas redistributivas. Esse argumento, em geral
oriundo da Esquerda, é duplamente falacioso. Primeiro porque ninguém, em
sã consciência, poderia vislumbrar no horizonte próximo uma revolução
socialista no Brasil – condição indispensável à adoção de reformas
radicais como aquelas que possibilitaram a alguns daqueles países não
acabar com o racismo, mas reduzir a um nível mínimo as desigualdades
raciais (o que é diferente) nas áreas do trabalho, da educação, da saúde
e da moradia. A outra falácia desse argumento é deixar implícito que se
trata de opções mutuamente excludentes – ou ação compensatória, ou
políticas redistributivas, quando, de fato, necessita-se de ambas. Com
certeza, os afro-brasileiros seriam, por sua inserção social, os grandes
beneficiários de quaisquer ações governamentais voltadas à melhoria das
condições de vida das grandes massas destituídas. E continuariam
precisando de proteção contra a discriminação, bem como de mecanismos
capazes de lhes assegurar a igualdade de oportunidades.
Em entrevista publicada semana passada pela revista
Veja,
em que se discute a situação dos negros neste País, o Presidente
Fernando Henrique Cardoso disse não ser contrário ao sistema de quotas,
forma mais incisiva de ação compensatória, que constitui a essência do
meu projeto de lei. O Presidente foi além dessa declaração e afirmou
literalmente: “Havendo duas pessoas em condições iguais para nomear para
determinado cargo, sendo uma negra, eu nomearia a negra”. Como é
curioso, para dizer o mínimo, observar correligionários do Presidente
aqui no Senado manifestando idéias e atitudes absolutamente contrárias
às de seu suposto líder e utilizando, para isso, todo um arsenal de
argumentos ou intempestivos, ou equivocados, ou desinformados – pois não
quero acreditar que sejam maliciosos.
Ao mesmo tempo, pesquisa realizada pelo prestigioso instituto de
pesquisa Datafolha, e publicada à página 46 do livro Racismo Cordial,
revela não apenas que praticamente metade dos brasileiros de todas as
origens étnicas aprova a ação compensatória, mas que essa aprovação
chega a 52% entre aqueles que admitiram ter preconceito em relação aos
negros. Muito significativo em função da cortina de desconhecimento que
cerca o tema, esse resultado indica que o País está mudando, e mais
rapidamente do que se quer admitir. E esta Casa, cujos membros têm o
dever de acompanhar e até mesmo antecipar as mudanças que o País quer e
necessita, não pode ficar se ancorando em velhos chavões para manter um
estado de coisas que a maioria da sociedade quer ver superado. Sabemos,
eu e meus companheiros de luta, que é árdua a batalha que temos pela
frente, no confronto com o reacionarismo, a ignorância e o atraso. Mas
estamos dispostos a levar nossa luta a todos os foros, nacionais e
internacionais, e a conduzi-la, como alguém já disse, “por todos os
meios necessários”.
Assim, neste 13 de Maio, fazemo-nos presentes nesta tribuna, não para
comemorar, mas para denunciar uma vez mais a mentira cívica que essa
data representa, parte central de uma estratégia mais ampla, elaborada
com a finalidade de manter os negros no lugar que eles dizem ser o
nosso. A comunidade afro-brasileira, porém, já mostrou claramente que
não mais aceita a condição que nos querem impingir. Mais uma prova disso
foi dada na madrugada de hoje, quando o Instituto do Negro Padre
Batista, juntamente com dezenas de outras organizações, realizou em São
Paulo a segunda Marcha pela Democracia Racial, desfraldando a bandeira
da igualdade de oportunidades para os afro-descendentes. Assim, ao mesmo
tempo em que denuncia as injustiças de que é vítima, nossa comunidade
apresenta reivindicações consistentes e viáveis para a solução dos
seculares problemas que enfrenta. Reivindicações, como a ação
compensatória, capazes de contribuir para que venhamos a concretizar,
com o apoio de nossos aliados sinceros, a segunda e verdadeira abolição.
Sr. Presidente, pulei vários trechos para abreviar meu pronunciamento, solicito que a publicação seja feita na íntegra.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Axé!
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