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Segundo relatora, Brasil pode fracassar em capitalizar os avanços de inclusão feitos até agora
A "pobreza tem cor no Brasil", e os negros são os mais ameaçados pela crise econômica do país, diz Rita Izsák.
Relatora
especial das Nações Unidas sobre Questões de Minorias, ela elogiou
políticas de igualdade adotadas pelo Brasil, mas alertou que essas
comunidades "imploram" por resultados imediatos. "As pessoas estão muito
impacientes", disse Izsák, em entrevista à BBC Brasil. No
relatório, apresentado na última quinta-feira, ela criticou a falta de
representatividade de negros em posições públicas e privadas e disse que
o país pode fracassar em capitalizar nos avanços feitos até agora se
não houver diálogo e confiança. "O tecido social é muito frágil". Foi a primeira missão oficial de Izsák no Brasil. Em 11 dias, visitou cidades na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Nascida
na Hungria, ela disse ainda que a mídia precisar expor mais "modelos
negros" para romper o ciclo de marginalização, e que a exposição de
negros na TV é, geralmente, relacionada à violência e à criminalidade.
"Infelizmente, não há modelos positivos". Veja abaixo trechos da entrevista, feita por telefone, de Brasília.
Leia também: Demissões em alta: Quatro dicas de como usar a internet para buscar emprego BBC Brasil - Qual é a conclusão do relatório? Rita Izsák -
Há muitas boas leis e políticas para proteger os direitos das minorias.
No entanto, elas exigem medidas mais imediatas que possam se manifestar
em mudanças reais em suas vidas. Trata-se de um momento muito
positivo no Brasil. (Mas) eu vejo que o tecido social é muito frágil, as
pessoas estão muito impacientes, especialmente grupos que sentem que
estão marginalizados há muitos anos e querem mudanças reais. Mas,
ao mesmo tempo, todo mundo reconhece que depois de 500 anos de injustiça
e escravidão é muito difícil obter progresso. Mas há certas medidas e
políticas que deveriam ser adotadas o mais breve possível.
Leia também: 'A pior coisa é você perguntar as horas e a pessoa esconder a bolsa', diz Emicida sobre racismo Image copyrightAgencia BrasilImage caption
Izsák apresentou relatório sobre minorias em Brasília e disse que 'pobreza no Brasil tem cor'
BBC Brasil - No relatório, a Sr.ª diz que os
negros brasileiros são "marginalizados", apesar de todas as políticas
recentes de inclusão. Como isso se dá na realidade? Izsák -
Há estatísticas claras das diferenças de expectativa de vida, renda,
representação dos negros na sociedade. E há alguns dados bem chocantes
que deixam claro esse 'abismo racial': em termos de representação
política e poder econômico, a população negra está realmente atrás da
população não-negra, branca. O ponto bom é que isso é mostrado por dados e o governo brasileiro adotou muitas leis para superar estes desafios. BBC
Brasil - A Sr.ª disse que a violência tem uma "clara dimensão racial
clara", incluindo violência policial. Negros se tornam alvo por causa da
cor? Izsák - É uma questão muito
complicada. A guerra às drogas é uma fonte de violência contra
brasileiros negros. A taxa de homicídios no Brasil é estimada em 56 mil
pessoas por ano (O Brasil é o país com o maior número de homícidios do mundo em termos absolutos), e há estimativa que 75% das vítimas sejam negros. Trata-se de algo preocupante. Especialmente se considerarmos que negros são 75% da população carcerária. BBC Brasil - A Sr.ª disse que as minorias estão "impacientes". Há algum risco de revolta social? Izsák -
Eu fui a favelas e comunidades quilombolas. Favelas tendem a ficar nos
subúrbios das cidades, em situações muito difíceis. E as comunidades
quilombolas, muitas vezes, estão bem longe de centros urbanos. E
essas comunidades estão realmente implorando por medidas. Às vezes, o
que elas pedem não é muito, como um centro comunitário. Nas favelas, a
população reivindica apenas alguns serviços, para que não fique apenas
nas ruas, mas tenha algo para fazer. Eles querem estudar, por exemplo. Nas
comunidades quilombolas, eles pedem a demarcação da terra, para que
tenham liberdade de sobreviver e continuar com suas tradições. E essas comunidades estão realmente ficando impacientes. Eles recebem promessas, mas dizem que isso não é o suficiente. E
na atual crise política e econômica é importante dizer que o Brasil
está no caminho certo. Reconheço que houve muito progresso. Mas ele não
pode parar. Essas comunidades reivindicam que as secretarias
especiais de Direitos Humanos e de Igualdade Racial mantenham suas
posições, tenham seus orçamentos e autoridade. Porque, caso contrário,
temo que se esses mecanismos desaparecerem, essas comunidades fiquem
ainda mais desesperadas e sem esperança sobre seu futuro.
Leia também: Jornada de 'Rainha Crespa' ilustra revolução contra 'ditadura da chapinha' Image copyrightAgencia BrasilImage caption
Segundo relatora, minorias estão impacientes e pedem por políticas públicas com resultados imediatos
BBC Brasil - Parece ser um círculo vicioso
difícil de quebrar ─ os pais desses jovens passaram por dificuldades e
agora são seus filhos. Izsák - O que nós
ouvimos dos jovens nas favelas é que, às vezes, eles precisam de um
modelo. Porque não há professores negros. Ou modelos positivos negros na
mídia. No horário nobre, é muito difícil ver algum personagem
negro positivo na TV. A comunidade negra é sempre retratada pela ótica
da criminalidade e violência. Quando não há modelos inspiradores...é
claro que esses jovens vão seguir os passos de traficantes que despontam
como indivíduos bem sucedidos em suas comunidades. É possível
romper esse círculo vicioso, mas é necessário ter mais rostos negros no
dia a dia em geral. E, para isso, é necessária uma mudança radical sobre
como a mídia retrata essa população. BBC Brasil - E por
que é tão difícil para a sociedade brasileira acolher os negros, se 53%
da população se diz negra (O IBGE se refere a "pretos" e "pardos" como
"negros"). Izsák - Essa é a pergunta de
US$ 1 milhão! Isso é o que a gente tem tentado descobrir. É dificil,
porque quando nos encontramos com autoridades, elas são brancas, na
maioria. São bem comprometidas e dizem "sim, a gente precisa superar
isso". Acho que é preciso uma mudança no pensamento. Negros muitas
vezes se consideram vítimas. E acho que é completamente compreensível,
dado o contexto histórico e escravidão. Mas acredito que, muitas
vezes, esse estigma também vem da população branca, que ainda considera
negros como animadores, sambistas, por exemplo. Mas quando se trata de
negros intelectuais, há uma abertura bem menor. A gente precisa superar
esses estereótipos.
Leia também: Revistas excluem adolescentes negras: 'Estou no Brasil, mas me sinto na Rússia' Image copyrightAPImage caption
Manifestante em protesto no Complexo do Alemão, no
Rio de Janeiro: relatora disse que violência no Brasil tem uma clara
dimensão racial clara'
BBC Brasil - O Brasil é um país racista? Izsák - Há pessoas racistas, mas há também progressistas, como em todo lugar. (Mas) eu não diria que o Brasil é um país racista. Acho
que uma das questões aqui é a concentração do poder político, econômico
e midiático nas mãos de algumas pessoas. E, entre eles, encontramos
muitos que não acreditam no potencial de negros. Não é que a maioria dos
brasileiros seja racista, eu duvido disso. BBC Brasil - A sra. disse que "a pobreza no Brasil tem cor". Os negros são os mais ameaçados pela crise econômica do país? Izsák - Com certeza, não há nenhuma dúvida sobre isso.
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