Não tenho esfera de
cristal. Certo passarinho frequentador de janelas que certas vezes me contava
coisas de arrepiar foi assassinado.
O indefeso
passarinho, que treinava para se tornar boquirroto como o ministro Gilmar
Mendes, bobeou e virou jantar. Terminou a vida como vítima de um gato que mora
no meu bairro e, pelo jeito, o tal gato tem como sonho de consumo mudar-se para
Brasília e saborear ratos de trato especial e foro
privilegiado.
Diante disso tudo, só
posso imaginar o que tenha ocorrido no encontro do mês passado no escritório do
ex-ministro Nelson Jobim, com participação do ex-presidente Lula e do ministro
Gilmar Mendes, na condição de convidado.
A propósito e sempre
convém lembrar, Jobim é aquele que, em livro laudatório, confessou ter colocado
na Constituição artigos não submetidos aos deputados constituintes, seus pares
de então.
Jobim ficou famoso
por inventar um empréstimo de equipamento de “interceptação telefônica das
Forças Armadas para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), tudo para
ajudar Gilmar Mendes a derrubar o delegado Paulo Lacerda da direção da agência:
Jobim foi desmentido pelo comando do
Exército.
Para o crime
organizado e os corruptos em geral, a contribuição de Jobim foi significativa
quando da sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal. Ele levantou a tese, e
provocou o oferecimento de uma emenda constitucional que está em tramitação no
Parlamento, de que o Ministério Público não pode apurar a autoria e a
materialidade de crimes. Só a polícia — que está no poder Executivo e cujos
membros não gozam de garantias iguais aos magistrados judicantes e do Ministério
Público — pode realizar investigações.
Voltando ao escândalo
Mendes-Lula-Jobim. Para Gilmar Mendes, o ex-presidente Lula fez pressão para
conseguir adiar o julgamento do Mensalão (será que Lula pensa que Gilmar Mendes,
para usar uma expressão popular, “tem bala da agulha para isso” e num órgão
colegiado onde a sua presidência representou uma tragédia e deixou o Judiciário
muito mal avaliado pelo cidadão-comum?). Em troca do favor, Lula teria oferecido
“blindagem” a Gilmar na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Aliás,
blindagem igual àquela que o deputado petista Cândido Vaccarezza (ontem foi o
único a votar contra a quebra do sigilo bancário da Construtora Delta no Rio de
Janeiro) concede ao governador Sérgio Cabral, do Rio de
Janeiro.
De todo esse
imbróglio, alguns dados objetivos surgiram e espantam. Ontem, Mendes desancou
Lula depois da nota do ex-presidente a desmentir o ministro Mendes, do Supremo
Tribunal Federal.
Nos seus vitupérios
que o colocam exposto a uma ação penal de iniciativa privada por crime contra a
honra, Gilmar Mendes afirma que “gângster, bandidos e chantagistas” tentam,
evidentemente no interesse dos réus dos processos, melar o julgamento do chamado
Mensalão. Mendes, no tiroteio que promove, alveja até o delegado aposentado
Paulo Lacerda, que ele, Gilmar Mendes, com a mentira de ter sido vítima de
“grampo” quando conversava com o senador Demóstenes Torres, procura colocar como
um dos comandantes da operação para desacreditar o STF: uma leitura isenta
mostra que Mendes se refere a ele como se fosse o
STF.
Para o ministro
Mendes existem bandidos a atuar na tentativa de ajudar outros bandidos (réus do
Mensalão). Ou seja, Gilmar Mendes já prejulgou. E prejulgar, com declarações à
mídia escrita e televisiva, é algo corriqueiro na sua carreira de ministro,
apesar de a Lei Orgânica da Magistratura proibir expressamente. Mais ainda,
proíbe até ele ser dono de uma instituição de ensino jurídico. Mas, quanto a
isso, ele não dá a menor bola.
Pelo teor do seu
pronunciamento, Mendes mostrou ter perdido, definitivamente, o equilíbrio
emocional para julgar o tal Mensalão. Sobre o Mensalão muitos podem dizer, menos
os ministros julgadores fora de hora, ter sido, até pelo Valérioduto instalado,
um dos maiores esquemas de corrupção de políticos da história do
Brasil.
Além do “jogo” ter
terminado 2×1 (versões coincidentes de Lula e Jobim e posição isolada de
Mendes), o ministro Gilmar Mendes colocou-se em impedimento, aliás, como Dias
Toffoli, para julgar com isenção. Sobre o impedimento, e para usar imagem
futebolística a gosto de Lula, é tão visível que bandeirinha e juiz não
entrariam em dissenso. Nem a torcida reclamaria. A galera do Mensalão, no
entanto, ficaria alegre e feliz com tão bisonho
impedimento.
Como Lula é esperto e
populista, Gilmar Mendes, boquirroto e incapaz de uma postura altiva e
compatível com a de um magistrado (comparece a encontros políticos e até já foi
chamado por José Serra durante julgamento sobre documento exigido para eleitor
poder votar), fez, para usar a sua conclusão e expressões, o jogo do
bandido.
Pano rápido. O
imaginativo ministro-decano, Celso de Mello, teria alguma conjectura sobre ter
sido tudo uma grande armação de modo a Gilmar Mendes poder se afastar do
julgamento?
Wálter Fanganiello
Maierovitch
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