domingo, 19 de maio de 2013

HISTÓRIA -- LIBERATA

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Tudo indicava que Liberata teria o mesmo destino de tantos outros descendentes de africanos no Brasil: o cativeiro. Nascida por volta de 1780, de pais desconhecidos, ela foi comprada cerca de dez anos depois por José Vieira Rebello, morador do termo de Desterro (atual Florianópolis). Mas Liberata conseguiu seguir um caminho diferente.

Desde muito nova, a escrava era assediada por seu senhor. Com...o Vieira costumava seduzi-la com promessas de liberdade, ela passou a conceder-lhe favores sexuais, mesmo de mau grado, logo tendo dois filhos. O primeiro, João, foi batizado e reconhecido como fruto do casal. O segundo não chegou a ser declarado, pelo medo que Liberata sentia das perseguições da família Rebello. Uma das razões de seu medo era o fato de ter sido testemunha ocular dos crimes cometidos por Anna, filha de seu senhor: ajudada pelo pai, a sinhazinha matou seus filhos recém-nascidos, todos ilegítimos, que havia tido com moradores da região.

Liberata estava disposta a mudar de vida. Arrumou um noivo que, além de querer casar, ainda se dispunha a pagar por sua alforria. Mesmo oferecendo uma boa quantia e contando com a simpatia do pároco local, a oferta foi recusada pelo senhor Vieira. Nesse momento, ela recorreu à sua última alternativa: procurou a Justiça para dar início a uma ação de liberdade, processando seu senhor.

Em 1813, Liberata iniciou um processo em Desterro, argumentando que Vieira havia prometido libertá-la e não havia cumprido a promessa. Antes que a ação seguisse seu rumo, Vieira fez uso de um recurso então muito comum: doou a escrava para seu enteado Floriano José Marques. Como as promessas de liberdade haviam sido feitas por Vieira, que, teoricamente, não seria mais seu senhor, elas teriam perdido o valor. O processo ficou um bom tempo emperrado por conta disso, mas acabou finalizado de forma inusitada. Liberata desistiu da luta judicial em troca da liberdade incondicional oferecida por Floriano José Marques. Este teria feito um acordo com Vieira Rebello, recebendo terras em troca da libertação. Embora não se conheçam bem os motivos que levaram à desistência da ação, sabe-se que Vieira temia ver os segredos da filha serem divulgados no tribunal, e por isso teria concordado com a libertação, ocorrida em 1814.

O que ninguém então podia imaginar é que a relação de Liberata com a Justiça estava longe do fim. Ao conseguir a liberdade, ela se casou e teve mais dois filhos, José e Joaquina, já nascidos livres. Impossibilitada de mantê-los, deixou-os com o major Antonio Luís de Andrade, para que os criasse e ensinasse o ofício de alfaiate ao seu filho varão. Mas as crianças tiveram outra sina, tristemente comum no Brasil do século XIX: ao morrer o major, sua viúva tentou vendê-las como escravas. José e Joaquina agiram como a mãe. Procuraram a Justiça, alegando serem livres de nascença. Em 1835, os dois conseguiram a alforria.

A trajetória de Liberata e seus filhos foi uma dentre as muitas querelas pela liberdade ocorridas no Brasil colonial e imperial. Somente na Corte de Apelação do Rio de Janeiro, tribunal de segunda instância, 400 ações de liberdade foram julgadas entre 1808 e 1888, e metade delas resultou na alforria dos escravos envolvidos.

A ocorrência de outras tantas ações vem sendo registrada por pesquisadores de todo o Brasil, ao analisarem a documentação judicial de tribunais de Bahia, Rio Grande do Sul, Campos dos Goytacazes e Vassouras, apenas para citar alguns exemplos. Entre os motivos alegados pelos escravos destacam-se as promessas de liberdade, como fez Liberata, ou o nascimento de ventre livre, como fizeram seus filhos. Mas também eram comuns os argumentos de recebimento de carta de alforria, de chegada ao Brasil após a lei de 1831 – a primeira que estabeleceu a ilegalidade da entrada de escravos no país –, os maus-tratos e a tentativa, muitas vezes recusada pelo senhor, de compra da própria alforria.

Ao longo do século XIX, as ações de liberdade tornaram-se um importante recurso para a libertação de cativos que acreditavam ter reunido condições que lhes permitiriam mudar de status. Depois de 1850, a profusão de sentenças favoráveis aos cativos contribuiu para o fim da legalidade do regime de trabalho escravo, tornando-se um elemento de pressão na luta pela abolição no Brasil. Liberata não chegou a assistir às comemorações da assinatura da Lei Áurea, em 1888, mas a conquista de sua liberdade, décadas antes, ajudou esse movimento.


Keila Grinberg é professora da Uni-Rio e autora de Liberata: a lei da ambiguidade – as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro, século XIX (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, e Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008).

Saiba Mais - Bibliografia

CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
GRINBERG, Keila. O Fiador dos Brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
MATTOS, Hebe. Das Cores do Silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista – Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

Fonte: Revista de História

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