Em uma escola da Baixada Fluminense, um amigo meu, professor,
presenciou um caso de racismo e veio conversar comigo. Ele me contava
que presenciou uma cena chocante de uma aluna da escola onde leciona que
chorava absurdamente. Os professores tentaram conter o choro da menina,
mas sem sucesso, convidaram meu amigo para tentar de outra forma
acalmar a criança. Ela, negra com seu cabelo de negra e com o peso fora
dos padrões de beleza que a sociedade deseja, e ele negro e gay, com as
mesmas características da menina. Ambos carregam sobre si um suposto
estereotipo que contraria as normas da sociedade em que vivemos. Associado a esse tema a assistente social Fernanda Martins fazia alguns questionamentos em sua rede social na internet
que me levaram a mais uma vez adentrar sobre esse tema. Descrevia ela:
“Por que o cabelo liso e "perfeito" que é o mais bonito? Por que o corpo
tipo da Barbie que é o idealizado por quase todas as mulheres do mundo?
Por que as mulheres tem que se vestir cheias de apetrechos, maquiagens,
roupas e sapatos super-incômodos e desconfortáveis?” Arthur Barcelos, conselheiro Estadual de Juventude do Estado do Rio de JaneiroA reprodução de um padrão de estético de beleza é motivo de traumas em diversas gerações de crianças, adolescentes e adultos.
Em diversas situações vemos pessoas desprezadas e excluídas da
sociedade porque se encontram fora do padrão idealizado por uma
mentalidade branca e eurocêntrica. O preconceito racial é um crime no Brasil,
porém muitas falas reproduzidas por quem declara não ser racista vêm
comprovando que este mal está tão permeado na sociedade que está a ponto
de ser naturalizado. A vida das celebridades pode servir como exemplo. O
espelho da beleza está na pessoa magra ou com um corpo ‘sarado’, com o
cabelo liso e com a pele branca como um algodão. Com isso muitas meninas
e meninos, como a aluna citada acima, sofrem por não se adequar ao
padrão de beleza imposto que ensina como devemos ser e viver, enfim,
embasado na padronização do público e na espetacularização da sociedade. A artista plástica DayseArthur
Barcelos, conselheiro Estadual de Juventude do Estado do Rio de
Janeiro, é professor de Educação Física e fala sobre a sua identidade ao
se lançar na contramão da sociedade: “Desde que assumi esse estilo mais
natural eu me sinto muito melhor comigo. Hoje já é uma identidade e as
pessoas me reconhecem pelo meu cabelo, mas já fui muito criticado.
Diziam que eu era desleixado de mais, que não era apresentável. E essas
críticas vinham de conhecidos, amigos, mas principalmente da minha
família. O que já me levou a ter que cortar o cabelo umas duas vezes
porque não acreditava, que como eu estava,não iria conseguir um sucesso
profissional.”
Existe uma contra-cultura que inviabiliza a
perspectiva cultural negra e afrodescendente no Brasil. Essa
consolidação de um estereótipo de beleza não fortalece da autoestima
desse mesmo negro ou negra e leva-os a viver em meio de um complexo de
inferioridade.
Para a artista plástica integrante da Aqualtune -
Associação de Mulheres Negras -Dayse Gomes, é preciso entender que “o
cabelo é extensão da minha fala, que ele afirma minha identidade, que
influencia esteticamente e politicamente outras mulheres e até crianças,
são algumas das razões para sentir os dreads em mim”. Segundo Dayse
“ainda existe uma visão negativa a imagem dos dreads por parte da grande
maioria de pessoas. A referência de beleza é europeia e tudo que não
contempla esta semelhança é dado como "feio" ou "ruim". Ou seja, estar
inserido a um padrão em que todos se sintam "confortáveis", inclusive um
não negro, é a todo momento ser mutilado. A assistente social Fernanda MartinsO
sistema é racista e seus padrões nos oprimem e nos agridem por todos os
lados. Seja no trabalho, no banco, em um restaurante, etc.. “Uma
senhora não negra em um elevador, não parava de olhar para meu cabelo e
para expressar o seu incômodo ao ver uma mulher negra com traje dito
"executivo" e com dreads, falou para mim: ‘Você ficaria mais bonita se
alongasse (alisasse) esses cabelos’, respondi imediatamente: ‘O seu
racismo não suportou e por esse motivo, gratuitamente está me agredindo,
mas recolha-se à sua insignificância e se cure’. Sai do elevador e
nunca mais a vi.” Relatou Dayse sobre um caso de racismo que sofreu.
Sabemos
que muito foi feito, mas o mal do racismo, que se espalha sem parar
pelos cantos, precisa ser erradicado. Marcela Ribeiro é Militante da MMM
(Marcha Mundial das Mulheres) e diretora de Combate ao Racismo da UNE
(Uião Nacional dos Estudantes) e afirma que o “racismo se manifesta de
diversas formas, principalmente para nós mulheres negras, nos violenta a
cada dia com a erotização no processo de mercantilização dos nossos
corpos ou de forma mais sútil e cruel ao estabelecer determinados
padrões de beleza que destroem desde a infância qualquer sopro de
auto-estima. Não é necessário ter cabelos lisos, nariz afinados, lábios
finos para ser considerada bonita, nem precisamos que revistas femininas
digam que uma mulher negra é a mais bonita do mundo, como se fosse uma
concessão e isso apagasse o histórico de opressão, milhares de anônimas
Lupitas existem mundo a fora, e olhos não vendados pelo racismo sempre
souberam reconhecer sua beleza”.
A beleza é uma construção social
hegemonicamente racista, classista, machista e excludente. Uma pedagogia
do belo e da estética deve ser uma pauta de luta fundamental para
combater o racismo. Somos negras e negros em sua multiplicidade de
formas, corpos, rostos e cabelos. Chegaremos a um tempo em que não nos
verão como os 50 mais belos, mas sim como os mais de 100 milhões de
negros e negras belos do Brasil. É esse desejo constante de ser livre de
padrões e amarras sociais que meu amigo professor mostrou para aquela
menina, que depois de um abraço e um beijo se recuperava do seu primeiro
enfrentamento ao racismo nas escola. * Walmyr Júnior é
professor. Integra a Pastoral da Juventude e trabalha na Pastoral
Universitária da PUC-Rio. É membro do Coletivo de Juventude Negra -
Enegrecer. Representou a sociedade civil em encontro com o Papa
Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.
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