quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Por que nunca precisamos de cotas no futebol?


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Por que nunca precisamos de cotas no futebol?

publicada quarta-feira, 21/11/2012 às 09:24 e atualizada quarta-feira, 21/11/2012 às 13:13
Por Felipe Carrilho, colunista do Escrevinhador
“Nós não temos um problema racial. No Brasil, os negros conhecem o seu lugar”, diz um sinistro ditado, que poderia servir de epígrafe para análises de intelectuais conservadores ou mesmo para ilustrar muitos comentários que se lê por aí nas redes sociais em tempos de implementação de políticas reparatórias por parte do governo federal.
Muitas são as janelas que permitem sondar a dinâmica social de um país. Esta coluna procura fazer isso por meio da história do futebol brasileiro. No mês da Consciência Negra, cabe indagar em que medida o processo de integração dos descendentes de africanos no esporte que se tornou uma verdadeira “instituição nacional” pode revelar o destino social que a população negra do Brasil teve no período pós-abolição do sistema escravocrata.
No final do sáculo 19, a intelectualidade do País estava empenhada em discutir a questão da nacionalidade brasileira que tinha na presença do negro, no seu entender, um problema crônico. Optou-se, então, por uma política de branqueamento, na qual o incentivo à imigração europeia para abastecer as lavouras de café e a produção da indústria era fundamental. Para Oliveira Viana, o apologista mais notório da arianização da nossa sociedade, o mestiço representava um atraso inevitável para o Brasil que só poderia ser amenizado com a diluição gradual e progressiva do elemento negro.
Nas décadas subsequentes, apartados do trabalho formal, os descendentes de africanos foram protagonistas no processo de democratização do futebol, cuja prática estava até então reservada para os filhos das nossas elites, encastelados nos clubes grã-finos das principais cidades. Atuando nos times de várzea, com bolas e uniformes muitas vezes improvisados, o negro mostrou competência esportiva e esteve no centro da luta pela profissionalização do futebol, que dava estatuto de trabalhador formal ao jogador.

Em seu livro Corações na Ponta da Chuteira, o historiador Fábio Franzini apresenta uma emblemática disputa ocorrida no dia 13 de maio de 1927. Um jogo que opunha duas seleções, a dos brancos, jogadores das maiores equipes paulistas da Associação Paulista de Esportes Atléticos, e a dos negros, que atuavam em divisões secundárias ou mesmo em clubes da liga amadora. O jogo terminou com a vitória da “seleção negra” por 3 a 2, e o sucesso de público fez com que o encontro fosse repetido por mais de 10 anos, com ampla maioria de vitórias dos negros.
É possível inferir muita coisa desse fato histórico. Primeiro que, apesar da demonstração de domínio das técnicas do jogo, o negro ainda encontrava-se na periferia do futebol, atuando em equipes menores. Depois, sob o pretexto de celebrar a abolição (13 de maio passou a ser a data oficial do evento), explicitava-se naturalmente a segregação dos campos de São Paulo. Mas o que interessa enfatizar aqui é o surgimento de um discuso de elogio às potencialidades do negro dentro de campo. Discurso com implicações variadas.
O mito do nascimento do estilo brasileiro de jogar conta que foi a partir da inclusão das classes populares, notadamente dos afro-descendentes, que nos apropriamos de fato daquele esporte surgido na Inglaterra em meados do século 19. Para Gilberto Freyre, a conversão do “jogo britanicamente apolíneo” em “dança dionisíaca”, por influência dos movimentos corporais do samba e da capoeira, seria resultado do processo de mestiçagem verificado no Brasil.
Estavam lançados os fundamentos da interpretação conservadora sobre a integração do povo brasileiro, a “fábula das três raças”, exemplificada no triângulo em que o branco ocupa do vértice de cima, sobrando para o negro e o índio os vértices da base. A “ausência” do racismo sendo explicitada pela interdependência dos vértices.
Na verdade, o elogio das potencialidades físicas do negro, ao mesmo tempo em que concorria para a formação positiva da identidade nacional brasileira dentro e fora das quatro linhas, também expressava a imposição de certa hierarquia social. Aos negros caberia ocupar os espaços do lazer, notadamente do samba, carnaval, capoeira e do futebol, longe da racionalidade dos postos de comando e de produção do conhecimento. O discurso elaborado pelo branco sobre as pré-disposições do negro pelas artes corporais, em última análise, aponta para o lugar subalterno que os afrodescendentes deveriam ocupar na sociedade. É por isso que não precisamos de cotas no futebol. Essa foi a parte que coube ao negro na hierarquia brasileira das raças.
Felipe Dias Carrilho é historiador e autor do livro “Futebol, uma janela para o Brasil – As relações entre o futebol e a sociedade brasileira”.
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12 Comentários

12 Comentários para “Por que nunca precisamos de cotas no futebol?”

  1.  Paulo Cezar de Mello disse:
    Essa ideologia racista light segue sendo disseminada pela mídia – o que muda é o formato, sempre atualizado. Basta ver as mais recentes novelas da Globo, que pretensamente mostram uma “nova” visão do Brasil ao deslocar suas câmeras para as comunidades (falando mais claro, favelas) do Rio. Fica evidente a diferença de comportamentos, trejeitos, modos de falar, de raciocinar entre os elegantes das casas nobres (onde rolam conflitos psicológicos, diálogos inteligentes, modos comedidos) e os habitantes do núcleo pobre e preto (corpos mais escancaradamente expostos, modos de andar e de falar agressivos, ingenuidade). Por aí a história do Brasil segue em frente.
  2.  fabio nogueira disse:
    Ontem estava em Niteroi(cidade da região metropolitana do Rj)na celebração do dia 20/11. Estava tudo lindo,ótimo. Lembrei-me de um comentário de uma pessoa dizendo que o negro deu uma boa contribuição a sociedade brasielira na area da cultura como futebol,dança e culinaria. Perguntei sobre a paricipação do negro no processo politico-social do país,o cidadão simplesmente respondeu que não se lembrava de nenhuma partcipação importante ou contribuição do negro no processo politico e social.
    Ou seja: no imaginário cultural sempre somos lembrados,por outro lado somos invisíveis no processo da construção do Brasil.
    Por isso que sou a favor das cotas raciais,temos de formar outras linhas de formadores de opinião para contra-dizer esses que querem negar nossa visibilidade na sociedade.É obrigação de todos os cotistas ou prounistas formar uma frente de opinião,poder contar nossas histórias sobre as nossas próprias palavras. Estamos fartos desses pesquisadores que vivem as custas do negro para ganhar dinheiro em cima de suas mazelas e quando o assunto e dividir o bolo da igualdade são os primeiros a dizer NÃO,a inclusão.
  3.  Anderson Passos disse:
    Rodrigo, precisamos de cota no futebol sim.
    Quantos treinadores negros existem??
  4.  Guillermo disse:
    Em compensação quantos técnicos negros nós temos atuando no Brasil?
  5.  carlos costa disse:
    na verdade também no futebol o espaço do negro é limitado a atuar dentro do campo, seja jogando ou cuidando do campo propriamente dito; fora do campo pode também mas como ropeiro, massagista, segurança e gandula; quando por descuido ensaiam mostrar habilidades exclusivas dos brancos sao rapidamente expurgados; andrade ex jogador negro ocupou interinamente o lugar de tecnico enquanto procuravam outro; so que foi campeao e logo depois, apesar do retrospecto positivo foi demitido e nunca mais conseguiu se colocar como tecnico na primeira divisao; procedimento igual repetiu-se agora com cristovao no vasco; apesar do protagonismo do negro no futebol o posto de tecnico é exclusivo dos brancos; negro so interino.
  6.  Sala Fério disse:
    Acho que na questão racial se omite propositalmente o fato de que o país é majoritariamente mestiço. Sim, há diferenças de inserção, como há em todas as sociedades, mas a tendência é que isso se dilua com o tempo. Afirma-se que a questão do preconceito é com relação à aparência, o tal do preconceito de marca: quando a maior parte da população for miscigenada – e hojejá é – esse problema tenderá a desaparecer rapidamente, já que quem tem parentes de várias etnias só pode ser racista por ignorância e insensibilidade totais. O racismo de fato é praticado por meios de comunicação, indústria cultural e publicitários que ainda insistem em colocar os afrodescendentes, puros ou mestiços, sempre em posições subalternas (como os criados em uniforme das novelas da Globo) ou ausentes. Isso realmente deve ser denunciado e
    divulgado. As cotas podem ser um meio de resolver isso, mas critérios não étnicos seriam mais equitativos: dar cota a quem precisa realmente, por critérios sociais. O critério social, defendido inclusive por alguns negros de renome, atende tanto aos afrodescendentes quanto a todo e qualquer cidadão excluído por quaisquer razões. A parte simbólica da questão pode ser resolvida com ações educativas e de resgate da cultura negra. O filho de um comerciante ou médico português, italiano, ou alemão, com uma afrodescendente, é branco ou negro? Precisa de cota?
    •  Wyllison disse:
      As cotas raciais devem existir sim, temporariamente, só por uns 300 anos, que foi o tempo de maior exploração e segregação do negro no Brasil.
  7.  Rogério Ferraz Alencar disse:
    Por ironia, o Fala Sério pôs um cachorro preto, raivoso, atacando um cachorrinho branco, indefeso.
    •  Sala Fério disse:
      Rogério, nenhuma conotação intencional. Como sabemos, o algoz israelense não é negro e suas vítimas palestinas não são brancas: ambos são de etnia semítica. Agradeço sua observação e a ajuda para despertar o interesse em meu modesto blog. rs (sou descendente de brancos, negros e índios)
  8.  Norberto disse:
    Nunca precisamos de cotas no futebol por que até um tempo atrás futebol era coisa de peão, da arraia miúda e não pagava salários milionários!…Com a mudança de status e pagamentos a quantidade de brancos aumentou! Para mim isso é visível!
  9.  thalita disse:
    lembrando a importância do clube de regatas vasco da gama que nos salvou de ser uma pátria aonde os fla X flus ocorreriam nas quadras de tênis ou badminton.

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