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quarta-feira, 24 de setembro de 2014
O PAPEL DA MÍDIA NA DIFUSÃO DO RACISMO E O SILÊNCIO ACADÊMICO
Por: Danilo Santos
Discutir o racismo no Brasil é muito complicado. Complicado porque falta muita seriedade no debate entre o público leigo, público tanto passivo quanto ativo às práticas discursivas do racismo. No meio acadêmico a discussão é riquíssima no sentido de trazer à tona novas abordagens e reinterpretações sobre o nosso passado colonial escravocrata. Mas o debate perde em qualidade quando o tema “racismo” se fecha, se isola nas comunidades acadêmicas. Quando isso acontece, o alcance dos discursos racistas por parte das camadas conservadoras é muito maior sobre a sociedade. Há necessidade dos pesquisadores acadêmicos democratizarem os frutos das suas pesquisas nas mídias mais acessíveis e em linguagens acessíveis aos leigos. Se isso não acontecer, discursos preconceituosos dos Danilos Gentilis serão mais receptivos, alimentando as práticas racistas que vemos na atualidade.
Discutir o racismo no Brasil é muito complicado. Complicado porque falta muita seriedade no debate entre o público leigo, público tanto passivo quanto ativo às práticas discursivas do racismo. No meio acadêmico a discussão é riquíssima no sentido de trazer à tona novas abordagens e reinterpretações sobre o nosso passado colonial escravocrata. Mas o debate perde em qualidade quando o tema “racismo” se fecha, se isola nas comunidades acadêmicas. Quando isso acontece, o alcance dos discursos racistas por parte das camadas conservadoras é muito maior sobre a sociedade. Há necessidade dos pesquisadores acadêmicos democratizarem os frutos das suas pesquisas nas mídias mais acessíveis e em linguagens acessíveis aos leigos. Se isso não acontecer, discursos preconceituosos dos Danilos Gentilis serão mais receptivos, alimentando as práticas racistas que vemos na atualidade.
Um dos principais argumentos dos racistas, é o de que no
Brasil não existe racismo. Para eles, o que existe é um “coitadismo exacerbado”
que vê racismo em tudo. Para construírem tal argumento, utilizam o famoso
bordão: “Mas que mal há em chamá-lo de macaco? Me chamam de palmito e eu nem
ligo.” É o que dizem os Gentilis. O que eles ignoram é o fato de que a
ideologia inerente à animalização do negro, foi um fator determinante para
legitimar a escravidão dos negros africanos desde os tempos em que aquele continente
se viu sob o jugo do império islâmico. Até nos escritos gregos da Antiguidade,
principalmente nos escritos de Hipócrates e Galeno, ambos, médicos, o negro
africano é representado analogicamente à condição animal. Mas vou simplificar e
falar mais da construção da identidade nacional na perspectiva oficial para mostrar
o quanto é equivocado o argumento de que não há mal algum em denominar um negro
de “macaco” e o que isso implica na prática.
Quando se deu a Abolição, em 13 de maio de 1888, Joaquim
Nabuco disse que as conseqüências de mais de 300 anos de cativeiro perdurariam
por 100 anos. Passaram-se os 100 anos e as conseqüências ainda perduram. Nabuco
errou no cálculo, infelizmente. Mas o que Nabuco realmente quis dizer? A quais conseqüências
ele se refere? Acredito que o maior visionário e que respondeu a essa pergunta,
foi Machado de Assis. Machado de Assis dizia que o negro, após a Abolição, não
conquistaria plena liberdade porque continuaria excluído do projeto de
construção da identidade nacional. Dizia que as estruturas opressivas aos
escravos se (res)significariam na opressão e exclusão dos “cidadãos negros”. A
República prometia em seu discurso a elevação de todos os homens à categoria de
“cidadão”. Isso no discurso. Na prática os negros continuaram relegados à
condição de sub-humanos. Se antes havia a figura do capitão do mato, na
República teríamos a figura do agente policial à caça de “vagabundos”.
Sem direito à terra e expulsos das grandes fazendas, a massa
de ex-escravos ocupariam os centros urbanos. Sem emprego, exerceriam o trabalho
informal, à mercê da repressão policial. Nas antigas fazendas, no lugar do
negro vieram os europeus brancos. Enquanto vinham europeus, a entrada de
africanos no país passou a ser proibida. A estratégia oficial era o
branqueamento do país. O governo brasileiro até bancava a viagem de negros que
quisessem voltar à África. A Educação Eugênica vigorava nos currículos
escolares, ensinando aos cidadãos brancos a superioridade da “raça”. Os
escritores que tentavam dar uma identidade nacional ao Brasil, bebiam na fonte
de escritores europeus que difundiam uma concepção determinista evolucionista das
raças. Neste sentido, para Karl Von Martius e Varnhagen, historiadores do
Império, o entrave para o desenvolvimento do Brasil era a raça negra.
Para se ter uma idéia da força dessa ideologia,
empresto a análise feita pelo professor Eduardo França Paiva sobre a pintura
abaixo.
O nome da pintura já nos diz muita coisa. Portanto,
iniciaremos pela análise do mesmo. Cã foi o filho de Noé que foi repreendido
pelo pai por ter visto o patriarca nu. Na tradição lendária judaica, por essa
falta cometida, os descendentes de Cã foram amaldiçoados à escravidão, os Canaanitas.
Mas na Bíblia não diz nada sobre a cor da pele desses descendentes, e mais, os
Canaanitas não eram do continente africano, mas sim vizinhos dos Hebreus no
Oriente Médio. Mas de onde Marco Feliciano tirou a idéia de que eram os negros
africanos os amaldiçoados? Aí que entra outro personagem na História: o Islã.
Na versão lendária do Islã, os africanos seriam os descendentes amaldiçoados de
Ham, outro filho de Noé. Foram os muçulmanos que deram essa versão para
legitimar a escravidão na África já no califado Abássida. Como o Islã dominou a
Península Ibérica, da qual faz parte Portugal, os portugueses se apropriaram
dessa versão muçulmana para legitimar a escravidão africana nas suas colônias.
Analisando agora a pintura em si, a mulher mais negra é a
alegoria dos descendentes de Cã e do passado colonial. Não esqueçamos que a
pintura é de 1895, já na República. Portanto, ela nos diz muito sobre o ideal
de nação da oficialidade do poder. No centro, há a moça mulata, filha da velha
negra. A mulata já sofreu o processo de mestiçagem. O homem, mais branco, é a
analogia do típico italiano camponês. A criança, já de pele totalmente branca,
é a analogia do futuro. Um futuro em que não haveria mais negros por conta do
processo de mestiçagem. O futuro da República e do desenvolvimento. A velha
negra levanta as mãos aos céus se redimindo, agradecendo aos céus por não legar
um futuro negro à nação. A criança faz um sinal de “Abenção”, que remete ao
Cristianismo primitivo, como se quisesse dizer “Amém”.
Como podemos ver, numa só pintura analisada, podemos
sintetizar vários discursos dos intérpretes não só do Império, como também dos
posteriores à Abolição. De fato, essa ideologia de exclusão do negro na
formação da nação por meio da mestiçagem, já que acreditavam que quanto mais
mestiçagem mais branca seria a Pátria, refletiu na exclusão do negro na
conquista pela cidadania.
Só para citarmos como exemplo como se deu essa exclusão,
basta uma simples abordagem sobre a Revolta da Vacina, ocorrida na cidade do Rio
de Janeiro em 1904. A República vinha com a promessa de modernizar e isso
implicaria reformas urbanas. É quando o pais quer se mostrar desenvolvido aos
olhos do mundo. Como vimos que desenvolvimento era sinônimo de branqueamento,
tendo como espelho a Europa, especialmente a Paris da Bélle Epocque, não seria
bem quisto um Rio de Janeiro cujo centro urbano transbordava negros para todo
lado. Nos diários de viajantes da época há relatos de abominação à cidade por
conta da grande quantidade de negros.
Os negros eram descritos como “fezes sociais” nos relatórios
de polícia. Os responsáveis pelo atraso, pela desordem. Aí que a política
higienista de Oswaldo Cruz caiu como uma luva para expulsar os negros do centro
da cidade. Durante a matança de negros pela polícia, nos relatórios oficiais os
negros eram rebaixados às doenças contagiosas as quais a reforma higienista se
propunha a neutralizar. Os que conseguiram sobreviver, ocuparam os morros, que
hoje são as favelas. Outros foram colocados em porões de navios e asfixiados
com cal e mandados para trabalhos forçados na Amazônia. Muitos nem sobreviveram
à viagem.
Excluídos do projeto de nação, os negros não tiveram acesso a
direitos sociais básicos que lhes proporcionassem ascensão social. Não
conseguiam trabalhos formais, eram em sua maioria analfabetos e por serem
analfabetos, não tinham nem direito ao voto. Então, temos que vasculhar o
passado e ver quais as conseqüências desse passado no nosso presente. Ao negar
a humanidade de um ser Humano, chamando-o de macaco, estamos trazendo à tona um
discurso utilizado por centenas de anos para legitimar a segregação e a
exclusão. Esse discurso preconceituoso reflete nos dados estatísticos sobre
repressão policial, defasagem educacional, desigualdade social. Reflete na
dificuldade de lutar pelos direitos políticos e sociais. Não adianta dizermos
que não há racismo quando no Brasil a pobreza, o analfabetismo e os cemitérios
têm como cor dominante a cor negra.
Está mais do que na hora dos acadêmicos e
pesquisadores envolvidos com os temas relacionados ao racismo tomarem os
espaços dos propagadores conservadores. É inadmissível que sujeitos como Danilo
Gentili permaneçam à vontade para difundir o racismo sem respostas à altura da
sua audiência. Ao acadêmicos, peço que deixem essa redoma universitária de
congressos e seminários, e venham para a rua. Ocupem os jornais mais populares,
as rádios, os canais de TV. Fiquem cara-a-cara com a sociedade e dialoguem numa
linguagem acessível. De nada adianta escrevermos somente para revistas
científicas se tais mídias não chegam às mãos daquele aluno de Ensino Médio que
assiste pela TV a difusão do racismo velado e hipócrita. Se tal iniciativa não
partir daqui de baixo, não vai partir nem de Globo, nem de SBT e nem de nenhuma
mídia de grande audiência, uma vez que tal iniciativa afeta diretamente os
interesses dos que se mantém no privilégio rebaixando os demais pela cor da
pele.
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