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Latitude 15
“Suas primeiras 10 mil fotografias são as piores”. – Henri Cartier-Bresson
Brasília | CONIC
O CONIC é certamente um cliché de
Brasília. Ele permeia o imaginário da cidade e, de certa forma, todo
brasiliense pensa saber tudo sobre ele. E as principais imagens que vêm à
mente quando falamos do lugar são prostituição, drogas, abandono.
Esses elementos fazem parte do local,
claro; mas há outras dinâmicas que foram obscurecidas por essa velha
imagem que se cristalizou do fim dos anos 80 aos 90. Esse foi um período
difícil para todo o país, e que atingiu Brasília com a desvalorização
do serviço público (nossa principal fonte da riqueza), as desastrosas
administrações de Joaquim Roriz, e as demissões em massa de servidores
no período Collor (que gerou a primeira grande onde de ambulantes da
cidade, que ocuparam por um longo período diferentes locais no entorno
da Rodoviária, até a retirada da grande feira que havia onde hoje está a
estação central do metrô). Todos esses elementos juntos colaboraram
para uma decadência geral dos espaços públicos, culturais e de lazer da
cidade, sua concentração nos shopping-centers nascentes (Pátio Brasil e
Brasília Shopping), que lentamente estrangularam não apenas o CONIC, o
Venâncio 2000, o Cine Karim (que sempre fez uma duvidosa propaganda de
ter “a maior tela da América Latina”) como de toda a W3 Sul.
Em épocas melhores, o CONIC talvez tenha
concentrado a mais rica vida social e cultural do Plano Piloto. Durante
muitos anos, as melhores e mais cosmopolitas livrarias da cidade (antes
da era da Amazon) eram a Casa do Livro de Brasília e a Livraria
Eldorado, onde podia-se encontrar com frequência oferta de títulos em
espanhol, francês e inglês.
A Livraria Eldorado fechou primeiro, logo
após a venda do Cine Karim do CONIC para igrejas evangélicas, assim
como o antigo Café Eldorado, que ficava em frente à livraria, e era um
ponto de encontro de políticos e intelectuais da cidade e do país. Com
seu estilo boêmio, ele não resistiu; pouco tempo depois do fechamento da
livraria, com o assédio da Igreja Universal, que havia comprado o Cine
Atlântida, onde está até hoje, o antigo Café Eldorado também encerrou
suas atividades de saraus, lançamentos de livros e discussões políticas.
A Casa do Livro fechou há alguns atrás,
após mais de uma década de resistência heróica, incapaz de competir com
as livrarias franqueadas dos shoppings e com a fuga de clientes do
CONIC, por conta do estigma que se criou sobre ele.
Hoje, do lado de fora, na face leste
(virada para o Eixo Rodoviário) as pessoas passam apressadas saindo do
Setor Comercial Sul em direção à Rodoviária do Plano Piloto; na face
oeste (virada para o Hotel Nacional), consumidores de crack e
traficantes vão e voltam, tentado encontrar um espaço menos exposto à
vigilância policial. Do lado de dentro, no entanto, sindicatos, igrejas
evangélicas, óticas, lojas de informática, cabelereiros, e bares se
inter-relacionam numa dinâmica contraditória, por certo, mas
provavelmente complexa e mais diversa do ponto de vista de classe,
gênero, etnia e ideologia que os demais espaços do Plano Piloto, sejam
comerciais, sejam públicos.
O CONIC abriga reuniões de sindicatos,
igrejas evangélicas, partidos políticos, grupos autônomos, e
intelectuais. Pode-se encontrar também sex-shops, livrarias cristãs e
lojas de produtos para candomblés e umbandas. Além de, ao menos, dois
salões afro em funcionamento, depois da mudança do Nzinga para o
Venâncio 2000, até então um ponto de referência para boa parte da
comunidade negra politizada do DF.
O CONIC é um desses espaços que pede um
segundo olhar, e uma visão com menos preconceitos. Em seu interior,
amplia-se uma rede comercial baseada na juventude e na expressão da
cultura de rua. Skatistas, fãs de comic books, jogadores de RPG,
desocupados de todas as espécies, militantes políticos e estudandes
dominam um espaço nobre da região do Plano Piloto, numa dinâmica que é
preciso conhecer e, talvez, proteger da insasiável especulação
imobiliária do DF, em cujas brechas, uma vida menos homogênea ainda
flui.