terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Um panorama da música afro-brasileira


http://www.nre.seed.pr.gov.br/toledo/arquivos/File/equipe_multidisciplinar/indicacao_leituras/dos_generos.pdf



SÉRIE ANTROPOLOGIA
275
UM PANORAMA DA MÚSICA
AFRO-BRASILEIRA
Parte 1. Dos Gêneros Tradicionais aos
Primórdios do Samba
José Jorge de Carvalho
Brasília
2
2000
Um Panorama da Música Aro-Brasileira
Parte 1. Dos Gêneros Tradicionais aos Primórdios do Samba
José Jorge de Carvalho Tinker
Professor of Music University of Wisconsin
Madison
Este texto resume algumas das aulas que mi
nistrei na Universidade de Wisconsin -
Madison no primeiro semestre de 1999, como Prof
essor Visitante da Cátedra de Etnomusicologia
através da Bolsa Tinker. Esta
primeira parte das no
tas corresponde a apro
ximadamente dez das
quinze aulas ministradas. Ficaram de fora as notas
relativas à música das religiões afro-brasileiras
(tais como candomblé, xangô, mi
na, batuque, jurema e umbanda)
e dos estilos de
música popular
de origem afro (bloco, axé music, etc.) e as
discussões sobre a globaliz
ação dos gêneros musicais
afro-brasileiros. Espero incluí-las posteriormente numa segunda parte.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer à Profª. Lois Anders
on pelo convite que me fez para lecionar na
Universidade de Winsconsin e por seu apoio
generoso e incondicional durante toda a minha
estada em Madison. Agradeço também aos Pr
ofs. Anderson Sutton, Henry Drewal, Francisco
Scarano, Susan Cook, Severino Albuquerque, bem
como Willy Ney, Tigani Eltahir, Michael
Ferreira, Roger Pierson, Theo Lorent, Juana Díez, Clara Salazar, Bolaji Campbell, Cheryl,
Jasmina, Shani, e Sarah Sprague por sua consta
nte ajuda e amizade. Agradeço a Ari Oro pela
remessa de materiais e, muito
especialmente, a Letícia Rodri
gues Vianna, que prestou-me ajuda
intensiva na localização de inúmer
os discos no Rio de Janeiro.
Agradeço de co
ração a todos os
alunos matriculados no curso, aos que o freqüenta
ram na condição de ouvi
ntes, e à colega Profª.
Claudia Melrose. Sua acolhida calorosa muito
me estimulou e inspirou na organização destas
notas. A presente versão em português, ligeira
mente ampliada e corrigida, do texto em inglês
publicado pela Universidade de
Duke (Carvalho 2000), foi reali
zada por Ricardo Rocha e revista
por Roberta Salgueiro, aos quais agradeço. Finalm
ente, à minha família, Rita, Ernesto e Jocelina,
que partilharam comigo a rica experiência em Madison, todo o meu amor.
3
ÍNDICE
I. Música Afro-brasileira – uma visão geral
II. Teorizando os gêneros musicais: música, texto e história social
a) Texto musical
b) Hibridismo
c) Gêneros
d) Estereótipos
e) Contextualidade e intertextualidade
III. Gêneros Rurais Tradicionais
a) Vissungos
b) Jongo
IV. Gêneros Ritualísticos Vinculados ao Catolicismo
a) Candombe de Minas Gerais
b) Congos e Irmandades Católicas Negras
c) Taieiras de Sergipe
d) Dança de São Gonçalo
e) Tambor de Crioula do Maranhão
V. Primórdios da Música Popular sob a influência da industrialização:
Pelo Telefone
, o
mito fundador do samba brasileiro.
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I. MÚSICA AFRO-BRASILEIRA: UMA VISÃO GERAL
Tentarei apresentar aqui uma
visão geral das várias tradiçõe
s musicais de
origem africana
que se desenvolveram no Brasil
a partir das primeira
s décadas seguintes à
chegada de escravos
trazidos do continente africano ao país. As discu
ssões incluirão formas ritualísticas e seculares
de música afro-brasileira.
Escritos como orientação para uma série de
palestras, os argumento
s tiveram de ser aqui
apresentados de forma muito sintética. Espero que
o leitor possa captar a perspectiva teórica geral
parcialmente implícita nas análises e interpreta
ções dos exemplos musica
is que apresento. Não
obstante, acredito que,
ao término do texto, ficarão estabel
ecidos os contornos
da abordagem que
utilizo. Em poucas palavras, esta abordagem tenta
extrair sentido de uma tradição musical tal
como a afro-brasileira (onde praticamente todos os gêneros musicais são ao mesmo tempo
gêneros cantados) pela articulação de pelo menos três das múltiplas dimensões de um texto
cultural: textura musical das canções, textura poética da
s letras e inscrição oral da história social.
Esta última dimensão é entendida
aqui no sentido amplo do conjun
to geral de condições práticas
que moldaram aqueles gêneros musicais que c
onseguiram alcançar uma estabilidade formal, a
qual lhes permitiu desenvolver uma vida parcialmente desvinculada das circunstâncias sociais
e históricas iniciais que elas comentam por meio de signos estéticos.
Interessa-me especialmente desenvolver um mo
delo conceitual que permita compreender
como os gêneros são cr
iados, ampliados e transformados no
curso do tempo, e como certas peças
de um repertório são recriadas quando passam de um gênero para outro. Isso implica a hipótese
de uma unidade subjacente à experiência musical afro-brasileira. Existe um espaço nacional que,
em determinada medida, forçou um processo de intertextualidade, mesmo que baseado nas
condições de crueldade e horror características da
escravidão. Contudo, te
nho fortes motivos para
acreditar que a música afro-brasileira experime
ntou, muito claramente, uma enorme expansão
após a segunda metade do século XIX e especi
almente no início do século XX – logo após a
nação se consolidar e ter seus limites definidos e fechados. Só muito recentemente, no final do
século XX, as religiões e a mú
sica afro-brasileiras estão transcendendo as fronteiras nacionais
e expandindo-se para a Argentina e o Uruguai,
onde provavelmente novos processos de fusões,
sincretismos e cruzamentos – provavelmente mu
ito diferentes dos que
conhecemos até agora
estão ocorrendo e precisam ser es
tudados em relação às tradições musicais argentina e uruguaia.
Existem dois modelos bem distintos de tradições religiosas afro-brasileiras que refletiram
duas organizações musicais diferentes. O primei
ro modelo, que identifi
co em uma palavra como
o modelo do candomblé (nome dos cultos afro-brasileiros tradicionais preservados na Bahia, dos
quais o culto xangô do Recife é um equivalente)
, tem se mantido extraordinariamente coeso e
fechado a influências externas. Altamente aris
tocráticos e elitizantes, com um processo de
iniciação muito elaborado e exigente, os culto
s de candomblé e xangô tentaram de certa forma
congelar a expressão musical torn
ando-a cativa de sua liturgia
. Consequentemente, a ortodoxia
e o conservadorismo são sua grande força. O
resultado é um fascinante mundo de símbolos,
organizado internamente com tal controle por
parte dos líderes que convida a uma análise
estrutural. Por se tratar de um universo id
eologicamente fechado, é possível ir à busca de
transformações, oposições e equivalências estr
uturais, mantendo-se uma unidade no final da
interpretação. Nesse modelo, portanto, a teoria
mais próxima será de uma natureza que permita
amplo espaço para argumentos funcionalistas e estr
uturalistas. Uma análise sensível ao contexto,
para utilizar uma expressão cara
a John Blacking (1974), será pr
aticamente inevitável. Isso não
significa uma crítica a esse tipo
de análise, mas
antes uma observação sobr
e o fato de que a teoria
que se exercita depende da questão que colocam
os ao material que tentamos compreender; e,
mais ainda, depende sobretudo da resposta que
damos aos desafios intelectuais e estéticos

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