quinta-feira, 11 de abril de 2013

QUILOMBO - MA

http://www.jornalpequeno.com.br/2007/10/27/Pagina66703.htm

EXCLUSÃO EM TERRA DE NEGRO

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28 de outubro de 2007
POR OSWALDO VIVIANI
A plena libertação ainda não chegou para quase 600 pessoas que vivem na comunidade quilombola Santo Inácio
A maior comunidade de descendentes de escravos de Pedro do Rosário está localizada a uns 10 quilômetros da sede do município. Chama-se Santo Inácio e abriga quase 600 pessoas. Lá, a plena libertação ainda não chegou: os moradores são flagelados pela falta de água, renda, escola e assistência médica adequada, entre outras carências.
A escola da comunidade quilombola funciona em instalações precárias
A boa vontade do prefeito Adaílton Martins (coisa rara entre gestores), que colocou um carro e um motorista da prefeitura à disposição da reportagem, facilitou minha tarefa de registrar como vive a comunidade quilombola.
No caminho para Santo Inácio, passamos pelo povoado Três Palmeiras – que, por ter uma estrutura maior, funciona como se fosse a sede da comunidade, que fica distante do povoado cerca de três quilômetros.
É em Três Palmeiras que os moradores de Santo Inácio realizam suas transações comerciais – comprando e vendendo mercadorias. Os quilombolas também têm de se deslocar até lá para serem atendidos pelo Programa Saúde da Família (PSF) e estudar a partir da 5ª série. Até para dar um simples telefonema, o jeito é se dirigir ao povoado, já que em Santo Inácio não há telefone público.
Logo na entrada da comunidade, encontrei o presidente da Associação Comunitária Quilombola de Santo Inácio, Henoc Matos, de 32 anos, um dos principais responsáveis pelo fato de os quilombolas já serem donos dos 1.393 hectares de terra de Santo Inácio. “Ter nossa terra demarcada e titulada foi uma grande conquista, mas aqui ainda falta muita coisa”, afirma Henoc.
Dona Elásia, 86 anos, e Deisiane, 12: vida difícil, onde a falta d’água é o principal problemaFlagelo da falta d’agua – A principal carência de Santo Inácio, segundo o líder comunitário Henoc, é a água. “Aqui na comunidade só se encontra água nos poços que a gente cavou. Não há poços artesianos nem reservatório de água. Os poços rudimentares são poucos e todos ficam mata adentro, longe do núcleo da comunidade. E nem todos os poços têm água boa para beber. A água de alguns deles só presta para lavar roupa e louça ou usar na construção das casas”.
Acompanhado de Henoc e de uma jovem moradora da comunidade – Deisiane, de 12 anos –, fui até dois dos poços que servem Santo Inácio, localizados a cerca de um quilômetro do núcleo da comunidade.
No primeiro deles, que não tem água potável, encontramos Paula de Jesus Pereira Aires, de 55 anos. Ela tem oito filhos e todo dia cumpre uma rotina árdua, carregando roupa para lavar à beira do poço.
Paula reclamou da escassez da água e contou que quando os poços secam a situação piora. “A água desse poço que eu uso, por exemplo, já está acabando”. Quando a água dos poços seca, a saída é mandar buscar o líquido no povoado vizinho, Três Palmeiras, ou até mesmo na sede de Pedro do Rosário.
No segundo poço que visitamos, a água era boa para beber, mas ele fica numa área de difícil acesso. Para garantir o líquido raro, os moradores têm de carregar os recipientes de água por uma trilha irregular e íngreme, cheia de subidas e descidas. A menina Deisiane já fez esse percurso centenas de vezes, mas não reclama. “Pior é não ter água”, conforma-se.
Sem geração de renda – Em Santo Inácio – a exemplo da maioria dos povoados de Pedro do Rosário – não há geração de renda. As pessoas sobrevivem apenas do que colhem em suas roças de arroz, mandioca, milho e feijão. A roça é “no toco”, ou seja, feita do jeito indígena: a vegetação é derrubada e queimada, seguindo-se o plantio, sem a utilização de nenhum tipo de tecnologia para preparar a terra para o cultivo nem na hora da colheita.
O poder público tem feito bem pouco em Santo Inácio. Nem mesmo casas de farinha – construídas com recursos municipais, estaduais e federais em várias comunidades rurais maranhenses – foram implantadas na localidade. “Casa de farinha aqui, uns têm, outros não. Os que possuem às vezes cedem para os que não têm poderem trabalhar. Se alguém nos ajudasse a instalar uma casa de farinha em Santo Inácio seria ótimo”, diz Henoc Matos.
Além desses problemas, vi outros sinais de abandono e pobreza em Santo Inácio – particularmente na escola da comunidade (que funciona em instalações precárias) e em algumas taperas caindo aos pedaços, onde gente que nada possui insiste em viver.
‘Celebridades’ – Mas apesar de todas as mazelas, o contato com algumas “celebridades” fascinantes da comunidade foi suficiente para reanimar meu espírito. A primeira delas foi o líder comunitário Henoc Matos, um negro de gargalhada despojada que, quando criança, segundo contou, chegou a caminhar, por diversas vezes, quase 20 quilômetros para ir e voltar da escola em Pedro do Rosário. Hoje Henoc cursa o 5º período da faculdade de História, na Uema (PQD), em Pedro do Rosário. Ele também é pai-de-santo.
Outra personagem apaixonante de Santo Inácio é Elásia Bispo Campos, de 86 anos, que mora na área quilombola desde sua “mininice”, segundo ela. Tagarela e alegre, Elásia – que tem totalmente brancos os cabelos, as sobrancelhas e, acreditem, a barbicha e um bigodinho ralo – não parou de contar “causos” sem pé nem cabeça nem quando posava para as fotos.
Finalmente, conheci em Santo Inácio um homem que, de uma certa forma, flerta com a morte. Brasiliano Maranhão, de 94 anos, simplesmente guarda, no casebre em que mora, o caixão simples dentro do qual quer ser enterrado. O exemplo é seguido por seu filho, Vítor Maranhão, que tem o caixão como “companheiro de trabalho” na casa de farinha da família. Como se não bastasse conviver com o caixão, seu Brasiliano também cuida com esmero de algumas peças de vestuário alvíssimas, com as quais ele acredita que vai chegar vestido ao desconhecido andar de cima.
Brasiliano, que é surdo e se expressa com dificuldade, não pôde me responder sobre o motivo do macabro hábito familiar, mas seu filho Vítor garantiu que – além de evitar que os parentes tenham despesas com o enterro –, o costume faz a “Fatídica” esquecer da gente por um bom par de anos. No caso do “nono” Brasiliano, a coisa parece que está dando certo.

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