Técnicos negros têm pouco espaço no futebol brasileiro?
Postado por Instituto Mídia Étnica - Redação Correio Nagô*
"Me desculpe, você é
preto". Este foi o título de uma matéria recente da revista Placar que fez
uma reflexão sobre a quantidade de técnicos negros no futebol brasileiro. O
texto trouxe desabafos de treinadores negros, cada vez mais raros no alto
escalão do futebol brasileiro, e teve como personagem principal Lula Pereira,
ex-técnico do Bahia, e que disse ter ouvido de cartolas a frase que serviu como
chamada da reportagem.
Pegando o gancho, uma reportagem publicada pelo iBahia
Esportes deu continuidade à discussão e entrevistou profissionais atuantes no
futebol baiano, desde dirigentes até treinadores.
O primeiro a falar foi Paulo Isidoro, ex-meia-atacante da
dupla Ba-Vi e atualmente auxiliar técnico do Ypiranga. Avançado no curso de formação
de treinadores da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o ex-atleta revelou
incômodo com a falta de discussão sobre o tema.
"Eu esperava tanto que alguém falasse isso comigo, é
algo que me incomoda muito. O futebol brasileiro sempre teve vários destaques
negros em campo, o nosso símbolo é negro (Pelé), mas fora de campo isso não
acontece. Não sei se é preconceito, má qualificação... Acho que é um pouco de
cada, acho que se você se qualificar bem, se você buscar aquilo que você quer,
acho que você alcança. Mas às vezes é estranho. Olha o Andrade, como é o cara é
campeão brasileiro pelo Flamengo, time de repercussão mundial, e depois não
consegue trabalho?", destacou ao IBahia Espostes o ex-atleta.
Primeiro técnico negro campeão brasileiro, Andrade assumiu o
Flamengo de 2009 de forma provisória, mas foi efetivado no cargo e conquistou o
hexa nacional pelo clube. Porém, acabou demitido cinco meses depois com 73% de
aproveitamento. Após ficar sem emprego durante meses em 2010, desabafou em
entrevista à TV Globo. "Uns dizem que é por causa do meu vínculo com o
Flamengo e outros falam de preconceito. Não existe treinador negro trabalhando
na Série A. Alguns amigos me dizem que não estou trabalhando por causa da minha
cor. Mas não quero acreditar nisso", comentou na época. De lá para cá, ele
só comandou Brasiliense, Paysandu e Boa Vista-RJ.
"Andrade não foi o escolhido do Flamengo. Foi um acaso,
uma solução temporária. Só assim que os técnicos negros têm chance",
opinou Lula Pereira à Placar. Ele, que comandou o Bahia em 2003 e 2006, esteve
à frente do Rubro-negro carioca em 2002 e está sem clube desde que saiu do
Ceará no ano passado. Ao término das Séries A e B do Brasileiro em 2012, por
exemplo, apenas um entre os 40 técnicos era negro: Anderson Silva, interino do
Ceará no fim de temporada.
"Vivemos numa sociedade preconceituosa, de uma falsa
democracia. Prega-se um moralismo imenso, mas as atitudes são quase nada. E não
seria de se estranhar isso. Acho coincidência demais. A gente carrega isso de
goleiros, de que goleiro negro no Brasil não dá. Criou-se uma cultura no Brasil
desde o Barbosa (goleiro da Seleção de 1950). Penso que seja realmente uma
forma de preconceito. Não é possível que tantos jogadores com qualidade não
tenham vingado como técnicos pelo simples fato de serem negros", afirmou à
reportagem Janilson Brito, comandante do Juazeiro, segundo melhor time da
primeira fase do Baianão 2013.
Mestre em História pela Universidade Estadual de Feira de
Santana, Henrique Sena, que defendeu a dissertação "Pugnas Renhidas:
futebol, cultura e sociedade em Salvador, 1901 -1924", fez uma análise do
ponto de vista histórico. "Há uma desigualdade na qual os negros apenas
assumem a posição quase que unicamente como jogadores, enquanto que as elites
brancas, que ainda são os que comandam o futebol do ponto de vista
institucional (dirigem e presidem clubes, associações e federações), assumem as
posições intelectualmente privilegiadas. Vale lembrar que a inexistência de
negros dirigindo ou treinando clubes de futebol continua a ser legitimada por
resquícios de um racismo científico no qual os negros apenas possuem virtudes
físicas e corporais como força, velocidade, enquanto que as habilidades do
intelecto eram naturalmente associadas à raça branca".
*Com informações do iBahia Esportes
Nenhum comentário:
Postar um comentário