13 de maio de 2014 • 08h28
• atualizado às 08h30
Lei Áurea: o final de uma luta que começou bem antes de 1888
Antes da Lei Áurea, sancionada há 126 anos, Amazonas, Rio Grande do Sul e São Paulo já não tinham mais escravos; sistema logo chegaria ao fim
Em 13 de maio de 1888, a
princesa Isabel assinou a Lei Áurea, decretando o fim da escravidão no
Brasil. Nessa época, porém, a escravidão estava em decadência como
sistema econômico, o contingente de escravos era menor que o de negros
livres e alforriados, o trabalho assalariado já existia e o Império
estava sob pressão dos movimentos abolicionistas nacionais e da
Inglaterra.
“A escravidão era uma rainha sem coroa”, segundo a
professora de história do Instituto Federal do Sertão Pernambucano
Valéria Costa. Nessa época, explica ela, o sistema escravagista já tinha
ruído e seu fim iria chegar de qualquer forma, com ou sem a assinatura
da princesa Isabel.
Lei Áurea: o final de uma luta que começou bem antes de 1888
Temas raciais ganham fôlego nas universidades brasileiras
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As origens da decadência da escravidão no Brasil
começaram em 1850, segundo Valéria. As leis daquela época contribuíram
para o seu colapso, como a Eusébio de Queiróz, que proibiu o tráfico de
escravos africanos para o Brasil, impossibilitando a renovação da mão de
obra, que já estava lutando para se libertar. Desde os anos 1840, os
escravos juntavam dinheiro e compravam a própria alforria; outros fugiam
para quilombos.
Havia os chamados escravos de ganho, que tinham
autorização para trabalhar com a condição de pagar aos senhores metade
de tudo que obtinham. Com o dinheiro, eles compravam a própria liberdade
e a de membros da família. Em 1870, foi assinada uma lei que garantia
ao escravo o direito de pecúlio, ou seja, proibia que o senhor
confiscasse do escravo dinheiro que ele economizava.
Em 1871, foi proclamada a Lei do Ventre Livre, que
libertava os filhos de escravas nascidos depois da lei. Mas seu impacto
foi pequeno. A lei determinava que o senhor cuidasse dos filhos de mães
escravas até os oito anos de idade, quando estes deveriam ser entregues
ao Império, que pagaria uma indenização ao senhor. Mas o senhor poderia
decidir utilizar os serviços dessas crianças até os 21 anos, abrindo mão
do pagamento. A maioria optou por ficar com as crianças - era uma
cultura senhorial, e os senhores queriam ter pessoas para servi-los,
segundo a professora.
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Com
o crescimento do movimento abolicionista, em 1880, alguns segmentos
aderiram à causa, como os intelectuais e os negros livres, que, nessa
época, já eram uma parcela significante da população. Alguns
abolicionistas influentes eram negros, como Luís Gama e André Rebouças e
até o escritor Machado de Assis. O Estado do Ceará, em 1884, já tinha
banido a escravidão no seu território, quatro anos antes da Lei Áurea.
Segundo Mary, antes da Lei Áurea, os Estados do Amazonas, Rio Grande do
Sul e São Paulo também já não tinham mais escravos.
O Brasil foi o último país do mundo a abandonar esse
sistema. A Lei Áurea repercutiu nos grandes centros, mas existiram
pequenas propriedades que levaram semanas e até meses para saber da nova
lei. Depois de libertos, alguns ex-escravos permaneceram com seus
antigos senhores por não terem para onde ir. Para Valéria, a libertação
não lhes deu cidadania, porque se tornaram reféns da falta de trabalho e
de moradia.
Nem todo negro era escravo
Para Valéria, é importante destacar que negro não é sinônimo de escravidão, porque havia muitos africanos que já chegaram no Brasil livres por terem sido resgatados de traficantes ilegais. Eles eram mandados para cá para ficar sob a tutela do Estado, e nunca conheceram a escravidão. Havia também um grande número de escravos alforriados em 1888 que já trabalhavam recebendo remuneração antes da abolição. Isso aponta para outro fato histórico importante: não houve transição da escravidão para o trabalho remunerado: na verdade, eles coexistiram durante muito tempo.
Para Valéria, é importante destacar que negro não é sinônimo de escravidão, porque havia muitos africanos que já chegaram no Brasil livres por terem sido resgatados de traficantes ilegais. Eles eram mandados para cá para ficar sob a tutela do Estado, e nunca conheceram a escravidão. Havia também um grande número de escravos alforriados em 1888 que já trabalhavam recebendo remuneração antes da abolição. Isso aponta para outro fato histórico importante: não houve transição da escravidão para o trabalho remunerado: na verdade, eles coexistiram durante muito tempo.
A imigração de europeus começa a partir da década de
1850, logo após a lei antitráfico. As elites escravocratas não queriam
mais africanos porque eles traziam para o Brasil seus “maus hábitos” e
“vícios”, como eram consideradas a música, as danças e as religiões
africanas. A imigração europeia também fazia parte de uma tentativa de
“embranquecimento” da população e da crença de que o europeu traria
consigo uma nova lógica de trabalho, porque, ao contrário do negro, ele
teria o trabalho como algo enobrecedor.
Trazer imigrantes e não dar suporte para que a população
de negros livres se integrasse ao trabalho assalariado foi uma forma de
isolar a população negra, porque após a abolição eles estavam
disputando os mesmos postos de trabalho. Disputa em que o imigrante
levava vantagem, por causa do racismo, da crença que o trabalhador
branco europeu era “melhor” e "menos preguiçoso" do que o negro. Segundo
Valéria, havia sim diferenças entre os libertos e os imigrantes, devido
às condições em que estes se encontravam. Os imigrantes queriam juntar
dinheiro e voltar para seus países, por isso aceitavam qualquer
trabalho. Os ex-escravos estavam saindo de uma cultura de opressão e
queriam trabalhar, mas não no mesmo sistema do qual tinham se libertado.
Após a abolição, o que existia era uma população negra
desempregada e proibida por lei de comprar terras, disputando vagas com
os imigrantes, em uma cultura que ainda era escravocrata e racista. De
acordo com Valéria, escravidão foi uma cultura que ainda está impregnada
na sociedade. Foram 400 anos de escravidão e faz apenas 126 anos que
ela foi extinta. Parece muito tempo, mas as mudanças culturais podem
levar séculos. “E o racismo é a marca mais cruel da herança da
escravidão”, diz.
População brasileira na época da abolição
População brasileira na época da abolição
O
primeiro censo oficial do Brasil foi feito em 1872, realizado pelas
províncias para o governo imperial. Foi o maior censo do século XIX, e
esses dados são utilizados para estimar a população nas vésperas da
abolição, pois não existem dados censitários do ano de 1888.
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