“Nós, negros, não somos covardes. Resignados, sim”
Postado em 14 mai 2014
Talvez você nunca tenha ouvido falar de Homeboy Sandman. Eu mesmo não o conhecia até ler o polêmico artigo em ele chama os negros de covardes. O texto do rapper critica a atitude dos jogadores do Los Angeles Clippers após um comentário racista feito pelo dono do time de basquete, Donald Sterling.
Para Sandman, que se afirma como negro, o protesto dos
jogadores, que vestiram meias e munhequeiras pretas e as camisas ao
avesso, foi uma ação covarde. Para ele, o mais digno seria iniciar um
boicote na NBA.
O artigo dividiu opiniões na comunidade negra, ainda mais
porque Sandman não focou só no protesto dos Clippers. Ele bate na
apologia ao estilo gangstar rap e na suposta apatia dos negros perante
outros casos de discriminação racial.
A paulada de Sandman me fez refletir se os negros
brasileiros são covardes. Seria leviano da minha parte afirmar que sim.
Duas polêmicas recentes bastam para acabar com meus argumentos: a briga
judicial de Thiago Ribeiro contra Danilo Gentili (relatada aqui no DCM) e
o episódio de discriminação racial contra a estudante Stephanie Ribeiro na PUC de Campinas.
Os dois Ribeiros (até onde sei não são parentes) foram corajosos ao
reagir a agressões desproporcionais e expor suas vidas na internet.
Mas se não há covardia entre os negros, acredito que haja
resignação. Muitos negros ainda adotam uma postura complacente diante
das contradições raciais existentes no país. Talvez influenciados pelo
mito de que vivemos em uma democracia racial e mestiça, protegem-se sob
as inúmeras matizes existentes entre o branco do europeu e o preto do
africano. Admitem-se morenos, mulatos ou pardos, nunca negros, a ponto
de sentirem-se confortáveis com uma campanha que iguala todos a macacos.
Do que chamar um negro que não se indigna que a maioria dos
trabalhadores em um canteiro de obras sejam pretos e na bolsa de
valores sejam brancos? Ou o negro que não vê sinais de desigualdade
racial no condomínio bacana onde mora, no qual todos os vizinhos são
brancos e os funcionários da limpeza negros?
Os americanos usam o termo Uncle Tom para se referir aos
negros subservientes aos brancos em troca de vantagens e integração
entre eles. Algo como um capitão do mato manso e que não faz trabalho
sujo.
Prefiro chamar-nos de resignados mesmo.
Não acho que os negros brasileiros devam seguir à risca as
sugestões de Sandman. Aliás, o que ele propôs é mais adequado à
realidade norte-americana, onde os reflexos de uma discriminação
institucionalizada pelo Estado ainda são muito evidentes.
Por outro lado, ainda há muitos negros iludidos de que “o
racismo está nos olhos dos outros”, que as piadas do Danilo Gentili
foram só mal entendido ou que o Luciano Huck e um negro teriam
tratamento igual em uma loja nos Jardins.
Dias atrás vi no TED a palestra de Mellody Hobson, presidente de uma empresa de investimentos.
Ela defende a necessidade de se falar sobre racismo,
colocar o assunto à tona e discutí-lo, por mais desconfortável que seja.
Sendo negra e atuando no mundo corporativo, ela poderia muito bem optar
por se esquecer ou relevar discriminações sofridas e resignar-se por
ser uma anormalidade nas estatísticas raciais do seu país. Mas preferiu
fazer diferente e suas ideias estão circulando mundo afora.
Mellody nos lembra que para sair da resignação não é
preciso incendiar carros ou fazer greves contra empregadores brancos.
Basta admitir-se como negro, ter olhar crítico para as contradições
raciais presentes em qualquer esquina e esquecer de uma vez por todas a
falácia da democracia racial no Brasil. Depois que a resignação vai
embora, partir para a boa ação fica mais fácil.
https://www.youtube.com/watch?v=oKtALHe3Y9Q
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