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sexta-feira, 2 de maio de 2014
Nei Lopes: Racismo e bananas - Agora falando sério
20:28
Y.Valentim
Por Nei Lopes
Nei
Lopes é um dos mais importantes compositores da MPB. Grande nome das
escolas de samba Acadêmicos do Salgueiro e Vila Isabel, é autor de
livros consagrados, como a "Enciclopédia Brasileira da Diáspora
Africana" e "O racismo explicado aos meus filhos", entre outros.
A
pedido de Conexão Jornalismo, Nei Lopes analisou o polêmico episódio
ocorrido na Espanha envolvendo o jogador brasileiro Daniel Alves:
RACISMO E BANANAS - Agora falando sério.
"O
racismo contra pretos e mestiços foi muito bem plantado na mente
brasileira, sendo hoje uma árvore maldita, mas frondosa. Que só será
derrubado no dia em que suas vitimas forem detentoras de capital
econômico, de coesão e de resistência pelo menos semelhante ao de outros
povos e segmentos historicamente discriminados. E isto se dará no campo
e nas avenidas, na terra e no mar"
(Nei Lopes)
Na
República Velha, fazendo eco a formulações racistas surgidas no
ambiente do colonialismo europeu na África, implantavam-se políticas
objetivando veladamente o embranquecimento físico e cultural da nação
brasileira. A ideologia que sustentava essas ações partia do pressuposto
da inferioridade do povo negro; e prosperou de forma quase
imperceptível até a década de 1970.
Essa
suposta inferioridade era sutilmente apregoada quase sempre como
"brincadeira", em textos humorísticos do teatro, do rádio, da tevê; em
cenas cinematográficas das chanchadas etc. Mesmo nos livros, e até nos
didáticos, os clichês de ignorância, feiúra, ingenuidade, sensualidade
ou força física animalescas, além de habilidade musical, coreográfica e
desportiva (apesar das alegadas má aparência e imaturidade emocional)
entre outros, preparavam o inconsciente coletivo nacional para o advento
final da feliz "mestiçagem brasileira". E esta era a expressão
eufemística com que se disfarçava o projeto de eliminação da mancha que
se acreditava ter sido deixada pelo escravismo na sociedade nacional.
As
reações a esse genocídio anunciado datavam pelo menos da época
abolicionista, mas foram seguidamente silenciadas ou cooptadas. Até que,
nos anos 70, em plena ditadura militar, ventos soprados do Norte
fizeram com que, ironicamente, mas com causa facilmente explicável (os
Estados Unidos estavam aqui), o movimento pelos direitos civis do povo
afrobrasileiro retomasse seu curso.
Nesse
importante decênio, a saga do herói Zumbi era recuperada em sua
essência histórica e ensejava a criação do Dia Nacional da Consciência
Negra. Na seguinte, já na vigência de um esboço de ordem democrática, no
centenário do Treze de Maio, a marcha "por uma nova Abolição" por pouco
não motiva uma forte repressão do Exército. No correr do tempo,
governos municipais, estaduais e também o federal, atendendo à
articulação das entidades negras de militância, iam criando organismos
institucionais de combate ao racismo e à exclusão. Até que chegamos aos
tempos de hoje.
- O racismo contra pretos e mestiços foi muito bem plantado na mente brasileira - |
Na
presente década, a questão afrobrasileira está posta em todas as mesas
de discussão. Inacreditavelmente, entretanto, ela não conseguiu
sensibilizar o foco de onde emanam todas as contradições da sociedade
nacional neste momento: a mídia televisiva (e certa subcultura virtual, a
seu reboque), tida como o grande oráculo do que muitos hoje referem
como "videocapitalismo". Embora as diretrizes emanadas dessa fonte
ensinem que "todos são iguais perante as leis do consumo", a tevê
brasileira insiste em ser loura de olhos azuis - orientação que sua
matriz hollywoodiana já redirecionou há muito tempo - não se preocupando
em mostrar os "outros" dentro de sua normalidade, insistindo em
mostrá-los em situações de subalternidade ou no máximo pitorescas.
Essas
questões, cujas raízes e conseqüências foram abordadas em nosso livro
"O racismo explicado aos meus filhos", lançado pela Editora Agir em 2007
e felizmente ainda em catalogo, são também, há dez anos ininterruptos,
reiteradamente discutidos no blogue "Meu Lote" (www.neilopes.com.br). Só
que, neste exato momento, nenhuma grande questão nacional é apenas
posta na mesa. Todas elas, ou quase todas, estão, para o mal ou para o
bem, indo para as ruas e até para os estádios de futebol, só não
chegando, ainda, aos sambódromos, esses admiráveis espaços da ilusão e
do distanciamento.
Digo
mais: o racismo e a exclusão não estão chegando agora ao futebol, onde
permanecem instalados desde sempre, como prova a rarefação da presença
negra entre árbitros, técnicos e dirigentes. O que se vê hoje são as
questões cruciais da Nação fazendo "quebrar o pau" nas ruas e nos
salões, inclusive naqueles das altas instâncias do poder, como também o
são os campos da bola. As torcidas "organizadas", tomadas pelo conhecido
sentimento coletivo de intolerância e revolta contra o "outro", o
inimigo, pouco diferem dos manifestantes baderneiros das cidades. Assim,
a banana jogada no gramado pode ser simbolicamente comparada ao rojão e
ao coquetel molotov atirados nas manifestações. E, como sempre, há
aquelas figuras ou organizações que aproveitam para "faturar em cima".
Então, tome de campanhas, videoclipes, mobilização de "artistas" etc.
O
gesto do jogador Daniel Alves que motivou a solicitação deste artigo,
pode ser lido como uma espécie de paráfrase do velho rifão, que agora
assim se traduz: "Dê-me um cacho de bananas que eu farei uma bananada".
Entretanto,
o racismo contra pretos e mestiços foi muito bem plantado na mente
brasileira, sendo hoje uma árvore maldita, mas frondosa. Que só será
derrubado no dia em que suas vitimas forem detentoras de capital
econômico, de coesão e de resistência pelo menos semelhante ao de outros
povos e segmentos historicamente discriminados. E isto se dará no campo
e nas avenidas, na terra e no mar.
Nei Lopes é compositor popular e escritor.
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