http://noticias.terra.com.br/brasil/racismo-apesar-de-polemicas-entidades-sinalizam-avancos,18da4a24306f5410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html
13 de maio de 2014 • 11h48
Racismo: apesar de polêmicas, entidades sinalizam avanços
Associações e ativistas em defesa do negro apontam que a população avançou degraus sociais, mas do ponto de vista racial ainda é considerado insuficiente
É unanimidade entre os
representantes de entidades de defesa dos direitos dos negros no Brasil
que o racismo ainda é uma questão a ser combatida. Porém, já é possível
citar avanços que contribuem para um país menos preconceituoso.
O representante do movimento negro da União de Núcleos
de Educação Popular para Negras\os e Classe Trabalhadora (UNEafro
Brasil), Douglas Belchior, acredita que a população negra subiu degraus
no sentido de consumo, mais por conta da dinâmica do processo produtivo
do que por parte de seus direitos. “Os avanços no ponto de vista geral
existem. Porém, do ponto de vista racial, são insuficientes. A população
negra continua onde esteve desde sempre: na base da pirâmide
brasileira. Demoram mais para conseguir emprego, são mais mal tratados
nos serviços de atendimento do Estado.” Segundo o militante e professor
de história, o movimento negro, nos últimos 20 anos, optou por defender
as políticas compensatórias e pontuais, mas não estruturantes. “A lei de
cotas raciais, agora migrando para os concursos públicos, conferências
nacionais e mundiais sobre o tema e o debate como um todo na sociedade
proporcionaram avanço na autoestima e confiança dos negros”, contrapõe.
Alexandre Braga, diretor Nacional de Comunicação da
União de Negros pela Igualdade (Unegro), entidade presente em 24 Estados
brasileiros, conta que o pontapé inicial para o avanço da luta contra o
racismo no Brasil aconteceu na Conferência Mundial contra o Racismo, da
Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em 2001 na África do
Sul. “A partir da conferência, tivemos um grande avanço do governo no
âmbito da educação, com a política de cotas, que mostra inclusive que os
cotistas vêm atingindo notas tão boas quanto os não cotistas.”
A secretária-executiva da Articulação de Mulheres Negras
Brasileiras (AMNB), Simone Cruz, cita que, com a criação da Secretaria
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2003, se
tornou possível a aplicação de políticas públicas de questões
específicas da população negra. “Hoje, conseguimos traduzir questões que
não tinham visibilidade em políticas, como a das cotas e a Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra. A visibilidade do debate
sobre a igualdade racial, principalmente em um País onde ainda existe a
negação do racismo e onde quando alguém diz que existe racismo, nunca
admite ele mesmo ser racista, é um processo que ajudou no avanço do
reconhecimento do problema em diferentes esferas do governo.”
publicidade
O que ainda precisa avançar no debate racial?
Para Belchior, ainda é preciso reconhecer que o racismo é
um problema estrutural. “O que é racismo no Brasil? Para o povo negro, o
garoto que a jornalista Raquel Sherazade chamou de 'marginalzinho' está
naquela posição por conta do racismo. A sociedade não enxerga o fato
como um problema racista. Na fila do SUS, quem morre?, quem está na
fila? A maioria esmagadora da população negra do País. Embora o elemento
racial não apareça no meio da equação, o racismo sempre estará presente
no resultado do conflito das desigualdades sociais”, explica. Belchior
ainda exemplifica que, quando dizemos que o ensino público brasileiro é
ruim, dizemos que é ruim para todos os estudantes, independentemente de
raça. Mas quando analisamos os resultados, 70% dos analfabetos são
negros, segundo ele. “Não há, no Brasil, um combate contra o sentimento
racista. Agora, com a lei que implementa o estudo da cultura
afrobrasileira desde as séries iniciais, temos uma oportunidade de
combater sua ideologia, que gera violência”.
Braga afirma que é preciso aumentar as políticas
públicas para a cultura e desenvolvimento econômico, além da educação,
estendendo também o combate às redes sociais. “Com as redes sociais, a
pessoa pode se esconder e consegue mandar uma mensagem preconceituosa. É
o racismo velado”, diz.
Simone acrescenta que os impactos do preconceito racial
na vida dos negros devem ser identificados, trabalho que já começou a
ser feito em um livro lançado pela Organização, Mulheres Negras na Primeira Pessoa.
“Muitas vezes, achamos que as cotas vão resolver o problema racial, mas
é muito mais que isso. É preciso que as mulheres negras conheçam e
entendam seu real valor, tenham autoestima, por exemplo. Para além da
questão da vulnerabilidade social, o racismo é um determinante social”,
afirma. Ela ressalta também a importância de dialogar com outras raças.
“Nós (negros) reconhecemos o que é o racismo, mas as pessoas
não negras é que precisam ter consciência que é um problema da sociedade
brasileira e que existe uma questão histórica e política que sempre foi
negada na mídia, mas que chegou ao ponto de não ter mais como negar”,
ressalta.
Somos muitos mais humanos do que macacos
O ativista Belchior acha inadmissível que ainda tenhamos
de lidar com manifestações racistas. “A ação do jogador Daniel Alves
foi interessante e positiva por gerar debate. Mas nas declarações
posteriores que deu, ele disse que o melhor seria ignorar, que é assim
mesmo, e isso foi negativo. Não acredito que devamos ignorar sem
aprofundar o tema, pois é uma mensagem racista”, afirma. “Quanto à
campanha, foi infeliz, para não dizer uma reafirmação do racismo. Não
somos todos macacos. Ser chamado de macaco é uma ofensa que está na raiz
cultural brasileira, e não vamos conseguir transformar isso em uma
afirmação legal. Crianças negras, no dia seguinte na escola, podem
sofrer ainda mais com isso, pois virou algo que o Neymar falou, por
exemplo.”
Todas
as vezes em que a sociedade se mobiliza por um problema social é
positivo, mas é preciso tomar mais cuidado com o conteúdo. É no que
acredita Braga, da Unegro. “É bacana ver a solidariedade das pessoas ao
criticar um problema muito grave no Brasil, mas o conteúdo foi errado.
Talvez se usassem a frase #somostodoshumanos, a discussão do preconceito
racial realmente estaria em um lugar de maior importância”, opina.
O que é ser negro?
A luta pela recuperação da identidade negra é intrínseca
nas entidades de combate ao racismo. Mas o que envolve se identificar
como negro? “A identidade negra é o reconhecimento de nossa
ancestralidade africana, de que a África é um espaço ímpar para a
construção da humanidade. É a valorização da diversidade, do respeito ao
outro. Fomos acusados de ser racistas ao contrário (o povo negro),
mas quem cunhou o termo racismo não foram os negros. O negro se destaca
nas áreas que estuda, no esporte. Estamos provando, com o tempo, que
não existe nada mais estúpido do que o racismo contra todos os povos”.
Braga acrescenta que cada vez mais a população se
autodeclara negra e tem orgulho de sua identidade. “Ser negro não é só a
cor, mas também fazer com que a própria população negra se beneficie do
momento econômico positivo que vivemos no Brasil, o País das
oportunidades, que ajudamos a construir, mas na hora de pegar os
resultados, o povo negro foi excluído.”Simone acredita que as políticas
públicas e visibilidade da questão racial ajudam a aumentar a autoestima
dos negros e a compreensão de quem são. “O racismo está no fenótipo, no
cabelo, na cor da pele, no nariz. Isso impede que as pessoas ascendam
para alguns espaços. É preciso valorizar o negro através da autoestima
também.”
Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
Nenhum comentário:
Postar um comentário